quarta-feira, 12 de maio de 2021

Um casamento moderno - XIV

 

A vida em casa tinha voltado quase ao normal, pelo menos aquilo que era normal em tempos mais recentes.

Ele continuava a sair aos fins-de-semana embora ela já não saísse. Na cabeça dela as dúvidas acumulavam-se e os ciúmes também! Mas as conversas que tinham eram cada vez mais leves. A disposição dele mudava a cada dia, como se um peso lhe tivesse saído dos ombros. Não era o homem que ela conhecia, ainda, mas estava bem mais próximo do que em todos os meses anteriores.

Ela odiava o que o seu amante tinha feito. Odiava-o! Sentia-se deprimida pelas suas acções, por ter sido tão infantilmente enganada! Mas ao mesmo tempo o seu corpo, com o passar dos dias, rebelava-se. Por vezes perdia-se a recordar os dias de paixão com o amante. Excitava-se e acabava por se masturbar a pensar nele. Apesar de ter cortado todo o contacto com ele, não havia uma altura em que um sinal de aviso no telemóvel não fizesse com que os seus pensamentos fossem directamente para o amante, bem como não conseguia conter uma ponta de desilusão por não ser.

Já o amante, no próprio dia em que Clara foi confrontada pela mulher dele, grávida, tinha pedido a transferência para outra cidade onde a firma tinha também um escritório, e ela nunca mais o vira. E ainda bem, pensava para si! Mas ainda assim…

Mas, mais do que lhe apetecia o amante, apetecia-lhe sexo! E a verdade é que tinha um belíssimo exemplar do sexo masculino em casa! E foi enquanto pensava nisto que se deu conta que há meses, desde a conversa sobre a abertura no casamento, que não fazia amor com o seu marido! Pela primeira vez dava-se conta disso, com alguma surpresa! Em todo aquele tempo ele nunca sequer tentou iniciar nada, como era costume! Zero! E este simples pensamento fez avolumar mais ainda a questão que já lhe andava na cabeça há algum tempo: Quem é ela?

Decidiu tomar conta da situação de uma vez por todas. Ele tinha saído, mas não ia demorar. Ela bem que tinha percebido os olhares dele quando se preparava para sair com o amante. Vestiu a sua lingerie mais sexy, um vestido revelador, mas com classe, algo que ela sabia chamar a atenção de qualquer homem, sem no entanto lhe dar um ar vulgar, maquilhou-se a preceito e depois sentou-se na sala e esperou.

Quando ele entrou em casa e a viu daquela maneira, o seu coração saltou uma batida. Estava simplesmente deslumbrante, e apeteceu-lhe largar os sacos de comida no meio do chão e tomá-la ali mesmo. Mas recompôs-se e seguiu para a cozinha onde pousou os sacos.

Ela seguiu-o.

-Que é que achas? – Perguntou ela, fazendo a pose mais sexy que conseguiu imaginar.

-Estás gira. Vais sair?

-Não!

-Não? Vestida assim?

-É para ti!

Ele olhou para ela com uma cara séria.

-Para mim? – Perguntou com alguma surpresa.

-Sim! Não te pareço apetecível? – Perguntou, aproximando-se num passo sedutor, como uma pantera que encanta uma presa.

-Muito! - Respondeu ele, sem que a sua expressão se alterasse.

-Não estou desejável? – Continuava a aproximar-se! Ele continuava imóvel.

-Estás!

Ela colou o corpo ao dele.

-Não me desejas?

- Mais do que possas imaginar!

A resposta dele deu-lhe alento! Deu-lhe um beijo no pescoço e continuou:

-Queres-me?

-Não!

O seu mundo estilhaçou-se, de repente, com uma simples palavra. Largou-o de imediato e olhou para ele, magoada de uma forma que até a fazia tremer por dentro.

-Não?

-Não!

