As semanas foram passando, foram-se
transformando em meses. Clara sentia-se sexualmente satisfeita e nem se
apercebia que já não fazia amor com o seu marido desde que tinha começado o
caso.
Já ele deixou de
tentar iniciar algo nesse sentido desde o dia da conversa inicial. Aliás, para
si, cada vez mais fazia menos sentido tentar iniciar algo. Por vezes pensava
que talvez não fosse má ideia sair, tentar um engate que lhe permitisse aliviar
um bocado a tensão, mas depois pensava “Para quê?”. Estava magoado e sabia que
esse seria um pobre remédio.
Continuava com a
banda, que, de um modo completamente imprevisto, foi convidada para tocar numa
pequena celebração de um clube motard.
Ao fim de uns meses
de prática a memória muscular fez milagres e deu por si a tocar até melhor do
que achava que já tinha tocado, havia algo diferente, mais sensibilidade no
toque.
Naquele dia chegou à
garagem onde ensaiavam primeiro que todos os outros, num dos ensaios para esse
concerto. Ligou a guitarra, sentou-se, resolveu dar uns acordes. Lembrou-se de
uma música que já não tocava há muito e resolveu tentar. Por piada, resolveu
puxar o microfone para si, sentou-se, ajeitou-se e começou a tocar. Depois a
voz entra e ele simplesmente jorrou ali o que lhe ia na alma. A canção “Black”
dos Pearl Jam, ganhava um significado maior, aqui e agora, naquilo que ele estava
a viver. “E tudo o que lhe ensinei foi tudo, e tudo o que ela me deu foi o que
usava em si! E agora as minhas mãos amargas embalam o vidro estilhaçado do que
foi tudo, todas as molduras ficaram pintadas de preto, tudo foi tatuado!”
Quando acabou a música
abriu os olhos, dos quais saiam lágrimas que lhe rasgavam a face e percebeu que
a banda tinha chegado e os outros quatro estavam à frente dele, pasmados.
O Lucas foi o
primeiro a falar, para o Luís, o vocalista:
-Mano, tás despedido!
O Luís olhou para ele
e para Marcelo, fez um sorriso sacana e disse:
-É justo! Fui!
Foi o Marcelo que
falou a seguir:
-Não vais nada,
fosga-se… Tás parvo ou quê? Eu lá sou vocalista?
-Porra, olha que não
se notou, mano!
-Deixem-se lá de
tretas, pá!
-Ó meninos,… -
interrompeu o Olavo, o baixista - …vamos lá a falar a sério. Pá, temos de tocar
este tema!
-Yá! – Disse o
Ricardo, o baterista – Mas mesmo a sério!
-E eu lá canto isto?
Quer dizer, cantar canto, mas não assim… - disse o Luís apontando para Marcelo.
-Não há problema. –
Disse logo o Lucas – Esta canta ele!
-E eu vou cantar uma
música no meio do set?
-E…?
…e passaram um bom
bocado daquele ensaio a tocar a música e depois seguiram com o resto do
reportório.
No dia do concerto,
uma sexta-feira, ele disse-lhe que ia sair.
Ela não lhe tinha
dito nada nesse dia.
-Vais demorar?
-Sim, hoje vou! Tu
hoje não vais sair?
-Não, hoje vou ficar
por casa…
Ele assentiu.
-Eu hoje vou demorar.
Bastante, provavelmente. Se calhar é melhor não te mandar as mensagens…
-Manda na mesma, por favor!
Gosto de saber que estás bem… - disse ela, com sinceridade.
