Patrícia acordou ao lado da mãe, na sua cama, depois de uma noite mal dormida. Apesar de quando chegou a sua mãe parecer abalada, mas de alguma maneira mais calma, uma breve conversa com Lisa pô-la ao corrente do estado dela e, como tal, achou prudente não fazer perguntas e simplesmente estar presente. A mãe estava exausta e foram ambas deitar-se, até porque a hora já ia adiantada, mas Patricia reparou que ela demorou horas até se deixar vencer pelo sono e passou a maior parte da noite a soluçar baixinho.
Levantou-se devagar para não a acordar, desceu à cozinha e pôs a máquina do café a aquecer, fez uma torrada e, quando se sentou à mesa, reparou nos molhos de chaves e na aliança.
Nada disto fazia qualquer sentido. Tinha estado em casa no fim-de semana anterior junto com o seu irmão, Tiago, e em momento algum parecia haver algum problema entre os seus pais. Antes pelo contrario, comportavam-se como namorados irritantes até ao ponto de o Tiago se voltar para eles e dizer “Eu dizia-vos para arranjarem um quarto, mas já têm um, por isso…” o que só provocou risos.
O seu pai, sempre presente para a família, tinha tomado uma atitude extrema. Porquê? Teria ele arranjado outra e simplesmente dado o salto? Não lhe parecia. O que é que ele queria dizer com “ir para o inferno”?
Nada disto parecia fazer sentido.
Estava a acabar de comer quando bateram à porta. Era Lisa.
“Bom dia. Como é que está a tua mãe?”
“Bom dia. Está lá em cima a dormir. Demorou eternidades a adormecer ontem e nem sei quando vai acordar.”
“Deixa-a dormir. Ela precisa. Ontem quando aqui cheguei estava num estado quase catatónico e sem nenhuma reação, completamente em choque.”
“Mas o que é que se passou?”
Lisa suspirou.
“Sabes, eu podia dizer-te, até porque também estive envolvida nisto tudo. E não sei se me vais ver com bons olhos depois de saberes tudo, mas não devo ser eu a dizer-te. Foi algo demasiado pessoal e intimo e eu não quero colocar palavras na boca da tua mãe.”
Patrícia olhou para ela tentando avaliar as palavras.
“Foi assim tão grave?”
“Foi. Mas vamos esperar que ela acorde e que te diga pelas palavras dela. O teu pai não te disse nada, não te ligou?”
“Liguei eu, ontem, quando vinha a caminho. Ele atendeu. Disse-me que estava no aeroporto de Frankfurt à espera de um voo de ligação.”
“Voo de ligação? Para onde?”
“Ele só me disse que ia para o inferno…”
Lisa abanou a cabeça.
“…e que tinha aceite uma promoção e foi e que a minha mãe foi a razão de ele aceitar a promoção. Isto não é o meu pai. Ele não faria isto do nada…”
Lisa manteve-se em silêncio sem saber o que dizer. Claro que lhe apetecia contar toda a verdade, mas sabia que não podia fazê-lo. Patrícia teria de ouvir da boca da própria mãe o que se tinha passado, e sabe Deus como reagiria.
Marie desceu as escadas, sentindo-se fraca e desorientada, segurando-se às paredes, entrou na cozinha e viu claramente nos olhos de Lisa e Patricia que a sua aparência devia espelhar o que sentia por dentro.
“Bom dia, mãe.” Disse Patricia enquanto notava o estado dela e se levantava para a amparar, ajudando-a a sentar-se à mesa. Marie tentava encontrar forças para falar, mas não conseguia, olhou simplesmente para Lisa que acenou a cabeça para ela com um sorriso de compreensão no rosto.
“O que é que queres comer?” perguntou Patrícia enquanto punha água a aquecer para um fazer um chá. Marie abanou a cabeça mas a filha não se ficou “Nem penses. Não quero saber de desculpas. Vais comer qualquer coisa, seja o que for. Umas torradas com manteiga?”
Marie, sabendo que não ia adiantar protestar, e nem se sentindo com forças para isso, acenou afirmativamente. Demorou o seu tempo a comer, uma vez que tinha de se forçar e quase não falaram. Depois foram apara a sala e sentaram-se. Marie sabia que tinha chegado a altura de falar, mas nem conseguia encarar a filha. Como é que lhe ia explicar isto?
