terça-feira, 5 de novembro de 2024

Consequências (V de XLIII)


Eram seis da manhã e ela acabara de sair. Ele ainda se ofereceu para a levar a casa, mas ela disse que era melhor ir de Uber. Não queria que o marido a visse chegar a casa com outro homem. Parecia ser uma lógica incompreensível para o que se tinha passado, mas para que tentava ele encontrar lógica onde ela não existia?

Ela acabou de sair e ele serviu-se de uma dose generosa de whisky, que levou consigo para a casa de banho onde foi tomar um duche. Depois de três horas a foder esta mulher de forma completamente animal, precisava de um duche e de tirar o suor de cima do corpo. 

Nada nesta noite foi carinhoso ou atencioso. Ele simplesmente usou-a, como nunca usara ninguém. Não que ela parecesse incomodada. Antes pelo contrário, o sorriso com que saíra e o beijo que lhe dera para despedida diziam-lhe que ela tinha gostado e bastante. Já ele…

Noutras circunstâncias teria sido uma noite de sonho. Mas, noutras circunstâncias, teria sido Marie ali, em vez da… e foi ai que se apercebeu que nem sequer sabia o nome dela.

Saiu do banho que foi longo, vestiu-se e dirigiu-se à garagem. Olhou para as malas de viagem que estavam ali arrumadas, escolheu duas que achou que serviriam, arrastou-as até ao quarto onde começou metodicamente a arrumar as suas roupas e objectos pessoais que sabia que lhe fariam falta. Deixou as roupas que tinham sido compradas por ela.

Eram oito e meia da manhã quando concluiu a tarefa. Ainda deu uma volta pela casa, fazendo uma revisão mental, à procura de algo que se tivesse esquecido. Não vendo nada que não quisesse deixar para trás, foi ao escritório, arrumou o seu Portátil e abriu a caixa do PC de secretária, tirando-lhe o disco rígido, que guardou também.

Depois fez uma chamada telefónica, sabendo que hoje talvez fosse um dia complicado, mas havia que tentar. Uma voz conhecida e amiga atendeu-o.

“Alex, como é que é? A ligar-me a esta hora a um Sábado? Caíste da cama?”

“Oi Paulo, para te ser franco estive à espera para não te acordar cedo. Ainda não fui à cama hoje.”

“Então ainda não caíste da cama, mas vais cair nela…”

“Não sei, pelo menos para já.”

“Mas porque é que ligaste?”

“Olha lá, aquela posição naquele pardieiro no Medio Oriente ainda está em aberto?”

“Está. E não vai ser fácil arranjar alguém. Ninguém quer ir para lá…”

“E quando é que precisam de alguém?”

“Ontem. Mas porque é que perguntas?”

“A posição vem com um bom aumento, não é?”

“Pá, Alex, mas estás com algum problema? Vê lá, se precisares de alguma coisa…”

“Não, pá. Aquilo que estou mesmo a precisar é de uma mudança de cenário.”

“Mas estás interessado?”

“Sim. Quando é que me querem lá?”

“Ontem. E tu, quando é que podes ir?”

“Hoje!”

Houve um silêncio na linha.

“Alex, passa-se alguma coisa?”

“Nada de importante.”

“E estás mesmo a falar a sério?”

“Sem qualquer duvida”

“Então deixa-me fazer uns telefonemas e já te ligo”

E desligaram.

Foi até à cozinha, ligou a máquina do café. Embora não tivesse qualquer sono, com imagens a deslizar-lhe pela mente, planos e conjecturas, a verdade é que se sentia cansado… E velho. Sem duvida que esta noite o tinha envelhecido pelo menos dez anos. Pensou com ironia que afinal as sextas-feiras que começam mal, acabam sempre pior e esta, embora tivesse tido promessas de não ser assim, acabou por ser mesmo a pior de todas.

Esta sexta-feira teimava em não acabar e provavelmente ainda seria comprida, embora já fosse Sábado. Resolveu meter qualquer coisa no estomago, embora não tivesse apetite.

Comeu uma torrada acompanhada por um copo de leite, tirou um café e estava a bebê-lo quando o telemóvel tocou. Atendeu.

