Onze da manhã.
Acordei de um sono pesado, entrecortado com visões
de paraísos perdidos, de presenças divinas, de tentações.
Pensei na noite anterior, como um sonho
absolutamente estranho, e decidi que mudaria a marca de whisky que tinha andado a beber. Claramente, esta não me favorecia.
Levantei-me com uma dor de cabeça do tamanho do
mundo, sinal evidente de ressaca, mas, por outro lado, o resto do meu corpo não
se sentia como tal. Estava, inclusivamente, com fome. Muita fome.
Resolvi comer qualquer coisa, levantei-me,
dirigi-me à cozinha e, ao passar na sala, que ficava no caminho, notei o
perfume adocicado que pairava ainda no ar, suave mas pleno de insistência. A
minha dor de cabeça passou de imediato, como se aquele perfume contivesse o
remédio para os meus males.
Em cima da mesa da sala a Bíblia que ela tinha ido buscar à estante e que me dera para ler.
Afinal não fora um sonho. Ela tinha estado ali, presente, fosse ela quem fosse.
Todo o meu ser racional se recusava a acreditar
que tinha estado a falar com uma personagem mitológica, pelo menos nas suas próprias
palavras. Não deixava, no entanto, de ser fascinante.
Decidi que iria procurar referências a Lilith.
Comi, agarrei no carro e estava em Lisboa pouco mais de uma hora depois. Fui a
casa buscar o portátil e fui em seguida para a Baixa, em busca de alguma
livraria que tivesse obras relacionadas com esoterismo e onde pudesse encontrar
esta personagem. A meio da tarde já me dirigia novamente para o meu isolamento,
com meia dúzia de livros debaixo do braço e um portátil com internet móvel.
A semana seguinte foi passada a ler com afinco
acerca de Lilith, e descobri que era quase sempre associada a demónios e súcubos.
Era a tentadora, um demónio vingativo que andava pelo mundo a matar crianças no
berço e ainda no ventre das mães, que tentava homens jovens que dormiam
sozinhos para poder dar à luz criaturas demoníacas, e mais uma série de coisas,
nenhuma delas muito abonatória. Era uma figura transversal a quase todas as
civilizações, havendo representações suas na Suméria, no Egipto, na Grécia e
por consequência em Roma, e ao longo da Idade Média, sendo que era costume colocar
amuletos por cima das portas ou nas paredes dos quartos das crianças com a
inscrição «Lilith – abi», que quer dizer «Lilith – vai-te para as proteger da
morte súbita. Alguns estudiosos consideravam mesmo que esta expressão é a
origem da palavra inglesa Lullaby,
que quer dizer canção de embalar, sendo que originalmente se referiria a uma
evocação ou oração cantada para proteger as crianças durante o sono. Por outro
lado, começava nos dias de hoje a ser vista como uma imagem da independência
feminina e da procura da igualdade entre os sexos. Existiam inclusivamente
revistas com o seu nome.
A minha cabeça enchia-se de perguntas sem
resposta.
Continuo a acompanhar com interesse.
ResponderEliminarAbraço e saúde