As lagrimas irromperam-lhe nos olhos, virou as costas, saiu da cozinha. Ele arrumou o conteúdo dos sacos. Ela sentou-se no sofá a chorar quase compulsivamente, embora se esforçasse por se conter. Ele saiu para o quintal, nas traseiras. Ela enrolou-se em posição fetal enquanto mil imagens dele com outras mulheres mais bonitas, mais jovens lhe percorriam a imaginação! Ele fumava um charro enquanto tentava também conter as lágrimas.

Quando acabou de fumar, voltou para a cozinha e foi preparando o jantar. Ela já se acalmara um pouco, mas continuava encolhida no sofá a chorar baixinho.

Ao fim de uma meia hora ele chamou-a para jantar. Ela levantou-se, foi à casa de banho limpar a cara da maquilhagem esborratada, foi ao quarto e trocou de roupa para algo mais de trazer por casa, sentou-se à mesa e começou a debicar o seu prato em silêncio enquanto mil coisas lhe corriam no pensamento! Ele manteve-se em silêncio também! Por fim ela falou:

-Estive a pensar e gostava de acabar com a “abertura” no nosso casamento!

Ele parou de comer e ficou a olhar para ela de uma forma bastante séria. Ela, neste momento, mais do que em qualquer outro, não sabia o que esperar dele. Ele falou, por fim:

-Antes de te responder a isso, gostava que tivesses a noção do extremo egoísmo de que essa afirmação está carregada.

-Egoísmo?

- Sim, puro e duro! Repara, quiseste abrir o casamento para perseguires os teus sentimentos,…

-E tu concordaste!

-Sim, porque a alternativa, como tu a puseste naquele dia seria isso ou um divórcio. Não sei se estás recordada…

Ela calou-se. Não tinha argumento. Ele tinha razão.

-No entanto,… - continuou ele - …agora que tudo correu como era mais ou menos espectável que corresse, já não tens interesse nenhum! E como tu não tens interesse, então fecha-se e pronto! Não achas um tudo-nada egoísta?

As palavras dele doíam-lhe na alma, sobretudo porque ela sabia que ele tinha razão. Mais ainda porque a suspeita de que ele teria alguém se adensou. Que outro motivo teria ele para lhe responder assim? Manteve-se em silêncio e ele continuou:

-E quem é que me garante que amanhã não há alguém que te encha o ego e afinal sempre querias o casamento aberto?

Apesar das palavras serem duras, o tom em que eram ditas não tinha uma única nota de reprovação. Uma única nota de acusação. Era apenas uma pergunta legitima, em face a tudo o que se tinha passado!

-Eu sei que tens razão,… - acabou ela por dizer - …mas, independentemente disso, gostava de fechar o casamento… caso tu concordes!

-Tens noção de que se eu concordar esta é uma opção que nunca mais vai estar em cima da mesa, seja a que pretexto for? Que se houver algum indício seja do que for, o pedido de divórcio vai ser imediato?

-Tenho!

-E mesmo assim queres?

-Sim. Acho que é justo dar-te algum tempo para arrumares algum assunto pendente… duas semanas? Achas bem? – Ele encolheu os ombros em resposta – …mas após isso, nada mais!

-Ok, seja como tu queres!

4 comentários:

  1. A coisa está a acinzentar, ainda que, em cinzento escuro :-)

    Boa tarde, sô Gil

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    1. Sim, mas a negritude vai levantando... :)

      Boa tarde, D. Noname

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  2. Começo a gostar deste Marcelo! Tomara que ele não ceda assim com duas cantigas, afinal, um homem (ou mulher) tem a sua dignidade, não é um objecto que ora se deseja ora se recusa, por aparecer outro mais apetecível. Ai, agora que o outro deu de frosques é que reparou no homem sexy que sempre teve em casa? :))

    Siga a dança, senhor escritor e não ligue a bocas foleiras. :)

    Um abraço.

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    1. Eu já só ligo a muito poucas coisas... :)

      Abraço

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