“Sim?”

“Bom dia, amor.” Ouviu ele a voz extremamente jovial da sua mulher, claramente satisfeita “Acordei-te?”

“Não, estava acordado.”

“Ainda bem. Tinha algum medo de te ter acordado. Estive a falar com a Lisa…”

“Quem?”

“Ora, quem… Passaste a noite com ela…” respondeu ela a rir “e ela disse-me como te portaste. Agora é que te vais tornar uma lenda, quando ela contar às outras. Não me vão largar a querer um pedaço de ti…”

“És uma sortuda!” disse ele num tom grave e frio.

“Eu sei.” Disse ela com uma nota de sorriso na voz, parecendo completamente alheia ao que tinha causado. Ele ouvia-a e perguntava-se se alguma vez a teria realmente conhecido. Era óbvio que ela não o conhecia tão bem como julgava.

“Mas ligaste só por isso?”

“Não, querido. Queria perguntar-te se me podes vir buscar.”

“Não é boa ideia. Bebi demais e não me parece seguro conduzir agora” disse ele. Embora fosse verdade, era-o apenas parcialmente. “Porque é que não pedes ao teu amante para te trazer. Acredito que ele não tenha problema nenhum”

Houve algum silêncio. Ela registou o remoque.

“Sabes, não queria aparecer em casa levada por ele…”

“Compreendo. Ser fodida por ele não tem problema, mas apanhar uma boleia já é complicado.”

Ele conseguia quase senti-la a encolher-se ao ouvi-lo.

“Não sejas assim. Só não queria que fosse desagradável para ti.”

“Não achas que é um bocadinho tarde demais para isso? Pede-lhe que te traga ou vem de táxi. Não faz diferença”

Ouviu-a a falar longe do telefone a perguntar se lhe davam uma boleia e uma voz longínqua de homem respondeu algo que ele não conseguiu distinguir. Ela falou em seguida:

“Ele leva-me. Mas ainda quer tomar um banho e comer e estamos a cerca de uma hora daí, pelo que só devo chegar perto da hora de almoço”

“Tudo bem, sem problemas”

“Então já nos vemos e… aguarda-me. Isto tudo deixou-me com uma fome de ti…”

Ele ficou em silêncio, um silêncio estranho. Beberricou o café enquanto esperava que ela dissesse mais qualquer coisa. Ela acabou por dizer “Já nos vemos então. Amo-te”

Ele desligou sem responder.

Acabou de beber o café e o telefone tocou novamente. Ainda pensou que fosse novamente a Marie, mas era o Paulo.

“Estou?”

“Alex, estavas mesmo a falar a sério há pouco?”

“Completamente.”

“Pá, o conselho de administração está aos pulos por te teres chegado à frente. Tudo o que precisares eles dão. Queres mesmo ir hoje?”

“Tão cedo quanto possível.”

Bem, consegui dois bilhetes para um avião que sai daqui a duas horas, portanto não tens muito tempo para te pôr no aeroporto.”

“Só preciso de um.”

“E a Marie?”

“A Marie não vai. E já que falamos nisso, se alguém da firma disser para onde eu fui transferido, peço a demissão de imediato.”

O Paulo ficou num silêncio chocado. Ao fim de um bocado acabou por dizer: 

“Tens o bilhete à tua espera.”

“Obrigado Paulo”


Desligou, chamou um táxi que apareceu em poucos minutos, carregaram as malas, voltou a entrar em casa. Dirigiu-se à cozinha, deixou as chaves do carro e de casa em cima da mesa e ia já a sair quando olhou para a mão esquerda, voltou atrás, tirou a aliança que depositou junto ao resto e olhando para a ausência no seu dedo perguntou-se pela primeira vez se estava a fazer bem, mas ao voltarem todas as recordações da noite anterior, o engano, o desrespeito e a traição, suspirou, encolheu os ombros num gesto de resignação, pensou para si mesmo “As coisas são como são.” Deu uma última vista de olhos à casa, dirigindo-se a uma moldura com a fotografia dos seus filhos e levando-a com ele saiu sem olhar mais para trás, deixando a porta fechada só no trinco e arrancou para o aeroporto.


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