A curiosidade
corroía-a, mas sabia que não podia perguntar-lhe nada. Imaginou-o com outra
mulher e o sentimento assustou-a. Como seria ela? Olhou-o bem, pela primeira
vez em anos. Ele estava esbelto, numa excelente forma. Tinha de admitir estar
casada com um homem que era bem atraente. Os primeiros cabelos grisalhos, que
de há pouco tempo para cá lhe pareciam muito mais, davam-lhe um ar mais sábio,
mais maduro… e havia algo nele que lhe era estranho, algo que ela não conseguia
quantificar, mas parecia haver nele uma melancolia no seu olhar que lhe dava
quase um ar de… ela não sabia qual a palavra para descrever o que via nele.
Ele interrompeu-lhe
os pensamentos.
-Eu mando. Até logo e
fica bem.
Como seria ela? Que
tipo de mulher se sentiria atraída por ele? E ele hoje saia como há muito não o
via, tinha quase rapado o cabelo, calçava umas botas e uma t-shit preta e aquele colete de cabedal que ela não via há seculos!
Parecia o roqueiro de há vinte anos atrás…
O telemóvel acendeu
de repente, com uma mensagem, e o seu pensamento descarrilou quase por
completo, enquanto sorria com as mensagens atrevidas do seu namorado e lhe
respondia e correspondia, mas bem lá no fundo o assunto anterior ficou a emergir
de vez em quando.
Como seria ela?
E aos poucos, em
flashes, a imagem de como ela seria foi emergindo daquilo que ela se apercebia
do que ele era, quando realmente olhava para ele, e ela percebeu subitamente
que qualquer mulher podia ser ela, de que ele, ao contrário do seu namorado,
podia escolher quem quisesse.
E racionalizou isso
sentindo-se relaxada em relação ao seu namorado, sentindo de alguma forma
justificada a sua escolha e justificado o seu prazer.
Mas, para lá de
qualquer racionalização, ela sentiu de repente que podia facilmente ser trocada
por uma versão melhor, mais bonita e mais sexy
de si. E se ele se afastasse?
E no fundo do seu
subconsciente começou a gerar-se um pensamento, que ela sentiu de imediato
viria a atormentá-la mais, mas que decidiu relevar nesse momento, enquanto
aceitava uma vídeo chamada dele e começavam a provocar-se até que ambos
estivessem satisfeitos…
Já ele conheceu
finalmente as mulheres dos seus colegas de banda, quando chegou ao local do seu
primeiro concerto em vinte anos. Era tudo pessoal simpático e elas trataram
imediatamente de se meter com ele até o levarem às gargalhadas, fazendo-o
perder parte daquela carga que ele parecia carregar sempre consigo. Mais
curiosas acerca dele do que os respectivos maridos, bem tentaram saber tudo
acerca dele, mas embora ele voluntariasse muitos pormenores acerca do que fazia
na vida, as suas opiniões acerca de assuntos, embora elas ficassem espantadas
de alguma maneira com a sua cultura geral e a maneira como ele conseguia carregar
uma conversa sem esforço, a sua parte mais pessoal parecia blindada por uma
cortina de ferro. Elas notaram a sua aliança, mas não conseguiram sequer
arrancar dele se era casado. Isto acicatou-lhes a curiosidade ainda mais.
Quando eles subiram
ao palco, elas ficaram a conversar entre si.
-Interessante, este
Marcelo…
-Interessante? Muito
mais do que isso! Eu era incapaz de trair o Ricardo, mas olha, filha, se o traísse,
que fosse por um “Marcelo”.
-Sim, mas olhem que
há qualquer coisa nele… Ele pareceu… Triste!
-Sim, não sei se
repararam, mas mesmo quando ele se ria, havia sempre uma tristeza no olhar…
-Eu curava-lhe a
tristeza, se pudesse… - e riram todas.
O concerto correu, o
pessoal que estava no encontro estava animado e a dada altura o Luís começou a
falar:
-Queria só contar-vos
esta história: No outro dia, quando chegamos para ensaiar na garagem, um de nós
já lá estava, e estava a cantar esta música sozinho! Nós não somos experts, nem
críticos musicais, mas sabemos que aquilo que ouvimos nos tocou na alma. O
Marcelo vai cantar uma canção.
