Nessa sexta-feira, quando ela chegou a
casa, tinha uma nota dele em cima da mesa da cozinha onde lhe dizia que não
estaria e que tinha saído mais cedo, que havia comida no forno, que lhe ia
mandar as mensagens para a deixar descansada.
Ficou triste, mas,
mais que triste, possessa!
Quem é ela?
Abriu o portátil e
resolveu procurar a página de facebook
dele. Sabia que ele não era adepto das redes sociais, mas ainda assim… Já não
olhava para a página dele há tanto tempo, quem sabe se não haveria algo lá?
Abriu a página e
descobriu que não era actualizada há meses, a ultima publicação, a partilha de
um post do filho.
Mas a página estava
quase toda escondida, com muita informação privada.
A curiosidade foi mais
forte! Entrou no escritório do marido, arrancou o computador de trabalho dele,
abriu o facebook e, como esperava, a
página abriu directamente com o perfil do marido. O resultado era o mesmo, mas
o número de pedido de amizade era na ordem das centenas, nunca respondidos. O
número de mensagens não abertas era da mesma ordem. Era notório que ele nem
carregava a página há muito tempo. Não se atreveu a carregar nas mensagens ou
nos pedidos de amizade sabendo que faria desaparecer o número do contador, mas
carregou nas notificações. Era quase tudo notificações para posts em que ele fora mencionado. Abriu
o mais recente e era uma foto. Uma foto de Marcelo e uma rapariga que não aparentava
ter mais de vinte e poucos anos, ela abraçada a ele, rostos colados, ele algo
sério, ela com um brilho nos olhos. A foto só tinha uma legenda “Mais logo”
seguida da indicação do nome de um bar razoavelmente conhecido da periferia da
cidade.
Seguiu o link para o site do bar. Parecia ser um
bar enorme de música ao vivo. Eles iam estar aqui?
Ela precisava de ver.
Era ela? Jovem e linda, parecia saída de uma capa de revista! Era ela a sua
substituta?
Ignorou o resto,
fechou a página, procurou as direcções e o nome do bar, desligou o computador,
dirigiu-se ao quarto, procurou as roupas que já não usava parecia há uma vida
atrás e tinham passado só alguns meses, desfez o penteado que tinha e deixou o
cabelo simplesmente escorrer, olhou-se no espelho e viu aquela que não gostava
de ser notada e que hoje não o seria. Não sabia o que se iria passar, por isso
chamou um táxi, deu a morada e seguiu para lá. Chegou e o local ainda estava
fechado. Resolveu impacientemente jantar num restaurante perto e fazer tempo
até à hora de abertura, o que demorou uma eternidade, pagou, saiu, entrou no
bar, procurou o canto mais apagado, mas de onde pudesse ver bem toda casa,
encontrou uma pequena cabine num canto, com uma mesa baixa e um assento redondo
para umas quantas pessoas, encaixou-se lá, pediu uma cola, decidida a que nunca
mais na sua vida se deixaria levar pelo Álcool, o que não era uma recusa de
beber, mas o era hoje, porque ela não sabia o que iria ver, mas queria vê-la, a
ela…
…e a ele. Queria
vê-los! Achava que vê-los explicaria muita coisa e aliviaria a culpa que crescia
a cada dia, ao ponto de a sufocar! Aliviaria a dor que sentia no peito, a
consciência dos seus actos. Precisava de se sentir justificada.
O bar começou
rapidamente a encher, até ao ponto de haver já muita gente de pé e a cobiçar os
lugares disponíveis e que ela sozinha ocupava.
De repente viu entrar
um grupo de quatro casais e… ele! Não parecia vir acompanhado por ninguém!
Sentaram-se numa mesa mesmo ao lado do palco. Estranhou. Sabia que Marcelo
gostava de estar sempre de frente, para ver e ouvir melhor… Queixava-se sempre
do som quando não ficava…
Nisto entrou um grupo
de mulheres, todas na segunda metade dos vintes ou trinta baixos, todas elas
produzidas, todas miúdas giras que fizeram questão de ir àquela mesa e
cumprimentar Marcelo! Não sabia o que pensar daquilo! Começavam elas a
afastar-se, claramente à procura de uma mesa, quando Ela entrou! Era Ela, a da
fotografia! E era, sem sombra de dúvida, um espanto de mulher! Alta, magra,
parecia uma modelo, e um rosto que, mesmo à distância, denotava uma beleza
clássica, cabelos louros a cair, sedosos em cascata pêlos ombros. Quando ela
entrou foi notada, não só por si, mas por todo o bar, especialmente pela
preponderante população masculina. Ela foi directamente para a mesa de Marcelo
e Clara sentiu-se de repente tão diminuída… Estava tão atenta que não reparou
que as moças que tinham passado antes pela mesa estavam ao pé de si.
-Desculpe,… -
interrompeu uma - …estes lugares estão ocupados? Podemos sentar-nos aqui?
Ficou um instante sem
saber o que responder, mas o bar estava mesmo cheio e percebeu que, mais cedo
ou mais tarde teria de ceder ou partilhar aquela cabine.
-Podem. Eu estou
sozinha e até aprecio a companhia.
