terça-feira, 18 de maio de 2021

Um casameno moderno - XIX

 

O fim de semana passou e com o fim voltaram as rotinas.

A dele, com bastante trabalho em atraso em relação aos prazos que tinha, fazia com que se levantasse antes dela e mergulhasse directamente no trabalho, deitando-se frequentemente já bem depois dela completamente exausto.

Ela, como sempre, saia de manhã, voltava ao fim da tarde e, embora estivessem os dois debaixo do mesmo tecto, à excepção do jantar, quase que não se viam, e mesmo assim ela notava perfeitamente que a cabeça dele não parava, ainda que estivesse longe do computador.

Claro que todos os eventos das suas vidas não ajudavam a que a concentração dele estivesse tão focada como de costume, mas ele queria mesmo tratar do trabalho o mais rápido possível, uma vez que no fim-de semana ainda teria mais dois concertos e o dia a seguir era sempre complicado para conseguir fazer alguma coisa do seu trabalho. Normalmente estava exausto! Já não tinha 20 anos e as noites perdidas já pesavam.

Ela sabia de tudo isto e tentava não o incomodar. Dava-lhe o espaço que ele precisava e, do mesmo modo acabava por ficar com espaço para si.

Mas, numa manhã, quando ela estava no trabalho, estava a olhar para um calendário, por causa de marcações de reuniões, quando se apercebeu de repente que andara tão envolvida com tudo que se tinha esquecido do aniversário dele, daí a duas semanas.

Nessa noite começou a pensar no que poderia fazer! O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi proporcionar-lhe uma noite inesquecível, mas depressa pôs a ideia de lado! Há um ano atrás teria sido a melhor das ideias, pelo que sabia agora. Daqui a um ano, talvez fosse a melhor das ideias. Nesta altura o mais provável era a ideia acabar em tragédia. Não era um bom caminho.

Depois de muito pensar lembrou-se de que o Lucas fazia parte da banda. Não que ela o conhecesse bem, tinha estado na loja dele duas ou três vezes a acompanhar o marido há muitos anos atrás. Será que a loja ainda existia?

Abriu o Google maps. Como é que a loja se chamava? Era incapaz de se lembrar, se é que alguma vez soube! Mas sabia onde era, foi ampliando o mapa até à vista de rua e, sim, lá estava ainda.

No dia seguinte, quando saiu do trabalho foi directamente lá. Encontrou uma jovem atrás do balcão que a interpelou de imediato:

-Boa tarde. Diga por favor!

-O Sr. Lucas está?

-Sim, está a dar uma aula, neste momento. Queria falar com ele?

-Sim. Ele estará muito demorado?

A rapariga olhou para o relógio.

-Cerca de uns 20 minutos!

-Tudo bem, eu espero!

-Eu entretanto vou lá dentro dizer-lhe que está aqui. Quem é que devo anunciar?

-Clara. O meu nome é Clara, mas ele não deve saber quem é. Diga-lhe que é a mulher do Marcelo.

A rapariga olhou para ela espantada.

-A senhora é que é a mulher do Marcelo?

-Sim!

-Muito prazer em conhecê-la. Eu sou a Patrícia, sou filha do Lucas.

-O prazer é meu, Patrícia. - Respondeu ela com um sorriso.

-Eu vou avisar o meu pai, pode ser que ele se despache… - disse a rapariga, sorrindo e piscando-lhe o olho!

-Obrigada!

Aguardou um pouco. Até que a rapariga voltou.

-O meu pai vem já.

E realmente não demorou. Lucas saiu do corredor da sala de aulas e olhou para ela com um ar meio espantado.

-Clara?

-Sim, sou eu. Já não se deve lembrar de mim…

-Tenho uma vaga recordação, sim! Desculpe estar espantado, mas o Marcelo é muito reservado e nestes meses pouco ou nada ouvi falar de si…

Isto doeu-lhe um pouco, mas era compreensível.

-Não tem importância. – Respondeu ela com um sorriso.

-Mas o que a traz aqui?

-Queria a sua ajuda, se fosse possível. O Marcelo faz anos para a semana, na quinta-feira. Sei que ele vai tocar convosco na sexta e queria fazer-lhe uma surpresa.

