Rob estava já acordado e desfrutava da sua torrada de pão Alentejano com manteiga, acompanhada por um sumo de laranja acabado de espremer quando lhe bateram à porta. Dirigiu-se à porta, ainda a mastigar e quando a abriu não ficou surpreendido de ver o Manuel à sua frente com algumas caixas de encomendas que ele esperava.
-Bom dia
-Bom dia, Rob. Eu sei que devia passar mais tarde, quando abrisses às dez, mas tenho uma volta grande e ter de andar para a frente e para trás dava-me cabo do dia…
-Sem problemas – agarrou nas caixas e assinou em como tinha recebido.
-Obrigado, Rob. – Disse o Manuel ao mesmo tempo que arrancava – Já me facilitaste a vida um bocadinho, que hoje vai ser longo.
A carrinha do Manuel arrancou e Rob fechava a porta quando viu o carro de Miranda a chegar e a parar em frente ao estabelecimento do Zé. Respirou fundo.
Voltou à cozinha onde se dedicou a acabar o seu pequeno-almoço perdido em pensamentos, não se apressando minimamente, antes pelo contrário. Depois foi-se vestir e, pontualmente às dez, como sempre, abriu a porta da loja, pendurou o sinal que indicava que estaria no estabelecimento ao lado e saiu de casa para is beber o café da manhã.
Assim que o Zé o viu a entrar só perguntou – Café? – Ao que Rob simplesmente anuiu. Antes de beber um café não era pessoa de grandes palavras.
Miranda estava sozinha numa mesa, a comer uma torrada de pão alentejano acompanhada de um café com leite. Assim que viu Rob todo o seu rosto se iluminou. Rob recolheu o seu café ao balcão e foi sentar-se junto dela, sem dizer uma única palavra, ainda com um ar de quem os neurónios não estavam a disparar as sinapses como deve de ser. Deu um golo no café, saboreou-o, respirou fundo e disse por fim:
-Bom dia.
-Bom dia. Ainda estás a acordar, pelos vistos.
-É. – respondeu ele, eloquente como costumava ser de manhã – Daqui a pouco a cafeína já começa a fazer efeito.
Ela sorriu e continuou a comer com deleite.
-A Cassandra? Não está contigo?
-O Tobias combinou com ela levá-la a ver um sítio qualquer… Nem sei bem, mas ela levantou-se às sete e ele veio busca-la. Ele está a ser impecável…
-É. Também reparei. E estranhei, se queres que te diga. Ele não costuma ser assim, muito menos com mulheres. Para te ser franco, até me preocupa.
-Não gostas de ver o teu amigo assim, mais feliz e bem-disposto?
-Gosto bastante, até. O problema vai ser quando acabar. Ele já passou por muita coisa e não gostava de o ver com o coração partido. Não te esqueças que são pessoas de dois mundos completamente diferentes e opostos. Vocês vão voltar para Nova-Iorque, mais dia menos dia, e isto vais ser uma recordação interessante, uma pausa nas vossas vidas atarefadas. Mas para o Tobias este tempo é capaz de ser bem mais do que isso.
Miranda percebeu a preocupação de Rob.
-Olha, eu sei que só conheces a Cassandra há pouco mais de um dia, mas ela é bem capaz de te surpreender pela positiva.
-Então?
-Bem, nos conhecíamo-nos de vista, ela mora no mesmo complexo de apartamentos onde nós… - e apercebendo-se da gafe, apressou-se a corrigir – onde eu moro, mas quando fiquei sozinha, ninguém apareceu. Os amigos que eu julgava chegados, as pessoas que eu esperava que me apoiassem… de repente parecia que toda a gente tinha desaparecido da minha vida. Um dia tocaram à porta e era a Cassandra, com um bolo feito por ela e a perguntar se eu não queria companhia para um chá. Foi assim que nos tornamos amigas. Dois anos depois, quando o marido dela morreu, aproximamo-nos ainda mais. Ela está muito bem na vida, o marido deixou-lhe um património imenso e ela já foi cortejada por metade dos solteiros maduros elegíveis em Nova-Iorque. Que eu saiba ela saiu com dois homens nestes 6 anos, e em ambos os casos a saída não passou de um jantar e uma peça na Broadway. Isto só para te dizer que ela não é a dondoca rica estereotípica.
-Ok. – Respondeu Rob pensativo. – Espero que tenhas razão.
-Se ela não estiver interessada no Tobias, nada vai passar de uma amizade. Se estiver, acredita, ela vai ser bem clara a cândida com ele e nada se vai passar sem ter sido bem falado e planeado. Ela já não é uma garota à procura de excitação. E apesar de muitos acharem que ela é apenas uma dondoca privilegiada, a verdade é que passou a vida quase como que prisioneira numa torre de marfim. Podia ter tido tudo, mas aquilo que também teve foi um marido ausente, que se matou a trabalhar simplesmente porque o trabalho era a sua vida. Viveu décadas em solidão e acredita que não é fácil. Sobretudo porque apesar dos pesares, ela nunca abdicou dos seus princípios nem procurou preencher a sua solidão fora dos laços matrimoniais.
-Se assim for, - disse Rob com um sorriso – fico bem mais descansado.
