Duas da manhã.
Após o pouco que escrevi sento-me agora aqui, sem
saber para onde continuar.
As minhas únicas companhias são os cigarros que
vou queimando lentamente, o copo de whisky
de malte, o barulho das ondas do mar, das quais através da janela apenas
consigo distinguir o reflexo da lua na espuma e esta insónia e mal-estar de
alma.
Sinto-me desconfortável em mim, com vontade
absoluta de escrever, vontade de deixar correr os meus dedos nas teclas desta
máquina de escrever, mas não o faço porque pareço não ter nada para dizer a não
ser ideias desconexas.
Talvez devesse experimentar fazer isso mesmo,
deixar os dedos correr…
Piauehg erpiuhaeuhgap biepiauegi auehpisy gatyetoa
eaegrouygapoy fpaiuergaip eurpiaegvpiae …
Não, não é boa ideia, embora espelhe o que sinto.
Mas quem lê precisa de palavras, de conexões, de
entendimento e não deste exercício fútil que não leva a lado nenhum.
Estou só, sinto-me só, e é se calhar essa solidão
que me leva a não fazer sentido a não ser para mim, mas mais importante, a não
necessitar de fazer sentido a não ser para mim. Mais do que só, sinto-me
deprimido, e creio ser esse o principal problema. Talvez a ideia do isolamento
não fosse tão boa quanto parecia.
Batem à porta.
São duas e meia da manhã num local quase deserto
onde ninguém vem sem um propósito e batem à minha porta. Fico sobressaltado e
receoso. Vou à porta ver quem é. Não adiantaria tentar fingir que não está
ninguém, quando as luzes estão acesas e são provavelmente as únicas luzes
visíveis em quilómetros. Assalta-me o medo do que possa ser.
Espreito. Lá fora uma mulher, aparentemente só.
Abro a porta apenas ligeiramente.
– Sim? – Questiono.
– Olá, Miguel.
A voz dela chegou até mim e a única comparação que
consigo encontrar para o que senti na altura é a de estar a beber um mel tão
doce, mas ao mesmo tempo tão suave que não sacia. Imediatamente senti que
queria continuar a ouvi-la, não queria deixar de a ouvir, como se a simples voz
desse significado a algo em mim. Senti-me tocado, quase comovido sem conseguir
perceber o porquê.
– Desculpe, conhecemo-nos?
– Não da forma como perguntas, mas de uma certa
maneira, sim.
Continuei estático, apenas com a porta
entreaberta.
– Não me convidas para entrar?
A minha hesitação era como o meu silêncio.
Notória. Ela soltou uma pequena gargalhada.
– Miguel, podes estar descansado. Não estou aqui
para te assaltar, para te roubar órgãos enquanto dormes ou para te fazer mal de
alguma forma, e estou completamente sozinha. Então? Deixas-me entrar?
Franqueei-lhe a porta, sem dizer uma única
palavra. Ela entrou, tirou a capa que a cobria e pendurou-a no cabide que ali
estava, sem sequer olhar para ele, como se fosse um gesto absolutamente
familiar de quem conhecesse bem a casa.
Era a mulher que tinha visto na praia esta tarde,
sem dúvida. Vê-la agora, aqui, de perto, deixou-me perturbado.
Era alta, e não há outro adjectivo para a
descrever que não seja perfeita. Os cabelos pretos escorriam em cascata com uma
leve ondulação até ao meio das costas e contrastavam com uns olhos do azul mais
intenso que já tinha visto. Tão intenso que parecia faiscar. A tez morena
realçava-os ainda mais. As roupas leves que estavam agora por cima do seu corpo
não o apagavam nem realçavam, mas também não era necessário. O seu corpo tinha
as proporções exactas, um equilíbrio e harmonia como nunca tinha visto e o seu
rosto fazia lembrar as estátuas de Vénus e Afrodite. Uma beleza intemporal,
clássica, suave mas marcante, com a força que essa mesma suavidade tinha. Toda
ela parecia irradiar algo que escapava à minha compreensão.
Caminhou até à sala com uma tal elegância que não
parecia caminhar, antes flutuar, como se o seu corpo não tivesse peso. Sentou‑se
no sofá e ficou a acompanhar-me com o olhar enquanto eu a seguia e até me
sentar à sua frente.
Continuei mudo, sem saber o que dizer, esmagado
pela sua presença.
– Sabes, Miguel, estou aqui para te ajudar.
Fez uma pausa, deixando-me absorver as suas
palavras e como que deixando que todas as interrogações viessem à minha mente
para as responder em seguida, antes que tivesse hipóteses de a formular.
– Claro que entendes que, como em qualquer relação
humana, nada é isento de interesse, por mais altruísta que este seja. Tenho as
minhas razões, que perceberás mais tarde. Não obstante, e apesar delas, vou-te
ajudar, vou-te dar a história acerca da qual vais escrever e que te deixa tão
desesperado. Aliás, só o simples facto de me teres visto esta tarde na praia já
fez com que começasses a escrever qualquer coisa, não foi?
Assenti com a cabeça.
– Bem, mas por esta altura deves estar curioso
acerca de quem eu sou, não é?
Assenti novamente.
– Pois bem, Miguel, chamo-me Lilith.
Bem, Gil, vou directa ao ponto! Li o prólogo e o I capítulo desta história.
ResponderEliminarTenciono ler os seguintes, mas, por favor, não ensarilhes demasiado o enredo, senão não vou entender nada.
O meu poder de raciocínio e capacidade de apanhar no ar, o que fica nas entrelinhas. já não é o que era. :)
Mas, sim, fiquei feliz por te ver voltar à escrita no blog.
Um abraço e tudo de bom.
Isto não é um voltar. É o meu primeiro romance publicado. A editora já nem existe, não sei se o livro ainda anda por aí disponível, mas assim fica por aqui. Se gostas de história antiga, mitos e lendas, pode ser que venhas a gostar. Obrigado e Bjs
EliminarHistórias mágicas, lendas e mitos apaixonam-me. Se o romance se baseia nisso vai ser a cereja em cima do bolo para esta fã da sua escrita.
ResponderEliminarAbraço e saúde
É baseado numa série de lendas que tem relação com esta personagem bíblica, que atravessam diversas civilizações. Por isso... ;) Enorme abraço, Elvira :)
EliminarGostei de descobrir que tenhas editado um livro e gosto deste teu lado: meigo e excitante!
ResponderEliminarAté editei mais que um... Este foi o primeiro :) Bjs :)
EliminarOlá, aqui estou eu a reler esta história fantástica. Sem mais, até já, que tenho pressa de pôr a leitura em dia :)
ResponderEliminarGrato, Dª. noname. Um enorme abraço :)
Eliminar