Estava na sala de espera do aeroporto à espera que o embarque começasse. Agora que já estava aqui sentado há um bocado, o cansaço começava a pesar. Tinha um voo de algumas horas pela frente, o que lhe daria para descansar um pouco, embora soubesse que teria o descanso interrompido dai a umas horas quando aterrasse em Frankfurt para fazer a ligação com o voo que o levaria ao seu destino.
Era incrível o quanto uma vida podia mudar em algumas horas. Ontem só queria chegar a casa e calçar umas pantufas depois de um dia extenuante e hoje estava prestes a ir para o inferno! Mas no fundo, o sítio para onde ia condizia exactamente com aquilo a que ela o condenara.
O telefone tocou. Ele já o esperava.
“Sim.” Atendeu despreocupado e completamente descontraído, talvez porque já tivesse dentro de si cimentado as suas decisões, ou porque estava demasiado cansado para ter qualquer outra reacção.
“Onde é que estás? Cheguei a casa, o carro está na garagem, a porta não estava trancada e tu não estas em lado nenhum…”
“Estou no aeroporto.”
“O que é que estas a fazer no aeroporto?” foi a pergunta que veio, carregada de preocupação na voz.
“À espera que o embarque comece, claro. Já não deve demorar e eu bem que preciso de me encostar um bocado, que ainda não dormi.”
“Alex, estás a brincar comigo, ou queres castigar-me por ontem?”
“Castigar-te? Não.”
“Então?”
“Então, havia uma vaga em aberto que significa uma enorme promoção, mas que ninguém queria, eu ofereci-me esta manhã e eles têm tanta urgência que arranjaram um voo de saída ainda hoje e estou à espera. Portanto, devias estar feliz por mim, fui promovido.”
“Alex, pára com a brincadeira. Não tem graça. Anda para casa, amor. Queria tanto que estivesses aqui quando eu cheguei… Diz-me, já que estás fora, podes trazer alguma coisa para almoçarmos?”
“Já foste à cozinha?”
“Porquê?”
“Vai à cozinha”
Ela encontrou as chaves e a aliança em cima da mesa.
“Ó meu Deus!” exclamou num grito “ Alex, diz-me que não estavas a falar a sério…”
“Ao contrário de ti, eu nunca te menti!”
“Não, Alex, não sejas assim, não faças isto. Eu falei com a Lisa, sei vocês passaram a noite a fazer amor…”
“Tenho-te a dizer que não houve muito amor no que fiz com ela. Para te ser honesto, nem desejo, sequer… Mas ela estava ali e tu deves saber tão bem como eu o quanto ela é tentadora… E não havendo uma razão para resistir, descarreguei nela as frustrações todas, e, acredita, ela recebeu-as bem.”
“Então… ambos fizemos o mesmo…”
“Não percebeste, pois não? Tu enganaste-me durante uma semana inteira para me forçar a ir a um evento onde logo à partida eu detestaria ir, e só iria por tua causa. Omitiste propositadamente qual o objectivo do evento, nas tuas próprias palavras, porque sabias que se me dissesses eu jamais concordaria. Depois, já lá, quando eu descobri o propósito daquilo, desrespeitaste-me completamente, relegaste a minha vontade e os meus sentimentos. Até aqui podíamos ter saído, voltar atrás, ter longas conversas acerca de espectativas, e provavelmente a esta hora estaríamos a fazer isso mesmo e a perguntarmo-nos como é que as coisas chegaram aqui.”
“Tu não percebes…” interrompeu ela.
“Então explica-te.”
Ela respirou fundo e tentou acalmar-se um pouco. Estava à beira de um colapso nervoso. Tentou apresentar os seus pensamentos de uma forma clara.
“Alex, tu estiveste com muitas mulheres antes de mim e eu sei e nunca me importei, nem importo. Mas eu sempre só te tive a ti… E há uns anos uma das minhas amigas acabou por falar destes encontros e eu comecei a pensar como seria estar com outro homem uma vez na vida. Calculas que já podia ter acontecido há muito. Nunca faltaram oportunidades de isso acontecer, mas eu não te queria ser infiel, e achei que tu assim compreenderias. Alguém à sorte, sem nenhuma ligação emocional, uma noite. E tu irias usufruir do mesmo, como usufruíste, e hoje voltaríamos aos braços um do outro e teríamos uma experiencia nova e, esperava eu que isto nos fizesse explodir um pouco no quarto, sairmos do marasmo… Entendes?”
