Nessa quinta-feira, quando ela chegou a
casa, ele estava descontraído na sala a ver um filme na televisão.
Ele viu-a a entrar,
vinda da garagem, ainda com as roupas de trabalho, mas que ela sabia fazer
sensuais e viu o sorriso dela quando o viu ali.
-A relaxar? –
Perguntou ela.
-Não! Acabei!
-Mesmo?
-Sim. Há pouco, a
meio da tarde. Já entreguei o projecto.
-Então já podes
descansar…
-Por acaso pensei que
podíamos jantar fora. Esqueci-me de tirar comida…
Ela ficou
surpreendida!
-Queres comemorar a
entrega do projecto?
-Quero sair de casa,
que já não vejo a rua há quase uma semana e não me apetece ir sozinho… Mas se
não estás com disposição, tudo bem!
-Quer dizer, não
estava a contar com isso… Só me apetecia vestir um robe e calçar umas pantufas…
-OK,… - disse ele sem
o mínimo indício de desapontamento – Eu vou na mesma, então…
-Espera! Deixa-me ir
trocar de roupa e eu vou! Também não me apetece estar sozinha!
-E precisas trocar de
roupa? Estás muito bem assim…
-Eu sei… - disse ela
piscando-lhe o olho.
-E estás muito
convencida também, diga-se de passagem!
-Achas? Acho que
estou mais realista… De qualquer forma passei o dia com estas roupas, estão
transpiradas e se vamos sair quero sentir-me bem! Podes esperar?
-É justo! Sim,
aproveito e acabo de ver o filme.
-Está no fim?
-Não acabou de
começar.
-Então não vai dar
para ver…
-Veremos… - disse ele
num tom trocista!
E na verdade não deu,
mas não foi por muito pouco.
Ela apareceu-lhe à
frente com uma maquilhagem sem falhas, um vestido preto curto, sem o ser
escandalosamente, decotado, mas deixando mais à imaginação do que o que
mostrava, simples absolutamente colado ao corpo, de tal forma que ele duvidou
que ela estivesse a usar roupa interior, umas sandálias de salto de base preta
com tiras transparentes por cima.
-Eu disse-te que não
ias acabar de ver o filme!
-Não faz mal! Não era
assim tão interessante!
-Vamos?
-Sim.
Já no restaurante
pediram os respectivos pratos e ficaram à espera. Ela aproveitou a deixa.
-Pensei bastante
nestes últimos dias e queria falar contigo, mas estavas mesmo ocupado e não te
quis desconcentrar. Mas, se quiseres agora, gostava de te dizer umas palavras…
Mas se não estiveres para me ouvir agora, não há problema, não vou levar a mal.
Sei que quiseste sair para descontrair e acho que precisas.
-Não, podes falar.
Mais cedo ou mais tarde tem que acontecer… porque não num restaurante com um
copo de vinho na mão e fora da realidade quotidiana? Até pode dar outra
perspectiva às coisas…
E foi aí que ela
percebeu que o convite para jantar não fora de todo inocente. Claro que ele
sabia que ela viria.
-Olha, como te disse
pensei bastante! Sei que não queres que eu te peça desculpa, mas eu tenho de as
pedir em relação a algumas coisas, o facto de ter diminuído a importância do
que sentias, o facto de ter assumido que tu terias também uma relação, e acho
que este apenas o fiz porque para mim era inconcebível estar a fazê-lo e tu
não…
-Percebo! Reforçavas
a tua certeza justificando-te com o facto de que eu estava a fazer o mesmo!
-Exacto. Por isso se
calhar nem me passou pela cabeça perguntar! Também por aquela questão daquela
noite…
-Isso já foi falado e
está lá atrás!
-Quanto ao resto,
acho que não tenho de pedir desculpas a ti, mas a mim, e não sei quando me vou
conseguir desculpar!
Ele olhou-a atento,
percebendo que esta frase trazia algo atrás.
-Sabes, eu sou neste
momento como sou! Estou aqui à tua frente e sinto-me bem na minha pele. Gosto
de me sentir atraente, não para ser desejada, mas por mim… é como se me desse
confiança!
Ele assentiu.
-Mas infelizmente só
estou aqui como estou porque fiz más escolhas. Olho para trás e sei que as fiz,
mas se não as tivesse feito eu não estava aqui, assim! Essas más escolhas
acabaram por me libertar e eu, pela primeira vez na minha vida sinto-me solta!
Ele sorriu.
-E eu gosto de ver
isso em ti!
-E é isso que me dá
raiva! Sabes quando dizes que achas que eu nunca estive apaixonada por ti?
Estive. Muito antes de me teres beijado pela primeira vez. Quando saias com
outras raparigas eu sentia ciúmes! Por vezes era eu que sugeria que alguém do
grupo de jovens te ligasse, porque sabia que tu vinhas e eu ia ver-te, e
sentia… Eu nem sei o que sentia! Mas depois tu já tinhas tido umas quantas
namoradas e eu… Eu sempre fui muito guiada para um certo estilo de vida pêlos
meus pais, como sabes, e tive de pensar porque é que me escolhias a mim. Eu não
era a miúda mais gira do bairro, antes pelo contrário até fazia por passar
despercebida…
-Deixa-me corrigir-te,
tu eras a miúda mais gira do bairro, mas tinhas era a mania que não eras!