-Não é para fazer nenhuma festa surpresa ou assim, pois não? Não sei se ele ia ficar muito contente com isso…

-Não, não… É mais porque queria comprar-lhe uma prenda, mas algo que lhe fosse mesmo útil, e como ele anda a tocar consigo…

-Pode tratar-me por tu.

-Nesse caso, digo-lhe o mesmo!

-E qual é o orçamento que tens em mente?

-Não tenho! O que é que achas que lhe faria mesmo falta?

Lucas pensou um pouco.

-Bem, uma coisa seria realmente outra guitarra. Ele só tem aquela e caso haja algum azar, como já aconteceu, temos de parar o concerto, porque ele não tem outra. Se calhar seria a coisa mais útil…

-Então e que guitarra poderia ser?

-Bem, nós temos aqui uma grande variedade, mas se conheço bem o Marcelo, seria uma igual à que ele tem, uma Les Paul! Mas isso não é barato…

-E tem alguma?

Lucas sorriu!

-Bem tenho aqui uma há meses. Normalmente não temos material tão caro na loja, só mesmo por encomenda, mas esta guitarra veio para um cliente que depois não a quis e eu, já nem sei porquê, não a devolvi ao fornecedor! Eu vou busca-la.

Quando voltou trazia um estojo castanho, igual ao da guitarra de Marcelo. Abriu o estojo e tirou a guitarra de lá de dentro. A guitarra tinha a parte de trás e as laterais completamente pretas, mas um preto translucido que deixava ver os veios da madeira por baixo. Já a frente era orlada no mesmo preto, mas esbatia-se até dar lugar a um púrpura escuro e profundo que realçava os veios da madeira por baixo e dava uma dimensão quase holográfica ao mesmo. Os veios pareciam dançar conforme o angulo de luz que lhes batia. Todos os metais da guitarra eram dourados. Aparte de tudo, era um objecto lindíssimo.

-Esta guitarra é linda! – Disse ela espantada!

-E infelizmente cara! Mas, sendo para o Marcelo faço um desconto bom nela… - Disse o Lucas, piscando-lhe o olho.

-Nem precisas de me dizer mais nada. Fico com ela.

-Óptimo! É bom saber que ela vai para uma boa casa. Dá-me uns minutos para eu a pôr como ele gosta, mudar as cordas e afiná-la.

Entretanto Lucas deu instruções à filha para poder ir avançando com o pagamento.

Saiu da loja meia hora depois com a guitarra na mão e com uma surpresa preparada para o marido.

13 comentários:

  1. Agora será o caso para dizer: Dá-me música... que eu GOSTO!

    Bom dia, sô Gil

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    1. Se olhares bem para o resto dos posts, além destes desta história, verás que não tenho feito outra coisa!

      Bom dia, D. Noname

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    2. E pensarás tu que, eu não acompanho?

      eheheheh

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    3. Caso ainda não tenhas dado conta, eu não penso, portanto... ;)

      (toda a gente sabe que os Homens não pensam, agem! Para pensar estão cá as Mulheres que às vezes até pensam demais... ;) )

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    4. ... como diria o falecido Zé Leonel, dos Ex-Votos...

      ...vão doze, treze, catorze... as que der... ;)

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  2. Eu diria que o Gil descreveu a guitarra sonhada por si. Ou executada?. Lembro-me de que em tempos se dedicava não só a tocar mas a fazer as suas guitarras.
    Abraço e saúde

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    1. Por acaso, já depois de ter escrito isto, acabei uma quase assim... Purpura orlado em preto, mas só o tampo e as costas, deixando o resto em madeira natural!
      Mas esta é uma Guitarra que a Gibson fez como edição especial há uns anos e lembro-me de ter tocado com ela numa loj aqui de LX e ter saído da loja a pensar porque é que não tinha €5500 para estourar numa guitarra... É sem dúvida a guitarr mais bonita com que já toquei...

      Abraço Elvira

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  3. Está bonito, está, lol
    Acompanhando as peripécias e incidências desse casamento moderno.
    .
    Abraço fraterno.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  4. Como por aqui já está tudo dito e a prenda comprada, vou passar ao andar de cima a ver o que lá se passa.
    Até já. :)

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    1. E já descobriste?

      Bom dia, Juanita :)

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    2. (é por isto que detesto escrever no telemóvel...)

      Bom dia, JANITA! (assim está melhor... LOL)

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