terça-feira, 4 de maio de 2021

Um casamento moderno - VI

 

Ficou agradavelmente surpreendido de a loja ainda existir. Já não ia àquela parte de cidade há alguns anos, já não tinha contacto com quase ninguém, por isso não fazia ideia de se a loja ainda existiria, sobretudo com quase todas as vendas a irem para o mercado on-line. Mas aquela ainda ali estava. Entrou na loja e uma rapariga estava atrás do balcão.

-Bom dia. Diga, por favor!

-Bom dia. Quero um encordoamento de guitarra eléctrica, aço, 010 a 052, por favor.

-10/52, não sei se temos. Não é muito normal... Dê-me só um minuto que eu vou falar com o meu patrão. Temos algumas coisas lá atrás, e pode ser que ele saiba se temos.

-Com certeza. Diga-me, o seu patrão é o Lucas?

-Sim, é. Já é cliente aqui?

-Fui, durante muito tempo, mas também há muito que por aqui não passo. Ele está?

-Está a dar uma aula de guitarra.

-Diga-lhe que o Marcelo está aqui, se puder.

A rapariga afastou-se, deixando-o sozinho na entrada da loja e ele pode apreciar as guitarras e acessórios nos expositores. Tinha realmente saudades desses tempos em que era tudo tão mais simples…

A rapariga voltou.

-O meu patrão diz que tem aquilo que quer, mas que é complicado dizer-me onde está, e se tiver um pouquinho de tempo, ele está a acabar a aula e vem já.

-Ok. Disse-lhe que eu estava aqui?

-Sim, mas ele ficou a olhar para mim, encolheu os ombros e mandou-me embora!

Isto fê-lo sorrir. Havia coisas que não mudavam nunca.

-Fazemos assim, eu vou aqui ao lado, ao café. Quando a aula acabar, diga-lhe que tenho todo o prazer em que ele se junte a mim.

-Com certeza – disse a rapariga com um sorriso.

Ele saiu e entrou no café, literalmente na porta ao lado. Pediu aquilo que queria e sentou-se à espera de ser servido. Uns minutos depois viu o Lucas a entrar no café e a olhar em volta, meio perdido. Foi falar com o empregado do café, que apontou na sua direcção. Foi ter com ele. Só quando chegou perto da mesa começou aperceber-se quem ele era e o seu rosto iluminou-se com um sorriso de repente!

-Eina pá! Deste à costa, foi? Quantos anos é que já lá vão?

-Bem à vontade uns treze ou catorze!

Deram um abraço caloroso, daqueles reservados para os amigos de longa data que tem muito para pôr em dia.

-Mas o que é que fazes por aqui?

-Vim buscar umas cordas.

-Pois, quando a miúda me pediu aquelas cordas, só podias ser tu. Mais ninguém usa aquele raio daquelas cordas. Acho que as cordas que ali tenho são tão velhas como o tempo há que não nos víamos, carago!

-Ya! Mas tu sabes que a minha LP só gosta daquelas cordas…

-Ainda tens aquela menina?

-Mas achas que alguma vez me conseguiria desfazer dela?

-Ainda me lembro do dia em que a vieste aqui buscar! Que guitarra linda e que som do cacete! Ainda soa igual?

-Não sei! Não lhe toco há uns doze anos…

-Pecado! Essa guitarra foi feita para estar num palco, não guardada numa caixa algures!

-Tens razão. Acho que lhe vou começar a tirar as teias de aranha, por isso vê lá se mandas vir cordas.

-Tens a certeza?

-Pá, vê quanto é que custa uma caixa de encordoamentos e eu pago-a já. Acho que estou tão ferrugento como as cordas que ela tinha e quero mesmo fazer qualquer coisa quanto a isso.

-Mesmo, mesmo?

-Sim.

-E olha lá, pô-la em cima de um palco?

-Pá, eu não a vendo por nada deste mundo!

-Contigo a acompanhar!

-Tás maluco! Acabei de te dizer que não toco há 12 anos…

-Pormenores. Se te aplicares, daqui a quinze dias estás razoável e daqui a um mês ou dois estás onde estavas. Tu podes ter-te esquecido, mas os teus dedos não se esqueceram! É só pôr óleo nas articulações. Eu e uns quantos gajos estamos a montar uma banda, não é nada de sério, mais para fazermos uns ensaios, dar um concerto nas redondezas, volta e meia, mas a verdade é que é mais para termos uma noite em que fugimos às mulheres, bebemos uns copos, damos umas passas e brincamos um bocado. Que é que dizes?

-Pá, não sei. Deixa-me meter as cordas na guitarra e ver se ainda consigo fazer alguma coisa sem me envergonhar muito…

-É justo.

Saíram do café, voltaram para a loja.

-Então e o resto da vidinha? O puto?

-O Puto já está grande, pá, já tem 18 anos!

-Caneco… O tempo passa a correr, ainda ontem parecia um terror a desarrumar-me a loja toda…

-Yá! Agora está a estudar, em Londres, e vejo-o meia dúzia de vezes por ano quando cá vem!

-Mas está tudo bem?

-Quase tudo… - respondeu, sentindo que uma ponta da tristeza que carregava consigo deve ter transparecido. O amigo mudou de assunto de imediato.

-Então e não vais querer mais nada? A escala da guitarra deve estar uma desgraça, não queres nutri-la?

Acabou por sair da loja com as cordas e produtos de limpeza para a guitarra. Assim que chegou a casa limpo-a e realmente o Lucas tinha razão, a madeira da escala estava sequíssima. Foi dando óleo, para nutrir a madeira, até a guitarra não absorver mais, depois pôs as cordas, e a guitarra parecia vibrar.

Será que o seu velho amplificador ainda funcionava?

Após algumas movimentações na sua garagem, lá conseguiu chegar ao amplificador. Após tê-lo limpo e aspirado exaustivamente, ligou-o a corrente, e ficou agradavelmente surpreendido por ele ligar sem qualquer problema. Ligou a guitarra que parecia ávida por gritar…

Dois dias depois telefonou ao Lucas.

-Pá, aquilo da banda: estavas a falar a sério?

-Sim, claro!

-E como é?

-Pá, temos ensaio amanhã. Vou-te mandar a morada por mensagem de texto. Aparece por volta das nove. E como és o Rookie trás cerveja para cinco!

-Ok. Lá estarei.

8 comentários:

  1. Está no bom caminho :)

    Bom dia, sô Gil

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    1. Bom dia, D. Noname

      Então, ela entretém-se...
      ...ele também! LOL

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    2. Pois... :-)

      Mas, poderia enveredar pelo mesmo entretém dela, até como fuga.

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    3. Só na matemática é que somar dois negativos dá um positivo...

      De resto, como dizem os Amaricanos, dois errados não fazem um certo!

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  2. Gosto do caminho que ele escolheu.
    Abraço e saúde

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    1. Pois...
      ...muita gente apenas diria que ele é um tanso... ;)

      Abraço, Elvira

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    2. Nestas coisas não temos que achar nada, cada um sabe as linhas com se cose mas, se pedissem a minha opinião, seguindo a história desde o início, diria que: É um homem que viu para além do seu umbigo. Que prefere ter ao seu lado alguém por inteiro, a alguém dividido. Jogou forte, é um perde tudo ou ganha tudo. Vamos esperar para ver.

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    3. Às vezes convém vermos para além do nosso próprio nariz... ;)

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!