“Mãe, o Tiago não pode vir hoje, porque tem um exame amanhã, mas assim que sair do exame arranca para cá.”
A mãe acenou. E o silêncio voltou. E foi Patrícia quem o quebrou, indo directa ao assunto.
“O que é que se passou?”
A sua mãe simplesmente desatou a chorar e Lisa foi de imediato para junto dela, abraçou-a e ficou assim com ela algum tempo, enquanto Patrícia simplesmente olhava e esperava por uma resposta. Finalmente a mãe olhou para ela, respirou fundo e começou a descrever tudo o que se tinha passado, desde que tinha dito a Alex acerca da festa, o que a festa era, a omissão dela e tudo o que se passou na festa.
Se a cara de Patrícia a principio parecia completamente atónita, a expressão foi substituída por choque quando a mãe lhe disse que tinha saído com outro homem e passado a noite com ele, embora sem entrar em detalhes.
“E o pai?” foi a única coisa que conseguiu perguntar.
Aí foi quando Lisa começou a falar e se Patrícia já estava chocada, pior ficou com a descrição que Lisa fez, apesar de todos os detalhes omitidos. As lágrimas já lhe escorriam pela cara e tinha a expressão mais zangada do mundo enquanto olhava para a sua mãe, que se encolhia ao olhar para ela e soluçava baixinho. Quando Lisa acabou, Marie continuou, dizendo-lhe o que se tinha passado até chegar a casa e descrevendo ambas as conversas que teve com Alex.
Quando acabou caiu um silêncio pesado. Patrícia manteve-se em silêncio olhando para a mãe com um ar ao mesmo tempo atónito e zangado. Ao fim do que parecia uma eternidade disse finalmente:
“Como é que foste capaz? O que é que te passou pela cabeça? O que é que achavas que ia acontecer? És louca? Precisas de ser internada?”
A mãe soltou um pranto aflitivo e levantou-se, saiu a correr da sala e refugiou-se no quarto, onde se enrolou na cama e se deixou ficar. As palavras da filha eram como uma confirmação final de que ela tinha estragado tudo.
Patricia ficou sentada, perdida em pensamentos. Foi Lisa quem quebrou o silêncio.
“Acho que já percebes porque é que não devia ser eu a dizer-te o que se passou.”
Patrícia simplesmente acenou.
“O Tiago vai-se passar! Não sei quanto tempo é que ele vai demorar até a perdoar, quando souber. Vai ser mau.”
Lisa assentiu.
“Patrícia, eu sei que estás chocada e tens todos os motivos para odiar a tua mãe pelo que ela fez. Acredita, percebo isso mais hoje do que ontem conseguiria.”
Patrícia olhou para ela, com um ar inquiridor, e ela continuou.
“Sabes, ontem quando aqui cheguei e vi como a tua mãe estava, além de te ligar, liguei ao meu marido e pedi-lhe para vir, trazer qualquer coisa para comermos e dar algum apoio, embora ele nunca se tivesse dado com a tua mãe. Mas graças a esta situação e à conversa que tivemos os três, houve muita coisa que foi posta numa perspectiva que nunca me tinha passado pela cabeça, nem a mim, nem à tua mãe. E a minha visão pessoal, pode dizer-se, que mudou bastante.”
Patrícia assentiu.
“Mas, precisamente porque hoje sou capaz de perceber os dois lados, peço-te que não julgues muito a tua mãe até perceberes as motivações dela. Mas não te estou a dizer para desculpares os actos. E se quiseres, posso ficar e falar contigo para que percebas. Não que aceites, mas que percebas. Ou então, se preferires, eu posso ir…”
“Não, fica. Preciso de tentar fazer sentido disto tudo.”
A verdade é que, para ela, naquele momento, nada fazia sentido.
Não é o primeiro caso, nem será o último, em que há filhas bem mais ajuizadas do que as mães.
ResponderEliminarAgora vou ver a minha novela e depois venho ler o teu poema...:)
Não há-de ser o último também... :)
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