A noite estava calma. Na varanda das traseiras, Óscar deixara-se
ficar sentado com o seu copo de whisky, como tantas vezes. O Cávado refletia o
luar, e os faróis que serpenteavam pelas encostas pareciam pequenos fantasmas a
atravessar a paisagem. O silêncio não lhe pesava; pelo contrário, parecia cada
vez mais habituado a ele.
Laura saiu para a varanda já depois de todos se recolherem.
Hesitou antes de abrir a porta de vidro, mas acabou por o fazer, trazendo
consigo apenas um casaco leve que deixou cair sobre os ombros. Não queria
interromper, apenas estar perto.
Óscar lançou-lhe um olhar rápido, sem hostilidade, e voltou ao
horizonte. O simples facto de não a ter afastado foi, para Laura, quase um
convite. Sentou-se na cadeira ao lado, deixando o som do rio preencher o espaço
entre ambos.
Passaram alguns minutos assim. Apenas a respiração dele, o
tilintar do gelo no copo quando o rodava distraído, e o cheiro da noite.
Foi Laura quem, sem olhar para ele, deixou escapar:
— Será que alguma vez vou conseguir devolver-te o que te roubei?
Óscar permaneceu em silêncio, olhando o rio. Só depois de um gole
lento respondeu:
— Há coisas que, quando se partem, não voltam a ser iguais. Mesmo
que as colem.
Laura fechou os olhos, sentindo a verdade daquelas palavras.
— Eu sei. Não espero que seja igual. Só não queria que fosse para
sempre esta distância… este vazio.
Óscar voltou-se para ela, sem dureza, mas sério:
— O que roubaste não foi apenas um momento. Foi a confiança. Isso
não se devolve com palavras.
— Mas pode-se reconstruir? — arriscou Laura, finalmente a
encará-lo.
Ele suspirou, demorando-se antes de responder.
— Talvez. Mas leva tempo. Tempo e escolhas diferentes das que
fizeste.
Laura mordeu o lábio, contendo as lágrimas.
— Então é isso que eu quero… fazer escolhas diferentes. Não para
voltar ao que éramos, mas para que pelo menos não fiquemos assim, como
estranhos.
Óscar baixou o olhar para o copo e rodou-o mais uma vez, como se
procurasse ali uma resposta. Depois ergueu os olhos para ela.
— Eu não prometo nada. Mas se me perguntas se é possível… sim, é
possível.
A respiração de Laura saiu trémula, um misto de alívio e dor.
— Obrigada por me dizeres isso.
Óscar não respondeu. Limitou-se a acenar levemente com a cabeça,
num gesto contido mas significativo, antes de voltar o olhar para o rio. Para
Laura, bastou. Era a primeira fresta de luz desde muito tempo.
Laura respirou fundo, mantendo os olhos no rio.
— Eu sei que não é desculpa, Óscar. Sei que devia ter falado
contigo… mas senti o peso da mudança entre nós. Com a tua doença, deixei de ser
a tua mulher e passei a ser a tua cuidadora. Deixei de ser o teu desejo e
passei a ser quase… uma mãe. — As palavras custaram-lhe a sair, mas não desviou
o olhar. — Na altura parecia-me justificação suficiente, mas agora vejo a
estupidez disso tudo.
A sua voz tremeu, mas manteve-se firme no essencial:
— Não estou a tentar arranjar desculpas. Só quero que saibas como
aconteceu, da minha perspetiva.
Óscar não disse nada de imediato. Apenas rodou o copo entre os
dedos, deixando o gelo tilintar, e bebeu um pequeno gole de whisky. O silêncio
dele não lhe pareceu desdém, mas antes uma aceitação calma da necessidade que
ela tinha de falar.
Laura voltou-se finalmente para ele.
— E então? Achas que algum dia vou conseguir devolver-te o que é
teu?
Óscar pousou o copo no braço da cadeira, medindo bem as palavras
antes de falar.
— Tu percebes verdadeiramente o que me roubaste?
Laura franziu a testa, como quem espera um murro no estômago.
Ele continuou, sereno mas firme:
— O problema nunca foi teres tido sexo com outro homem. O problema
foi que, quando descobri, tudo aquilo que tínhamos deixou de ser válido. Anos
de vida, escolhas, promessas… parecia que se tinham tornado mentira. Isso é que
me matou.
Laura baixou os olhos, deixando que uma lágrima lhe caísse
discretamente.
— Eu sei. E foi isso que percebi tarde demais.
Óscar recostou-se, respirando fundo.
— O que eu preciso não é que me expliques o que sentias… é que me
mostres, daqui para a frente, quem és tu agora.
Laura ergueu os olhos para ele, surpresa pela clareza da frase.
— Então ainda acreditas que pode haver um daqui para a frente?
Óscar pegou no copo outra vez, bebeu o resto num gole e pousou-o
com calma na mesa baixa.
— Isso não te consigo responder hoje. Mas se me perguntas se
acabou tudo… não, Laura, ainda não acabou.
O silêncio voltou a cair entre os dois, pesado mas já não
sufocante. Para Laura, bastava aquela frase para respirar de novo.
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