(como já vem sendo habito, fica aqui mais um capítulo extra para o fim-de-semana)
Quando ela finalmente adormeceu ele
levantou-se, escreveu uma nota que lhe deixou em cima de uma almofada no sofá
da sala, agarrou nas chaves do carro e saiu. Era dia de concerto. Até queria
ficar com ela e falar mais, assegurá-la de muita coisa que ela duvidaria agora,
abraçá-la, acalmá-la, mas havia compromissos e pessoas à espera.
Mas, ao mesmo tempo
sentia-se mais leve. Não porque achasse que se daria algum milagre e que tudo
mudaria magicamente, mas porque, pelo menos, ela sabia. E soube-lhe bem tirar
tudo aquilo de dentro de si. Até parecia conseguir respirar melhor.
Essa pequena mudança
de disposição foi subtil por fora, mas por dentro… No jantar dessa noite as
mulheres dos seus colegas estavam maravilhadas com o sentido de humor mordaz
que ele demonstrava. Lucas reviu finalmente a pessoa que conhecera há tantos
anos e que parecia viver vergada, como se carregasse o mundo às costas.
O concerto foi uma
verdadeira festa e a Marta, lá estava…
Quando Clara acordou
ele não estava e ela assustou-se. Procurou-o de imediato pela casa, deu com a
nota onde ele lhe dizia que tinha ido tocar e que, a não ser que ela quisesse,
não lhe ia mandar as mensagens, para ela poder descansar. Ela pegou de imediato
no telemóvel e enviou a mensagem em que lhe dizia que queria que ele a avisasse
na mesma, e depois sentou-se e reviu a conversa dessa tarde na sua memória.
O que fazer agora?
Tinha de começar por algum lado e percebeu nesse momento o caos que ia dentro
de si. Seria verdade o que ele dizia? Nunca tinha estado apaixonada por ele?
Teria ele sido apenas uma escolha quase racional?
Não. Não tinha! Tudo
levou muito tempo. Quando começaram a namorar já se conheciam há anos, tinham
partilhado tanta coisa, quer em grupo, quer só os dois… foi um sentimento que
foi emergindo! Lembrou-se daqueles três dias em que pensava horrorizada no que
fazer, após aquele beijo tímido! Ele era um rapaz bonito e já com alguma
experiência, ela uma jovem tímida e inexperiente… Mas ele já a cativava há
muito. O sorriso dele derretia-lhe o coração… ainda hoje! E há quanto tempo é
que ela não lhe via um sorriso genuíno, com os olhos brilhantes de felicidade,
como ele sempre olhou para si? Os sorrisos dele pareciam sempre carregados de
uma extrema melancolia… E ela lembrava-se daquele fogo que lhe costumava ver no
olhar… e lembrou-se que a ultima vez que tinha visto esse fogo foi quando ela
saiu pela primeira vez… Para ir ter com outro!
Ela alguma vez tinha
correspondido a esse fogo? Pela primeira vez comparou o seu amante e o seu
marido na cama, na sua mente. Claro que já o tinha feito antes, mas percebeu o
quanto os seus próprios sentimentos na altura pesavam na avaliação. E o que é
que ela tinha sentido? A excitação! Pelo amante? Ou pelo facto de estar a fazer
algo proibido? Quando ela tentou objectivamente retirar isso da equação, o que
restava? O seu amante, na realidade, por comparação… deixava muito a desejar em
termos de performance. Ainda assim, para ela tinha sido excepcional!
O marido tinha razão.
Ela sabia amá-lo, mas a paixão, o fogo nem estava lá! Mas porquê?
E uma imagem começou
a emergir! Ela quis-se conformar aquilo que achava que ele esperava dela! Que
mais poderia querer um rapaz que já tinha tido alguma experiência, mas que a
tinha escolhido a ela? Ela nunca se libertou verdadeiramente! Ela nunca se deu
a conhecer verdadeiramente a ele. De certa forma, ela, quando estava com ele,
tinha vergonha da pessoa que queria ser!
Talvez por isso ela
se ressentisse dele de alguma maneira profunda, inconsciente! Se calhar isto
tudo foi um grito de revolta e ele levou injustamente com anos de
auto-repressão! “In vino veritas”! Se calhar por isso ela o quis magoar naquela
noite… A ironia era inescapável! Quem ela é rebelava-se contra quem ela se
forçava a ser e culpava-o, querendo magoá-lo e afinal quem ele queria
verdadeiramente é quem ela é!
Desatou a rir,
sozinha, à gargalhada, perante este pensamento! Que coisa mais estúpida!
Mas racionalizar isto
tudo é giro e até podia dar um bom espectáculo de Stand up! Mas… o que é que verdadeiramente sentia?
De uma coisa tinha a
certeza. Agora que tudo tinha acabado, sentia-se usada, mas isso mais pelas
circunstâncias. O facto de o amante ser… Como é que ele tinha dito mesmo…? “Um
paspalho qualquer”! Era mesmo isso.