Elas agradeceram,
sentaram-se apresentaram-se e foram conversando umas com as outras, mas Clara
nem lhes deu atenção. Voltou o seu foco de imediato para Ela. Cumprimentava
Marcelo, tocava-o, seduzia-o claramente, descaradamente, quase
despudoradamente, encostou-se a ele e Clara sentiu o seu coração a disparar,
ele envolveu-a com um braço, Ela deu-lhe um beijo na face, ele deu-lhe outro, Ela
fez beicinho, ele deu-lhe um beijo nos lábios, fugidio e envergonhado que
retirou, de repente, o chão a Clara, Ela riu, ele não, largou-a, Ela afastou-se
com um sorriso nos lábios, ele voltou a sentar-se, Ela veio directa a si o que
a deixou em pânico…
…e Ela chegou,
sentou-se com as jovens que tinham chegado antes, que começaram logo a meter-se
com ela:
-Um Xôxo, Marta! Uau,
que progresso!
-E arrancado a
ferros! Só me o deu para me despachar. Começou logo com aquelas coisas
“Desculpa, tenho de ir, já vamos tocar…”, as cenas do costume, e eu disse-lhe
que só o largava se me desse um xôxo! Amigas, digam-me, estou a perder
qualidades, não estou? Devo estar velha e horrível…
Para ela foi uma
torrente de informação para processar… Ok, não eram um caso, pêlos vistos, mas
eram o quê, afinal… Ele tinha uma banda? Como é que ela não sabia? Como é que
era possível ela viver com alguém e não saber que essa pessoa tem uma banda e
anda a dar concertos? Quando é que ele tinha voltado a tocar? Há anos que a
guitarra dele estava a ganhar pó na garagem…
-Desculpa, mas isso
faz de nós o quê? Se tu estás velha e horrível, nos estamos caquécticas…
Deixa-te disso, nos somos poderosas… Aposto contigo que sacávamos qualquer gajo
neste bar, qualquer uma de nós…
-Também não era
difícil,… - disse outra - …nós temos o que eles querem!
Riram!
-Não percebo! – Disse
Marta – O raio do homem só pode ser gay…
-Não viste a aliança
no dedo dele?
-É casado com um
gajo! Só pode! Vocês sabem de alguém que lhe tenha dado a volta?
Ficaram todas a olhar
umas para as outras, a tentar lembrar-se de alguém.
Entretanto a banda
começou o concerto.
Eram bons, muito
bons! Clara sentiu-se recuar vinte anos, até à sua juventude quando ia com o
resto do grupo de jovens de propósito ver concertos da banda de heavy metal de Marcelo. Mas aqui tocavam
as músicas da sua juventude. Já naquilo que deveria ser a segunda parte do
concerto, o vocalista começa a falar:
-Acho que já todos
aqui conhecem a história, mas parece que gostam sempre que eu a conte, para os
que não costumam acompanhar-nos, e já agora, obrigado a quem está sempre
presente, mas, quando andávamos já a ensaiar para o nosso primeiro concerto,
chegamos um dia à garagem e este rapaz estava lá sozinho a tocar isto… E
achámos que vocês também devem ouvir! Marcelo, chega-te à frente…
O público aplaudiu
entusiasticamente.
Marcelo começou a
música suavemente, só com a guitarra, e o resto da banda entrou quando ele
mesmo começou a cantar!
Há quantos anos Clara
não ouvia aquela música! E sem querer perdeu-se nas emoções que eram carregadas
pela voz de Marcelo, a dor da sua mão amarga apenas embalar os estilhaços de
vidro daquilo que foi tudo, e percebeu essa dor, percebeu o que lhe custava carregar
aquele fardo e não largar esses estilhaços, mas que a amargura crescia!
Percebeu que o seu mundo estava de facto tatuado de negro, naquilo que vê, é e
acredita! E percebeu que o amor dele é tão grande, a sua amizade tão profunda,
que ele está disposto a deixá-la ir, mesmo que o seu mundo deixe de fazer
sentido, se isso a fizer feliz, e o remorso tornou-se insuportável e
transformou-se nas lagrimas que teimaram em escrever linhas na sua face!
Quando a música
acabou o silêncio que se fez pareceu abater-se só sobre ela, e ela não aguentou
e quando a música a seguir começou levantou-se, saiu, procurou um táxi e voltou
para casa, fechou-se no quarto, sentada, vestida na cama, no escuro, sem saber
o que fazer…
Acredito que a moça está arrependida, mas também acredito que ela precisaria passar por tudo o que passou, para se sentir segura do que quer, e inteira na relação, se esta conseguir sobreviver. Vamos ver.
ResponderEliminarBom dia, sô Gil
Há um gajo que eu não te vou dizer quem é (porque sou modesto...) que, numa letra de uma música, escreveu "Não podes ser redimido se nunca te perdeste"...
EliminarBom dia D. Noname :)
Sabes que mais? Essa mulher não merece o marido que tem.
ResponderEliminarComidinha feita e no forno...fiel até dizer chega. Há pessoas que só mesmo penando muito, se podem redimir do mal que fizeram. Haja pachorra para aguentar tanta inversão de valores. Nem 8 nem 80...Bolas!
Abraço, caro Gil! :)
Pá, eu faço isso todos os dias e nõ acho que seja nada do outro mundo... (a comida - sou eu o cozinheiro da casa e ela, quanto muito, se eu não estiver, lá faz uma omelete...)
EliminarEstarás a querer insinuar que eu sou um excelente partido?
É que eu, para te ser franco, não tinha paciencia para me aturar se não estivesse preso na minha pele... LOL
Abraço grande, Janita :)