Se houve algum
interesse por parte do público, elas, as mulheres, ficaram ainda mais
interessadas, a sua curiosidade em relação à nova aquisição da banda disparou.
E ele cantou. E se
cantou! Como se a sua vida estivesse espalhada naquela letra, como se aquele
apelo no fim fosse o tudo ou nada, como se ele soubesse que tinha de largar
alguém, não o quisesse fazer, mas se sentisse obrigado por amor! De repente elas
perceberam, não o que se passava com ele, mas sim o que lhe ia na alma!
E com elas toda a
plateia, que permaneceu por alguns segundos em silêncio no fim da a música,
antes de irromper em aplausos.
Depois do concerto, a
maioria dos presentes, que não eram muitos, quiseram cumprimenta-lo e dizer-lhe
que tinham adorado a música.
Mal a banda sabia que
dali a notícia se espalharia, e que eles começariam a tocar todas as semanas,
muito em breve, contra qualquer espectativa que tivessem previamente.
Mandou-lhe a mensagem
por volta das seis da manhã.
Ela acordou de
repente com o som do telemóvel, leu a mensagem e respondeu. Ele entrou meia
hora depois, mas não se foi deitar ao seu lado. Isso, de alguma forma, deixou-a
triste. Queria sentir o conforto de o ter ali, como todos os dias… mas acabou
por deslizar para o sono.
Deu com ele, depois
de acordar, a dormir no sofá da sala. Fez os possíveis por não o incomodar.
Deu por ele acordar.
-Bom dia, dorminhoco!
-Bom dia… Aliás, boa
tarde!
-Queres alguma coisa
para comer?
-Quero ir tomar um
duche!
-Porque é que não te
foste deitar ontem?
-Porque estava suado
e sujo e demasiado cansado para me dar ao trabalho de tomar banho e não me
queria ir deitar assim… E por falar nisso, vou tomar banho!
-Não queres mesmo
nada para comer?
-Só um sumo de
laranja! Acho que preciso de vitaminas! Estou a ficar velho!
E, de repente,
pergunta deixou de ser como seria ela! Passou a ser “quem é ela?”!
E por um momento
duvidou!
-Amo-te! – Disse, ao
mesmo tempo que ele desaparecia no corredor para a casa de banho. Ele voltou
para trás, fez a sua melhor imitação de Han Solo e respondeu:
-Eu sei!
Há anos que não
faziam esta brincadeira. Este momento levou-a para trás no tempo, e ela riu, ao
mesmo tempo que ele se virou e foi tomar o seu banho.
E quanto ela espremia
o sumo para ele apercebeu-se de que ele não respondeu depois “Eu também” como
sempre costumava fazer.
E pronto. Agora já não é uma pulga atrás da orelha. Agora tem uma carraça, que é muito mais chata, e nunca mais vai deixá-la gozar o prazer das quecas com o amante. E vão começar as surgir as comparações.
ResponderEliminarComeça a parte mais importante desta história.
Abraço e saúde.
...e não há nada pior que uma mulher com a pulga atrás da orelha, não é verdade?
EliminarAbraço, Elvira :)
Existem tantas mas tantos casais assim. Relacionamentos cansados. Opções de entrega, nesta caso a música, esfriamento na relação. Quando estão muitos dias frios, (mulher/homem...homem/mulher ) quando aparece o SOL (outra mulher ... outro homem ) é mesmo uma alegria - ou pelos menos um pensamento interrogativo, não é mesmo
ResponderEliminar.
Abraço poético
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
Daí eu achar que esta história talvez tenha relevância pra alguém...
EliminarAbraço
Agora, a coisa que estava em ponto rebuçado, virou ponto espadana, as dúvidas adensam-se :-)
ResponderEliminarBom dia, sô Gil
E ninguém gosta de estar na dúvida...
EliminarBom dia, D. Noname :)