quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Depois do Inferno verde - Capítulo 22

 



Óscar encostou-se na cadeira do gabinete, olhou para a secretária coberta de pastas e suspirou. A manhã tinha sido uma maratona.

Assinaturas pendentes, aprovações que esperavam desde que partira, decisões que ninguém quis tomar sem ele. Foi despacho atrás de despacho, reunião atrás de reunião.

Quando finalmente se viu livre, já passava do meio-dia. Aceitou o convite de Rogério Antunes para almoçarem juntos e ainda trouxe Dário Sampaio, o advogado da empresa e amigo de infância.

No restaurante, depois de encomendarem, foi Rogério quem abriu a conversa:

— Então, a situação da família de acolhimento… — disse, pousando o guardanapo no colo. — O processo está no início, Óscar. Por agora não há grandes novidades.

— Está tudo a andar — completou Dário, bebendo um gole de água. — Mas não esperes nada rápido.

Óscar anuiu, mexendo o talher no prato. Depois, largou a pergunta que gelou a mesa:

— E num divórcio? Quais seriam as minhas perspetivas?

Os dois pararam. Rogério ergueu as sobrancelhas, surpreso. Dário inclinou-se para a frente:

— Espera aí… estás a falar a sério?

— Estou.

— Mas… tu e a Laura… — Dário abanou a cabeça — sempre vos vi como o casal perfeito. O que é que se passou?

— Não quero entrar em pormenores.

Rogério encostou-se, escolhendo as palavras:

— Se for litigioso… divisão de ativos, possíveis problemas na firma, partilha da casa…

— …e pensão de alimentos — completou Dário. — Como ela não trabalha, é quase certo que vais ter de pagar.

Óscar passou a mão pela cara, visivelmente contrariado.

— Nada disso me agrada.

— Pois — disse Rogério. — Mas é o que há, a não ser que consigas um acordo amigável.

— O que duvido — cortou Óscar, seco.

Dário deixou o garfo no prato e olhou-o sério:

— Então, prepara-te. Vai ser uma luta feia.

Óscar não respondeu. Limitou-se a beber o resto do café e a pedir a conta.

Antes de saírem, Óscar apoiou os cotovelos na mesa e olhou para Rogério:

— E quanto às hipóteses de obter a guarda permanente da Benedita?

Rogério ficou em silêncio uns segundos, pensativo. — Depende de muita coisa… Queres adotá-la?

Óscar hesitou.

— Não sei ainda. Mas pelo menos, se conseguir a guarda permanente, sei que posso protegê-la até atingir a maioridade.

Dário deixou escapar uma gargalhada curta.

— És sempre o mesmo… — disse, abanando a cabeça com um meio sorriso.

Levantaram-se, e já à porta do restaurante, Rogério virou-se para Dário:

— Começa a preparar os papéis para o pedido de guarda permanente da menor. Vamos meter isto a andar.

Dário acenou, ajustando o casaco.

— Trato disso já amanhã.

Saíram para a rua, cada um seguindo o seu caminho, mas com um novo processo em andamento.

Óscar chegou a casa a meio da tarde e encostou o Corvette na garagem. O carro da filha ainda lá estava, agora parado em frente à porta que escondia o Tesla. Olhou para o “monumento”, parado como se lhe fizesse troça. Saiu do Corvette, pegou numa chave de fenda que estava pousada numa bancada lateral e, sem pressa, fez um risco longo e vincado de cada lado, de uma ponta à outra.

Largou a chave de fenda no mesmo sítio e saiu da garagem. Entrou na casa principal como tinha feito milhares de vezes ao longo dos anos. Não se surpreendeu ao ver Benedita sentada com Laura e Clara na sala. Não disse nada. Passou por elas e subiu as escadas em silêncio.

Laura e Clara trocaram um olhar e foram atrás dele, chamando-o:

— Óscar… espera!

— Pai, podemos falar?

Ele não respondeu. Entrou no quarto, trancou a porta e pegou num saco de desporto. Começou a encher com roupas e sapatos, metódico, até se dar por satisfeito. Destrancou a porta.

Do outro lado, Laura e Clara esperavam-no, bloqueando-lhe a passagem.

— Óscar, por favor… — começou Laura.

— Pai, não sejas assim… — tentou Clara.

Quando lhe agarraram o braço, a reação foi instantânea, explosiva, como nunca tinham visto:

— NÃO ME TOQUEM!

