segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Depois do Inferno Verde - Capítulo 30

 


A noite estava calma. Na varanda das traseiras, Óscar deixara-se ficar sentado com o seu copo de whisky, como tantas vezes. O Cávado refletia o luar, e os faróis que serpenteavam pelas encostas pareciam pequenos fantasmas a atravessar a paisagem. O silêncio não lhe pesava; pelo contrário, parecia cada vez mais habituado a ele.

Laura saiu para a varanda já depois de todos se recolherem. Hesitou antes de abrir a porta de vidro, mas acabou por o fazer, trazendo consigo apenas um casaco leve que deixou cair sobre os ombros. Não queria interromper, apenas estar perto.

Óscar lançou-lhe um olhar rápido, sem hostilidade, e voltou ao horizonte. O simples facto de não a ter afastado foi, para Laura, quase um convite. Sentou-se na cadeira ao lado, deixando o som do rio preencher o espaço entre ambos.

Passaram alguns minutos assim. Apenas a respiração dele, o tilintar do gelo no copo quando o rodava distraído, e o cheiro da noite.

Foi Laura quem, sem olhar para ele, deixou escapar:

— Será que alguma vez vou conseguir devolver-te o que te roubei?

Óscar permaneceu em silêncio, olhando o rio. Só depois de um gole lento respondeu:

— Há coisas que, quando se partem, não voltam a ser iguais. Mesmo que as colem.

Laura fechou os olhos, sentindo a verdade daquelas palavras.

— Eu sei. Não espero que seja igual. Só não queria que fosse para sempre esta distância… este vazio.

Óscar voltou-se para ela, sem dureza, mas sério:

— O que roubaste não foi apenas um momento. Foi a confiança. Isso não se devolve com palavras.

— Mas pode-se reconstruir? — arriscou Laura, finalmente a encará-lo.

Ele suspirou, demorando-se antes de responder.

— Talvez. Mas leva tempo. Tempo e escolhas diferentes das que fizeste.

Laura mordeu o lábio, contendo as lágrimas.

— Então é isso que eu quero… fazer escolhas diferentes. Não para voltar ao que éramos, mas para que pelo menos não fiquemos assim, como estranhos.

Óscar baixou o olhar para o copo e rodou-o mais uma vez, como se procurasse ali uma resposta. Depois ergueu os olhos para ela.

— Eu não prometo nada. Mas se me perguntas se é possível… sim, é possível.

A respiração de Laura saiu trémula, um misto de alívio e dor.

— Obrigada por me dizeres isso.

Óscar não respondeu. Limitou-se a acenar levemente com a cabeça, num gesto contido mas significativo, antes de voltar o olhar para o rio. Para Laura, bastou. Era a primeira fresta de luz desde muito tempo.

Laura respirou fundo, mantendo os olhos no rio.

— Eu sei que não é desculpa, Óscar. Sei que devia ter falado contigo… mas senti o peso da mudança entre nós. Com a tua doença, deixei de ser a tua mulher e passei a ser a tua cuidadora. Deixei de ser o teu desejo e passei a ser quase… uma mãe. — As palavras custaram-lhe a sair, mas não desviou o olhar. — Na altura parecia-me justificação suficiente, mas agora vejo a estupidez disso tudo.

A sua voz tremeu, mas manteve-se firme no essencial:

— Não estou a tentar arranjar desculpas. Só quero que saibas como aconteceu, da minha perspetiva.

Óscar não disse nada de imediato. Apenas rodou o copo entre os dedos, deixando o gelo tilintar, e bebeu um pequeno gole de whisky. O silêncio dele não lhe pareceu desdém, mas antes uma aceitação calma da necessidade que ela tinha de falar.

Laura voltou-se finalmente para ele.

— E então? Achas que algum dia vou conseguir devolver-te o que é teu?

Óscar pousou o copo no braço da cadeira, medindo bem as palavras antes de falar.

— Tu percebes verdadeiramente o que me roubaste?

Laura franziu a testa, como quem espera um murro no estômago.

Ele continuou, sereno mas firme:

— O problema nunca foi teres tido sexo com outro homem. O problema foi que, quando descobri, tudo aquilo que tínhamos deixou de ser válido. Anos de vida, escolhas, promessas… parecia que se tinham tornado mentira. Isso é que me matou.

Laura baixou os olhos, deixando que uma lágrima lhe caísse discretamente.

— Eu sei. E foi isso que percebi tarde demais.

Óscar recostou-se, respirando fundo.

— O que eu preciso não é que me expliques o que sentias… é que me mostres, daqui para a frente, quem és tu agora.

Laura ergueu os olhos para ele, surpresa pela clareza da frase.

— Então ainda acreditas que pode haver um daqui para a frente?

Óscar pegou no copo outra vez, bebeu o resto num gole e pousou-o com calma na mesa baixa.

— Isso não te consigo responder hoje. Mas se me perguntas se acabou tudo… não, Laura, ainda não acabou.

O silêncio voltou a cair entre os dois, pesado mas já não sufocante. Para Laura, bastava aquela frase para respirar de novo.

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