E que mais?
Arrependia-se?
Sim e não!
Não, porque a verdade
é que ela adora a mulher que é. É impossível voltar a ser como era, e daí
talvez aquilo que Marcelo disse de não ser importante. Ele lembrava-a de quem
ela não queria ser… Mas ela sempre se sentiu segura nos seus braços, mesmo
quando vinha dos braços do amante! E esse conforto apenas lhe faltou quando…
Não, não queria sequer relembrar isso. Quem ela é quer que ele seja como é.
Quem ela é, foi ou será não faz sentido sem que ele seja como é e esteja ali.
Quem ela foi, é, ou
será ama-o incondicionalmente!
Sim, porque quem ela
é só existe por causa da enorme dor que causou a quem ele é. As dores de parto
não foram suas, foram dele! Será que quem ele é ainda quer quem ela é agora?
Será que ele alguma vez conseguirá ultrapassar o que sente? Será que o tempo o
pode curar? Será que ela é capaz? E se para ele poder ser feliz ela tiver de o
deixar ir?
Esta última
perspectiva lançou-a de repente num choro profundo, quase convulsivo!
Quer-me parecer que a moça, já se reconhece na mulher que sempre foi mas que não soube mostrar, as razões serão muitas e algumas delas já foram afloradas e têm imenso peso. Agora, vamos ver o que ela consegue fazer. Fico curiosa :)
ResponderEliminarBom fim de semana, sô Gil
Por vezes viver a nossa vida de acordo com aquilo que achamos serem as espectativas dos outros acaba por dar mau resultado!
EliminarPorque lá porque assim achamos, não tem de ser de facto...
Bom FDS D. Noname :)
Li o texto e gostei. :)
ResponderEliminar-
Neste sossego aonde me permito esperar ...
-
Beijos e um excelente fim de semana!
Muito Obrigado :)
EliminarOs casamentos livres e modernos tem muito que se lhe diga. Para mim...gosto MUITO mais dos antigos, lol
ResponderEliminar.
Feliz fim de semana …Abraço de amizade.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Como diria i Alentejano na anedota:
Eliminar-Modernices...
Forte Abraço :)
Reli estes capítulos.
ResponderEliminarEsta história lembra-me um caso que conheci quando era muito menina. Teria os meus seis sete anos, vivia junto de nós na Seca, uma mulher que tinha um filho a viver no Seixal. Ela chamava-se Elvira, o Filho era o Fernando, a que todos os vizinhos chamavam o "Corno Manso" casado com a Adelaide e pai de dois filhos que seriam ou não dele. De vez em quando a Adelaide embeiçava-se por alguém e fugia de casa, chegando numa altura a ficar três semanas fora. Quando se cansava do novo amante, ou ele se cansava dela, voltava para casa. E quando alguém perguntava ao Fernando porque a aceitava de volta, ele dizia que sabia que no coração dela só ele habitava e aquilo é que lhe importava. O amor que ela lhe tinha e os filhos. Cada vez que ela desaparecia, ele telefonava para a Seca, para pedir ajuda à mãe. Ela falava com os meus pais e o meu pai ia levá-la ao Seixal atravessando o rio num bote. Eu ia sempre com ela, para brincar com os meninos e não sentirem tanto a falta da mãe. Quando entrei para a escola, passou a ir a minha irmã, e mais tarde o meu irmão, até que todos fomos para a escola, e a Ti'Elvira passou a ir sozinha. Uns anos mais tarde, ela morreu e do Fernando e companhia nunca mais soube nada.
Estou de volta depois de três dias de cama, com febre, dores no corpo todo, vómitos e inchaço nos pés e mãos. E como toda a gente me diz que o pior é a segunda dose, estou bem arranjada. Bom mas o que interessa é que hoje já estou bem.
Abraço, saúde e bom domingo
Pois, infelizmente estas histórias não são novas...
EliminarEu por acaso não passei por muito, nem com a 1ª nem com a segunda dose, à excepção de uma dor incómoda no braco das duas vezes e de um pico de febre na segunda, mas nada de muito chato...
...mas tive colegas que sofreram bastante. Mas passou :)
Abraço, Elvira e as melhoras :)
É ver como são os paradoxos da vida! A mulher a querer ser recatada, não deixando o marido adivinhar o vulcão que a invadia quando era possuída pelo desejo de sexo, o homem por sua vez a achar que a mulher era algo frígida e, vai daí, vai-me a mulher procurar nos braços d'outro a água que apagaria o seu fogo, com o extintor de incêndios ali à mão de semear...E agora? Irá a vida permitir rebobinar tudo e esquecer que houve outro homem e que as coisas amainaram por mor do escândalo, ou vai o Marcelo encher-se de brios e dizer basta?
ResponderEliminarPois...é isso que eu quero ver, pra crer!
Abraço, caro Gil. :-)
Pois que verás :)
EliminarOs paradoxos são mesmo lixados...
Abraço, Janita :)