“Entendo perfeitamente. Mas como te estava a dizer, eu podia ter passado ao lado da semana de mentiras ou até mesmo do desrespeito e hoje estaríamos a falar e tentar perceber o que se passava connosco e a arranjar soluções, juntos. Mas depois eu disse-te, inequivocamente e sem deixar margem para duvidas para não fazeres o que te propunhas e tu relevaste completamente as minhas palavras e os meus sentimentos, viraste as costas e cometeste uma traição que eu não vou perdoar.”
“Mas eu amo-te!”
Ele riu-se com vontade pela primeira vez desde o dia anterior.
“Tu mentes-me, desrespeitas-me, trais-me e a seguir dizes que me amas? Ainda bem que não me odeias.”
“Mas tu estiveste com a Lisa. Não sei onde é que vais buscar essa superioridade moral.”
“Tu não percebes, pois não? Nós tínhamos um contracto perante o estado, mas esse contracto foi firmado com base no juramente que fizemos perante as nossas famílias, amigos e Deus. No momento em que os teus lábios tocaram nos de outro homem à minha frente, e à frente de toda aquela gente tu quebraste essa promessa. Nesse momento eu percebi o teu egoísmo extremo, ao ponto de me veres suplicar-te algo e virares as costas. Nesse momento divorciamo-nos. Nesse momento tu acabaste com a nossa relação e, muito francamente, espero não te voltar a ver.”
“Mas tu amas-me. Eu sei que me amas” gritou ela desesperada, com as lagrimas a escorrerem pela face enquanto sentia as paredes da sua casa a abaterem-se sobre si como o resto do mundo.
“Pois amo. Mas sei que o sentimento não é mútuo ou se é, não quero a marca que tu estás a vender. E é por isso que prefiro nem te ver.”
“E agora? A nossa vida? Vais pedir o divórcio?”
“Eu? Não. Para quê? Como já te disse, tu já causaste o divórcio. O contracto com o governo é só um papel que já não tem significado nenhum e passar por isso tudo, com advogados e tribunais… Acho que já vou ter chatices que cheguem para onde vou. Daqui a um ano podes pedir tu o divórcio por abandono e tomar posse de tudo, mas até lá vais ter de tratar de tudo sozinha, se não quiseres perder a casa.”
“Mas como é que vou conseguir sozinha?”
“Podes sempre pedir ajuda aos teus pais ou aos teus amigos do clube. Afinal, é graças a eles e às ideias que ganhaste que estas nessa situação. Seria justo. Não é que eles não tenham dinheiro de sobra para te ajudar. E como me disse o anfitrião da festa, quase todos eles estavam mais que esperançados em conseguir um pedaço de ti. Agora és livre, podes usar essa liberdade em teu proveito.”
Ela ficou algum tempo muda, em choque com as palavras dele.
”E os miúdos? O que é que lhes digo? Como é que eles vão fazer?”
“Não te preocupes. Assim que me instalar vou entrar em contacto com eles e não lhes vai faltar nada. Com eles não tens de te preocupar. Quanto ao que vais dizer a eles, à tua família… Sugiro a verdade. Porque se tu não a disseres, eu vou dizer e sou capaz de não ser tão delicado na entrega dos factos como tu. Agora tenho de ir, estão a chamar para o embarque. Adeus Marie.”
“Espe…” já não acabou de ouvir a palavra. Desligou o telemóvel que colocou no bolso do casaco e dirigiu-se à porta de embarque.
Marie gritava ainda desesperada para o telefone “Espera, espera, não vás, espera…” mas em vão. A chamada tinha desligado. Tentou ligar de volta, mas o telemóvel já estava desligado. Acabou por deixar cair o telemóvel das mãos e deixou-se ficar num estado catatónico, sem conseguir processar o que tinha acontecido.
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