Entraram no estabelecimento do Zé e elas estavam já sentadas a conversar animadamente de lados opostos de uma mesa quadrada posta para quatro pessoas. Rob olhou com um ar intrigado para o Zé que se limitou a responder antes que ele perguntasse:
-Presumi que viesses cá jantar e adiantei-me. É bacalhau com batatas para quatro e até pus ovos e couve Portuguesa, como tu gostas?
-E se não me apetecer isso?
-Vais comer a casa.
Sem dúvida, o mundo parecia querer testar a sua paciência cada vez que a gringa aparecia. E agora, ainda por cima, era em dose dupla. De repente apanhou-se a si próprio e sorriu com a ironia. Tratava-a por gringa, como se não fosse ele também um gringo.
Dirigiu-se à casa de banho onde se refrescou, e depois sentou-se na mesa, no único lugar vago onde o Tobias, apesar de recém-chegado parecia já ter sido absorvido pela conversa delas. Ele limitou-se a cumprimenta-las, e deixou a conversa fluir mantendo-se em silêncio.
Tobias falava-lhes de sítios e terras à volta onde tinham de ir, sempre acompanhado de uma história que dava contexto, quer fosse algo histórico acerca do local, quer fossem lendas.
Foram entretanto interrompidos pelo Zé, que trazia a travessa cheia com batatas, couves, quatro postas de bacalhau e quatro ovos cozidos. Cassandra tentou imitar o que via Miranda fazer, que esta por sua vez tinha visto Rob fazer, para se livrar das espinhas e pele do peixe, serviram-se do resto e depois Miranda disse a Cassandra o que fazer, tendo esta provado o prato e depois agarrado num pedaço de pão que molhou no azeite e deleitou-se.
-É realmente tão bom como disseste. – Disse Cassandra a Miranda.
-Esperem até o Zé vos fazer uma carne de porco à Alentejana. Se acham isto bom… Acreditem, é só uma entrada. – Disse o Tobias.
-Sabes que uma afirmação dessas eleva muito as expectativas. Está a colocar a barra num sítio alto. – Disse Cassandra.
-Eu sei onde a estou a colocar. E não te preocupes, não te ia enganar. Depois ainda tinha de me casar contigo…
-Desculpa? – Perguntaram ambas as mulheres quase em uníssono.
Tobias riu.
-É um dito antigo. Sabem, antigamente quando um rapaz conseguia chegar a vias de facto com uma rapariga antes do casamento, dizia-se que o rapaz a tinha enganado. Claro que, a não ser que o rapaz fugisse, acabava por ter de se casar com a rapariga como castigo. Dai dizermos a alguém que não o enganávamos, senão ainda tínhamos de casar com essa pessoa, como castigo.
-Isso quer dizer que se me enganares, o teu castigo é casares comigo? – Perguntou Cassandra num tom atrevido. Tobias corou mais que um pimento vermelho.
-Bem,… Quer dizer,…
-Deixa estar, já percebi que não ias querer um castigo tão grande…
E todos se riram, até o Zé, que os olhava de trás do balcão com um copo de aguardente velha caseira na mão.
O jantar foi passando em animada cavaqueira, sobretudo entra Cassandra e Tobias, embora Miranda estivesse atenta e fosse e interviesse frequentemente. Já Rob parecia estar simplesmente absorto no ambiente, ou nos seus próprios pensamentos. Olhava para Miranda e pensava no que Tobias tinha dito à tarde. Ele tinha razão: Mas saber o que fazer e como fazer são duas coisas completamente diferentes… Além disso, ela é que tinha vindo aqui à procura de algo. Mas tudo na vida tem um preço. A questão é se ela algum dia estaria disposta a pagá-lo.
Acabaram a refeição, sempre com o Tobias a tomar conta da conversa com boa disposição. Ele estranhava o amigo, que normalmente não se portava assim, mas olhando para Cassandra, não era difícil perceber. Ela acabaria por se ir embora e provavelmente esquecer-se deste pedaço abandonado de mundo assim que chegasse à “Grande Maçã”, e ele por cá continuaria. Ela já conhecia bem o quanto as coisas na vida são transitórias, e o facto de não haver expectativas de lado nenhum em relação ao futuro era, sem dúvida apelativo para ele. Afinal, não era difícil de perceber que ele não se tinha ligado a ninguém porque a morte da mulher tinha tido um impacto demasiado grande. E de qualquer forma, na idade que tinha, as potenciais relações que teria nesta terra teriam de ser logo levadas a sério, sob pena de ele começar a ser visto com desconfiança. Não sabendo ele sequer se queria ter alguém ao seu lado, era complicado tentar ter alguma relação neste clima, e assim, ele preferia simplesmente não ter.
Mas Cassandra não era daqui. Não havia espectativas. Fosse o que fosse que acontecesse, e independentemente do tempo que elas levariam para ir embora ou da natureza da relação, fosse uma simples amizade ou algo mais, era implícito que seria somente a prazo.
-Rob, ouviste o que eu disse? – Perguntou de repente o Tobias despertando-o dos seus pensamentos.
-Não, desculpa, estava distraído…
Tobias olhou para ele com o sobrolho levantado, mas não fez nenhum comentário.
-Estava a dizer que, uma vez que só ia aproveitar as férias deste ano para ficar por aqui a bezerrar, acho que vou falar com o patrão e ver se as consigo tirar agora, e assim sempre posso mostrar a região às nossas amigas…
-Fazes bem. Pelo menos andas entretido e elas não se aborrecem de morte.
-E tu também podias fazer companhia.