-Deixa-os divertirem-se – Disse Miranda rindo.
-Mas tu não foste com eles porque…?
-Não queria segurar a vela.
Rob olhou para ela, sabendo que a resposta era apenas parcialmente verdade, mas decidiu não insistir. Acabou de beber o café e agarrou no jornal, como sempre fazia, dando uma olhada pelas notícias enquanto ela acabava de comer. Quando ela acabou ficou simplesmente em silêncio a olhar para ele enquanto ele acabava de ler uma noticia que lhe tinha despertado o interesse, tendo ele dobrado o jornal em seguida e pousado.
-Gostas mesmo de ler o jornal, pelos vistos.
-Tornou-se um hábito. Quando aqui cheguei sabia duas palavras em Português, “obrigado” e “por favor”, embora tecnicamente a segunda sejam duas palavras, mas em inglês é só uma. Foi a ler o jornal e alguns romances que consegui aprender e tenho algum orgulho de em seis anos conseguir falar quase como um nativo e com um sotaque mínimo. Português é uma língua tramada. Parece que agarraram em todos os sons difíceis de pronunciar em todas as línguas e fizeram uma com tudo.
-Há quem diga que aprendendo Espanhol se torna mais fácil…
-Sim, mas isso é quem aprende Português com Brasileiros. A maneira como eles falam é mais aberta e fácil de apanhar. Às vezes custa-me a acreditar que em Portugal e no Brasil se fala a mesma língua. De qualquer maneira, fiz, e ainda continuo a fazer, um esforço enorme para me integrar. O aprender a ler Português correctamente foi uma enorme parte. Mas não creio que estejas aqui e tenhas deixado a tua amiga ir passear sozinha para discutires os meus hábitos de leitura, pois não?
Ela corou ligeiramente. Não esperava que ele fosse tão directo, se bem que, pensando bem, devia ter esperado. Talvez a surpresa tenha sido ele ser tão contido desde que ela tinha voltado. Atribuiu isso ao facto de ele, provavelmente, não querer fazer grandes alaridos com mais pessoas à volta.
-Não, de facto não. Podemos ter a tal conversa?
-Depende…
-De…?
-Bem, se eu bem percebi, queres a minha perspectiva em algumas coisas. Para eu te dar uma perspectiva, tenho de ter informação, que tu nunca me deste porque assumiste que eu a tinha. Diz-me, ainda acreditas que eu sou o teu marido?
Ela pensou um pouco. Percebeu ali que tinha duas hipóteses. Ou seria honesta e talvez chegasse a algum lado, ou provavelmente a conversa não chegaria longe.
-Acredito! Mas se já tive cem por cento de certeza, agora já nem tanto. Mas tenho quase a certeza que, se não és, estás de alguma maneira ligado a ele.
-E o que é que te dá essa certeza?
-Uma conta nas ilhas Caimão que transfere uma quantia mensalmente para a tua conta.
Rob não pareceu surpreso por ela saber este pormenor.
-Deves ter pago uma pipa de massa para chegar a essa informação. E nem me atrevo a perguntar como lá chegaste.
-Sou-te franca, também não sei. A agência de investigação que contratei tem os seus métodos. Mas sim, custou uma pipa de massa.
-E valeu a pena o investimento?
-Ainda não sei… - disse ela com um sorriso – Por um lado, sim. Afinal estou aqui, e estranhamente está-me a saber pela vida estar aqui, longe de tudo. Se calhar, só mesmo por isso, sim, já valeu. Tudo o resto que venha já é ganho.
Rob acenou com a cabeça, assentindo. Depois virou-se para o Zé.
-Zé, se aparecer por aí alguém para a loja…
O Zé riu-se.
-No caso dessa improbabilidade acontecer eu trato do assunto, não te preocupes. Vai lá…
-Olha lá, achas que podes fazer uma carne de porco à alentejana para o Jantar?
-Não vens almoçar?
-Não sei. Sou capaz de estar ocupado. – Respondeu Rob apontando para Miranda. O Zé sorriu.
-Tudo bem, vai lá, não te preocupes.
-Olha, dás um toque ao Tobias e dizes-lhe que o jantar é aqui e é para os quatro? E fazemos as contas mais logo?
-Pá, já estas a dar demasiado trabalho. Vai-te lá embora antes que me peças ainda mais tretas.
Rob tirou a chave da porta da sua loja do bolso e entregou-a ao amigo.
-Obrigadão. – Disse ele, virando-se em seguida para Miranda e fazendo-lhe sinal para seguirem. Ela acenou ao Zé e saíram os dois.
Vamos lá ver se é desta vez que a história de ser ou não serem casados fica esclarecida.
ResponderEliminarAinda que possas não acreditar estou genuinamente interessada nesta história.
Como é possível isso da senhora pôr tanta certeza em que Rob é o seu marido mesmo depois dele lhe garantir o contrário? Um caso de amnésia?
O simples facto de estares a ler e comentar mostra que tens interesse. Porque é que eu duvidaria. Seria muito estranho continuares a ler isto tudo e não te interessar... ;)
EliminarQuanto às perguntas que vais fazendo, não respondo porque as respostas estão mais para a frente... ;)
Um enorme abraço agradecido :)