-Mas parece que só tu
é que viste isso! E eu, de alguma maneira devo ter assumido que aquilo que
desejavas mesmo era aquela pessoa que eu era, mas que sonhava tantas vezes sair
de casa dos pais e ir à aventura… Eu percebi que te amava, mesmo, que queria
passar o resto da minha vida ao teu lado e acabei por me conformar àquilo que
achava que tu querias. Acho que tinha medo de que se eu abrisse as asas tu não
reconhecesses ou gostasses de quem eu era e partisses…
Ele voltou a
assentir!
-E acho que só me
soltei com ele por um motivo mais que simples: Não me importava minimamente com
o julgamento que ele poderia fazer de mim!
Ele voltou a assentir
e ela percebia pelo olhar dele que percebia perfeitamente o que lhe ia na alma.
E apercebeu-se, de repente, que ele se calhar já o saberia antes de ela o
dizer.
-Ele é que não
importava realmente! Porque como tu disseste bem, ele era só um paspalho
qualquer. Provavelmente se não fosse ele, seria outro… ele apenas fendeu a
barragem, a inundação veio por causa da água que estava atrás.
-Se a barragem
estivesse vazia não havia inundação, mesmo com a barragem fendida…
-Certo! E percebi que
aquilo que me deu verdadeiramente prazer nos momentos com ele, não foi ele, mas
sim a transgressão!
Ele sorriu e deu uma
pequena gargalhada.
-O que foi?
-Ocorreu-me que já
estás um bocadinho cota para te armares em teenager!
Ela fingiu uma cara
zangada!
-Estupido! –
Recompuseram-se os dois – Mas percebes o que quero dizer?
Ele assentiu enquanto
bebia um gole de vinho.
Entretanto chegou o
empregado com os pedidos e a conversa foi cortada, mas já tinha sido dito o que
era para ser dito.
E pronto tudo esclarecido! Se é que algum dia ela precisou de esclarecer alguma alguma coisa. Ele sempre a entendeu ela é que partiu de pressupostos errados.
ResponderEliminarAbraço e saúde
E pressupostos, tal como preconceitos, podem levar a ideias erradas...
EliminarAbraço, Elvira :)
Sabes, acredito que haja, por aí, milhares de Claras reduzidas a conceitos, que nunca serão verdadeiramente felizes, nem conseguirão fazer alguém feliz. Esta Clara, está a safar-se muito bem, conseguiu dar a volta mas, só não desmoronou tudo, porque tinha ao lado um homem que além de vivido, tinha dois dedos de testa.
ResponderEliminarBom dia, sô Gil
Pois...
Eliminar...digamos que nas histórias em que esta história foi baseada, as coisas não correram bem assim!
Posso dizer-te que numa delas, aquela que te posso contar aqui mais resumidamente, ela chegou ao pé dele e perguntou-lhe se ele alguma vez tinha pensado num casamento aberto. Tiveram uma conversa franca e aberta em que ele disse que não tinha qualquer interesse numa situação dessas.
Tudo ficou normal.
Uns quatro meses depois ela voltou a tocar no assunto. Ele olhou para ela, não respondeu sequer, pegou nas malas, saiu porta fora e ela só o voltou a ver na mediação para o divorcio.
Eram ainda jovens, não havia filhos, e ele simplesmente decidiu que não queria passar o resto da vida a vigiá-la ou desconfiado de que alguma coisa se passasse nas suas costas. Do ponto de vista dele, ela só queria uma desculpa para ir para a cama com outros homens... E ele retirou a desculpa do caminho e, basicamente, deu-lhe o que ela queria!
Se bem que depois ela afinal já não queria! Aliás, ela estava estupefacta sem saber o que tinha feito para que o comportamento dele fosse assim...
Amodos que parece que o rapaz tinha dois dedos de testa e gostava de a sentir lisa quando passava lá a mão, em vez de sentir protuberâncias... ;)
Bom dia, D. Noname
Existem muitos casamentos modernos. Para mim sou adepto dos casamentos antigos... sempre.
ResponderEliminar.
Cumprimento fraterno
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Eu sou adepto de casamentos que funcionam! Como é que funcionam, não interessa, desde que ambas (ou em alguns casos as múltiplas) partes estejam em sintonia!
EliminarForte abraço :)
Desculpa, Gil, mas toda aquela conversa da personagem - que se julga a última bolacha do pacote - se fosse eu o marido ainda me sentiria mais ultrajada. Por mais que tente não consigo encarar essa situação como natural.
ResponderEliminarQue paciência a dele, caramba...! :( Para quê remexer na porcaria? Não seria melhor colocar uma pedra no assunto e tentarem, desta vez, com honestidade e lealdade tentarem uma vida nova? Ou eu sou mesmo do tempo da pedra lascada ou não estou a perceber nada da história.
Um abraço, caro Gil.
Pá, tens de perceber que depois de ele lhe ter dito que nem sequer acreditava que ela algum dia sinta "paixão" por ele, e de ela ter reflectido bem, se impunha que ela lhe tentasse explicar o que lhe ia na alma! Afinal, eles estão aqui, nesta situação, porque simplesmente não falaram, tomaram as suas assunções como verdades e deu nisto...
Eliminar...se calhar (só se calhar... ;) ) se a pessoas falassem mais e assumissem menos, havia muitos problemas e mal entendidos que se evitavam...
Abraço, Janita :)