As duas ficaram imóveis, apanhadas de surpresa pela violência da voz dele. Óscar avançou, passando entre elas, desceu as escadas e virou-se para Benedita, que estava na sala a olhar a cena com atenção.

— Vens?

Ela levantou-se de imediato e seguiu-o até à cave isolada.

Assim que a porta da cave se fechou atrás deles, Óscar mudou. A rigidez desapareceu, os ombros relaxaram e o rosto de pedra que levara até ali desfez-se. Olhou para Benedita e perguntou com simplicidade:

— Então… como foi o teu dia?

Benedita contou-lhe que Laura a tinha acordado de manhã, a convidara para o pequeno-almoço e que aí conhecera Clara. Falou de como as duas lhe fizeram perguntas com curiosidade, quase em tom de entrevista.

Óscar ouviu e limitou-se a comentar:

— É normal.

Ela continuou: contara-lhes dos sítios por onde tinham passado na viagem, acompanhara-as às compras, almoçara com elas.

Óscar inclinou-se para a frente, interessado:

— E o que lhes disseste exatamente da viagem?

— Falei dos sítios… só isso. — respondeu Benedita.

Ele acenou, satisfeito.

— Fizeste bem.

Depois de um silêncio breve, perguntou-lhe:

— E… o que achaste da Laura e da Clara?

Benedita hesitou um segundo, mas respondeu:

— Foram simpáticas. Acolheram-me bem.

Óscar deixou escapar um sorriso pequeno.

— Não esperava outra coisa.

Benedita olhou-o, como se a dúvida lhe pesasse demasiado para ficar calada:

— Tu… tu odeias a Laura e a Clara?

A pergunta fez Óscar ficar em silêncio. O olhar perdeu-se por um instante antes de responder, com calma mas firmeza:

— Não. Eu não odeio quem elas são. Pelo contrário… são as duas pessoas no mundo que mais significam para mim.

Benedita ficou a observá-lo.

Ele suspirou fundo e acrescentou:

— O que eu odeio é o que fizeram… e o facto de ainda não terem compreendido o que provocaram.

Óscar levantou-se, como que a encerrar o assunto anterior, e tirou uma pequena caixa de dentro de um saco. Estendeu-a a Benedita.

— Toma.

Ela recebeu-a com curiosidade, abriu e ficou de olhos muito abertos ao ver um smartphone novo. Não disse nada de imediato.

— Assim estás contactável. — explicou ele. — E também podes ligar-me quando precisares.

Benedita sorriu, ainda surpreendida.

— Ah… e outra coisa. — continuou. — Falei com alguns amigos durante a tarde. Consegui transferir o teu processo escolar para uma escola aqui perto. Como tenho a guarda temporária, não houve problema. Começas amanhã. Por isso convém deitares-te cedo, vais ter de madrugar.

Ela acenou, ainda sem palavras.

Óscar mudou de tom, mais leve:

— E agora… o que é que te apetece jantar? Para eu reservar um restaurante.

Benedita abanou a cabeça.

— Não é preciso. Eu posso cozinhar qualquer coisa. Quando fomos às compras, a Laura insistiu para que comprasse algumas coisas para trazer para aqui… até disse que tinha a certeza que tu não ias voltar tão cedo à casa principal.

Óscar ergueu uma sobrancelha, meio divertido.

— Ah é? E tu sabes cozinhar?

— Sei. — respondeu convicta.

Ele soltou um riso curto.

— Agora deixaste-me curioso. Vamos lá ver esses teus dotes.

Benedita foi até à kitchenette, partiu ovos, cortou fiambre, queijo, cebola e salsa. Movia-se com uma segurança inesperada. Pouco depois, colocou no prato uma omelette dourada e bem recheada.

Óscar provou a primeira garfada e, com um ar surpreendido, admitiu:

— Está deliciosa, verdade seja dita.

Ela sorriu, satisfeita.

Jantaram os dois sem pressa, e depois ficaram no sofá durante algum tempo. Óscar mostrou-lhe como configurar e explorar o novo telefone, pacientemente. Quando se deu por satisfeito, levantou-se.

— Está na hora de irmos para os nossos quartos. Amanhã o dia começa cedo.

Ambos seguiram para os respetivos quartos, o cansaço a pesar, mas o ambiente mais leve do que antes.


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