segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Depois do Inferno Verde - Capítulo 20

 


Óscar acendeu um interruptor junto à porta. As lâmpadas nuas penduradas do teto ganharam vida, rasgando a escuridão com uma luz crua e amarelada. Benedita semicerrava os olhos, ajustando-se ao clarão repentino.

— Vais deixá-la ali? — perguntou, ainda de pé junto à porta, num tom que oscilava entre a curiosidade e a incredulidade.

O rosto sério de Óscar manteve-se imóvel por um instante, mas um pequeno sorriso, quase impercetível, surgiu no canto dos lábios.

— É uma escolha dela. — respondeu, tranquilo. — Pode sempre ir-se embora.

Agora que via o espaço com clareza, Benedita ficou de boca ligeiramente aberta. A cave era muito maior do que esperava — um espaço amplo que se estendia até aos quartos ao fundo. Num canto, uma kitchenette nova com bancadas limpas e uma ilha de cozinha ao centro; dali, o chão transitava suavemente para uma ampla área comum. Duas portas ao fundo davam acesso a duas suítes, cada uma com guarda-roupa e casa de banho privativa.

Apesar do tamanho, a falta de decoração saltava à vista. As camas, ainda com plásticos a envolver os colchões, estavam encostadas às paredes. Na cozinha, os eletrodomésticos brilhavam, mas pareciam nunca ter sido usados. Um sofá enorme ocupava a zona comum, isolado no meio do espaço, e no teto, apenas lâmpadas simples penduradas por fios.

— Minimalista… — comentou Benedita, com ironia, mas depois, percorrendo o espaço com o olhar, acrescentou com sincera admiração: — Mas enorme.

Óscar fechou a porta e pousou a sua pequena mala junto a uma parede.

— A cave tem o tamanho todo da casa lá em cima. — disse, enquanto tirava o casaco. — Espaço é a única coisa que não falta aqui.

Deixaram a bagagem no corredor entre os dois quartos. Óscar fez um gesto para ela.

— Escolhe tu.

Benedita optou pela suíte mais próxima da área comum, e Óscar ficou com a outra. Pouco depois, ele foi até à cozinha, tirou a pizza da caixa e colocou-a no forno pré-aquecido. O cheiro começou a espalhar-se pelo ar, misturando-se com o silêncio pesado que pairava no espaço novo.

A pizza já ia nas últimas fatias quando se ouviu um bater seco na porta. Benedita ergueu os olhos, surpresa.

— Não vais ver quem é? — perguntou, limpando as mãos a um guardanapo.

Óscar nem levantou a cabeça do prato.

— Deve ser a Laura. Não estou interessado.

A curiosidade venceu-a. Levantou-se, caminhou até à porta e espreitou pelo óculo. Voltou-se para ele, intrigada.

— Não é a Laura.

Óscar, ainda de garfo na mão, levantou uma sobrancelha e fixou o olhar na porta. Só depois de um par de segundos se levantou. Não espreitou. Girou a chave e abriu a porta com firmeza.

O ar dele mudou — aquela expressão de pedra, impenetrável.

— O que é que tu queres? — perguntou, seco como uma lâmina.

Do outro lado, Clara ficou de repente mais pequena. A brusquidão dele atingiu-a como um soco invisível, e por um instante pareceu não saber onde pôr os olhos. Mas recompôs-se depressa, endireitando-se ligeiramente.

— Voltaste… — disse, num tom que misturava surpresa, espanto e… quase uma pergunta.

— Sim. E? — respondeu ele, a voz sem qualquer calor.

Clara engoliu em seco, calou-se por um momento, mas acabou por dizer:

— Temos de falar.

Óscar soltou uma gargalhada breve, carregada de ironia, que ecoou na cave.

Temos? — repetiu, cuspindo a palavra como se lhe soubesse mal. Ficou a encará-la com uma intensidade que a fez dar um passo involuntário para trás. — Que dívida é que achas que eu tenho contigo… ou com seja quem for… para ser obrigado a alguma coisa?

Ela abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. O silêncio entre os dois pesou como chumbo.

Clara respirou fundo, tentando recompor-se.

— Pai… tu percebeste tudo mal… — disse, num tom quase suplicante.

Óscar nem pestanejou.

— Eu percebi mal? — a voz dele era cortante, crua. — Tu ajudaste a tua mãe a arranjar um amante?

Clara recuou meio passo, hesitando.

— Não era um amante… era só… para preencher aquele vazio que ela sentia. Não havia ali sentimentos…

Óscar inclinou-se ligeiramente para a frente, o olhar fixo, implacável.

— Isto não tem nada a ver com sexo. — disse, frio como gelo.

As palavras caíram como um golpe seco. Clara ficou de boca aberta, atónita, sem saber o que responder. O silêncio prolongou-se, pesado, sufocante.

Tentando quebrar o impasse, Clara desviou o olhar por cima do ombro dele. Reparou em Benedita, meio encolhida junto à parede, como se quisesse fundir-se com o papel de parede e desaparecer.

— Quem é aquela? — perguntou, surpreendida.

Nesse instante, Óscar fechou-lhe a porta na cara.

Benedita observou-o voltar para a mesa com uma expressão interrogativa, mas antes de abrir a boca acabou por responder à sua própria pergunta, com um meio sorriso malandro:

— Já sei… pode sempre ir-se embora.

Ele não respondeu, mas um canto do lábio ergueu-se. Os dois sorriram. Prepararam as camas no silêncio confortável que se tinha instalado, e acabaram vencidos pelo cansaço da viagem.

Na manhã seguinte, Óscar acordou cedo. Foi até ao quarto de Benedita e bateu à porta.

— Acorda. — disse-lhe, só para dar algumas indicações. — Não te levantes, deixa-te estar. Eu vou sair. Ficas por aqui, dentro da propriedade. Se a Laura ou a Clara aparecerem e te sentires ameaçada, não abras a porta. Mas se forem amigáveis, não cries barreiras.

— Está bem. — murmurou ela, ainda ensonada.

— Acredito que não te vão tratar mal… mas tem cuidado com o que partilhas.

Saiu, atravessou o jardim e entrou na garagem. O sorriso desapareceu assim que viu o Corvette bloqueado pelo carro da filha, estacionado mesmo à entrada da garagem do lado que o Corvette estava.

Suspirou, abriu as portas da garagem e tirou o Tesla, conduzindo-o lentamente para fora… até o estacionar no jardim da frente, por cima das roseiras de Laura. O canto do lábio ergueu-se de novo, desta vez num sorriso satisfeito.

Dentro da garagem, manobrou o Corvette com cuidado, dando-lhe a volta. Assim que saiu pelo portão, ligou o rádio.

Bon Scott gritou-lhe nos ouvidos: I’m on a highway to hell.

Óscar sorriu.

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