Ambas olharam pare ele com um ar esperançado, sobretudo Miranda, mas Rob limitou-se a responder:
-Sabes bem que tenho a loja…
A esperança que estava espelhada nos olhos de Miranda foi substituída por uma súbita tristeza, que não passou despercebida a Cassandra.
Não só o Tobias se riu à gargalhada, mas nem o Zé não se conseguiu conter à distância.
-Sim, o que será da região… Afinal todos sabemos as filas enormes que costumam estar aqui à porta para comprar cordas… Ou tens medo que o Zé fique solitário se não estiveres por aqui?
Rob limitou-se a encolher os ombros.
-Pá, ó Tobias,… - gritou o Zé lá do fundo - …queres pôr-me na falência? O que é que eu faço sem o meu melhor e na maior parte do tempo único cliente?
Rob corou enquanto Tobias explicava a ambas o que se estava a passar, para elas se rirem também.
O jantar acabou e a conversa continuou, liderada por Tobias, que falava daquela terra e dos costumes, estando elas atentas e curiosas e Rob atento, mas sem intervir, até porque o assunto, não lhe sendo alheio, tinha para ele uma perspectiva diferente, uma vez que já ali vivia.
-Por falar nisso, podíamos ir a Vergalhos de cima. A colectividade tem lá cante Alentejano hoje. Foi o Quim que me disse, ele faz parte lá daquilo. Era giro para elas… Que é que achas, Rob? – Perguntou Tobias, quase o sobressaltando.
-Bem, por mim… Depende delas e do Jet-lag…
Elas olharam uma para a outra, e respondeu Miranda pelas duas:
-Nós estamos bem. Aliás estamos sem sono nenhum, passamos o dia quase todo a dormir…
-Sim, mas convém habituarem o corpo a outro ritmo, senão vão passar os dias a dormir.
-Também aquilo não acaba tarde, que aquele pessoal tem de ir trabalhar amanhã. – Afirmou o Tobias. – Vamos então?
Fizeram as contas com o Zé, com ambas a insistir ficarem com a conta e acabando por levar a delas avante, apesar dos protestos, com ajuda do Zé.
Depois, ao saírem, Miranda adiantou-se, tirou a chave do seu carro da carteira e afirmou sem deixar espaço a discussão.
-Vamos no meu carro. É o mais confortável e escusamos de levar mais carros – e entregou a chave a Rob – Sabes o caminho, não sabes?
-Sei.
-Leva tu o carro. É mais prático.
-Mas…
-Eu já te vi conduzir. – Limitou-se ela a dizer com um sorriso – Confio em ti. Além disso o carro é alugado…
Rob sentou-se ao volante, viu o encaixe da chave que rodou, ficou a olhar para as miríades de luzes e ecrãs digitais e sabia ele lá mais o quê.
-Já não estou habituado a isto.
-Estás a ficar mais velho que eu. – Disse o Tobias do banco de trás.
Viu que o carro era automático, engrenou-o, carregou suavemente no acelerador a arrancou.
Percorreram estradas estreitas, sobretudo para o carro em que seguiam, atravessando vinhas e olivais. Quando chegaram ao cimo de um monte Rob parou de repente o carro, para surpresa dos restantes e disse com um sorriso:
-Saiam.
-Algum problema? - Perguntou Miranda, ao seu lado, admirada.
-Não. – Respondeu Rob – Só quero que vejam uma coisa.
Saíram todos do carro e olharam em volta. Viam-se quilómetros com luzes pontilhadas na paisagem com alguns sítios com uma maior concentração, onde estava alguma pequena povoação. Tobias apontou para um desses pequenos aglomerados.
-É para ali que vamos.
Elas olhavam em volta admiradas.
-Que paisagem espectacular, assim à noite. Nunca pensei… Obrigada, Rob. – disse Cassandra.
-Não era isto que vos queria mostrar.
-Então? – Perguntou Miranda.
Ele limitou-se a apontar para cima. Elas acompanharam o gesto com o olhar e ficaram deslumbradas com toda a glória de um estrelado céu nocturno sem interferência de poluição luminosa. Cassandra não se conteve e soltou um – Wow! – e Rob riu-se.
-O pessoal de Nova-Iorque tende a esquecer-se que isto existe acima das suas cabeças.
Elas ficaram mais um pouco absorvidas pela beleza, mais ainda quando viram estrelas cadentes. Depois entraram de novo no carro e fizeram o curto percurso até ao destino.
Quando entraram na colectividade, sentaram-se a uma mesa e pediram bebidas e estavam ainda a ser servidos quando se fez silêncio e o espectáculo começou. Elas ficaram maravilhadas a ouvir aqueles cantos tradicionais, embora não percebessem uma palavra do que era dito.
A certa altura, quando Rob ia para pegar no seu copo, roçou com a sua mão na de Miranda, o que a sobressaltou pelo toque inesperado, e ela olhou para ele, enquanto ele desenhava um “desculpa” com os lábios para não fazer barulho, ao que ela respondeu dando-lhe um pequeno aperto na mão e ele não pode deixar de reparar no brilho que bailava nos olhos e sorriso dela.
Esse Céu polvilhado de pontinhos luminosos reavivou-me a saudade da minha infância. Nas noites de estuio alentejanas trepava para uma das minha romãzeiras e ficava a observar durante muito tempo à espera de ver uma estrela cadente. O que chegou a acontecer.
ResponderEliminarVoltando à história que vai muito bonita, vou continuar a ler... :)
Eu não disse? Já cá está uma ; é estio...:)))
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