Ficou agradavelmente surpreendido de a
loja ainda existir. Já não ia àquela parte de cidade há alguns anos, já não
tinha contacto com quase ninguém, por isso não fazia ideia de se a loja ainda
existiria, sobretudo com quase todas as vendas a irem para o mercado on-line. Mas aquela ainda ali estava.
Entrou na loja e uma rapariga estava atrás do balcão.
-Bom dia. Diga, por
favor!
-Bom dia. Quero um
encordoamento de guitarra eléctrica, aço, 010 a 052, por favor.
-10/52, não sei se
temos. Não é muito normal... Dê-me só um minuto que eu vou falar com o meu
patrão. Temos algumas coisas lá atrás, e pode ser que ele saiba se temos.
-Com certeza.
Diga-me, o seu patrão é o Lucas?
-Sim, é. Já é cliente
aqui?
-Fui, durante muito
tempo, mas também há muito que por aqui não passo. Ele está?
-Está a dar uma aula
de guitarra.
-Diga-lhe que o Marcelo
está aqui, se puder.
A rapariga
afastou-se, deixando-o sozinho na entrada da loja e ele pode apreciar as
guitarras e acessórios nos expositores. Tinha realmente saudades desses tempos
em que era tudo tão mais simples…
A rapariga voltou.
-O meu patrão diz que
tem aquilo que quer, mas que é complicado dizer-me onde está, e se tiver um
pouquinho de tempo, ele está a acabar a aula e vem já.
-Ok. Disse-lhe que eu
estava aqui?
-Sim, mas ele ficou a
olhar para mim, encolheu os ombros e mandou-me embora!
Isto fê-lo sorrir.
Havia coisas que não mudavam nunca.
-Fazemos assim, eu
vou aqui ao lado, ao café. Quando a aula acabar, diga-lhe que tenho todo o
prazer em que ele se junte a mim.
-Com certeza – disse
a rapariga com um sorriso.
Ele saiu e entrou no
café, literalmente na porta ao lado. Pediu aquilo que queria e sentou-se à
espera de ser servido. Uns minutos depois viu o Lucas a entrar no café e a
olhar em volta, meio perdido. Foi falar com o empregado do café, que apontou na
sua direcção. Foi ter com ele. Só quando chegou perto da mesa começou
aperceber-se quem ele era e o seu rosto iluminou-se com um sorriso de repente!
-Eina pá! Deste à
costa, foi? Quantos anos é que já lá vão?
-Bem à vontade uns
treze ou catorze!
Deram um abraço
caloroso, daqueles reservados para os amigos de longa data que tem muito para
pôr em dia.
-Mas o que é que
fazes por aqui?
-Vim buscar umas
cordas.
-Pois, quando a miúda
me pediu aquelas cordas, só podias ser tu. Mais ninguém usa aquele raio
daquelas cordas. Acho que as cordas que ali tenho são tão velhas como o tempo
há que não nos víamos, carago!
-Ya! Mas tu sabes que
a minha LP só gosta daquelas cordas…
-Ainda tens aquela
menina?
-Mas achas que alguma
vez me conseguiria desfazer dela?
-Ainda me lembro do
dia em que a vieste aqui buscar! Que guitarra linda e que som do cacete! Ainda
soa igual?
-Não sei! Não lhe
toco há uns doze anos…
-Pecado! Essa
guitarra foi feita para estar num palco, não guardada numa caixa algures!
-Tens razão. Acho que
lhe vou começar a tirar as teias de aranha, por isso vê lá se mandas vir
cordas.
-Tens a certeza?
-Pá, vê quanto é que
custa uma caixa de encordoamentos e eu pago-a já. Acho que estou tão ferrugento
como as cordas que ela tinha e quero mesmo fazer qualquer coisa quanto a isso.
-Mesmo, mesmo?
-Sim.
-E olha lá, pô-la em
cima de um palco?
-Pá, eu não a vendo
por nada deste mundo!
-Contigo a
acompanhar!
-Tás maluco! Acabei
de te dizer que não toco há 12 anos…
-Pormenores. Se te
aplicares, daqui a quinze dias estás razoável e daqui a um mês ou dois estás
onde estavas. Tu podes ter-te esquecido, mas os teus dedos não se esqueceram! É
só pôr óleo nas articulações. Eu e uns quantos gajos estamos a montar uma
banda, não é nada de sério, mais para fazermos uns ensaios, dar um concerto nas
redondezas, volta e meia, mas a verdade é que é mais para termos uma noite em
que fugimos às mulheres, bebemos uns copos, damos umas passas e brincamos um
bocado. Que é que dizes?
-Pá, não sei.
Deixa-me meter as cordas na guitarra e ver se ainda consigo fazer alguma coisa
sem me envergonhar muito…
-É justo.
Saíram do café,
voltaram para a loja.
-Então e o resto da
vidinha? O puto?
-O Puto já está
grande, pá, já tem 18 anos!
-Caneco… O tempo
passa a correr, ainda ontem parecia um terror a desarrumar-me a loja toda…
-Yá! Agora está a
estudar, em Londres, e vejo-o meia dúzia de vezes por ano quando cá vem!
-Mas está tudo bem?
-Quase tudo… -
respondeu, sentindo que uma ponta da tristeza que carregava consigo deve ter
transparecido. O amigo mudou de assunto de imediato.
-Então e não vais
querer mais nada? A escala da guitarra deve estar uma desgraça, não queres
nutri-la?
Acabou por sair da
loja com as cordas e produtos de limpeza para a guitarra. Assim que chegou a
casa limpo-a e realmente o Lucas tinha razão, a madeira da escala estava
sequíssima. Foi dando óleo, para nutrir a madeira, até a guitarra não absorver
mais, depois pôs as cordas, e a guitarra parecia vibrar.
Será que o seu velho
amplificador ainda funcionava?
Após algumas
movimentações na sua garagem, lá conseguiu chegar ao amplificador. Após tê-lo
limpo e aspirado exaustivamente, ligou-o a corrente, e ficou agradavelmente
surpreendido por ele ligar sem qualquer problema. Ligou a guitarra que parecia
ávida por gritar…
Dois dias depois
telefonou ao Lucas.
-Pá, aquilo da banda:
estavas a falar a sério?
-Sim, claro!
-E como é?
-Pá, temos ensaio
amanhã. Vou-te mandar a morada por mensagem de texto. Aparece por volta das
nove. E como és o Rookie trás cerveja
para cinco!
-Ok. Lá estarei.
Está no bom caminho :)
ResponderEliminarBom dia, sô Gil
Bom dia, D. Noname
EliminarEntão, ela entretém-se...
...ele também! LOL
Pois... :-)
EliminarMas, poderia enveredar pelo mesmo entretém dela, até como fuga.
Só na matemática é que somar dois negativos dá um positivo...
EliminarDe resto, como dizem os Amaricanos, dois errados não fazem um certo!
Gosto do caminho que ele escolheu.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Pois...
Eliminar...muita gente apenas diria que ele é um tanso... ;)
Abraço, Elvira
Nestas coisas não temos que achar nada, cada um sabe as linhas com se cose mas, se pedissem a minha opinião, seguindo a história desde o início, diria que: É um homem que viu para além do seu umbigo. Que prefere ter ao seu lado alguém por inteiro, a alguém dividido. Jogou forte, é um perde tudo ou ganha tudo. Vamos esperar para ver.
EliminarÀs vezes convém vermos para além do nosso próprio nariz... ;)
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