terça-feira, 24 de setembro de 2024

Renascimento (XIII de XL)



Assim que acabou a última música do último encore, e ao contrario de todos os outros, que siaram de imediato do palco, Rob ignorou o suor e o cansaço, deu dois goles numa cerveja que lhe tinham trazido, arrumou de imediato a guitarra, que limpou meticulosamente, demorando o seu tempo, se calhar mesmo mais que o necessário. Depois começou a arrumar os seus cabos e deixá-los prontos para transportar.

Isto era parte natural da sua rotina, quando davam concertos, mas hoje era também uma maneira de evitar sair do palco. Francamente, não sabia o que devia fazer. Sabia o que queria, colocar tudo no seu carro, arrancar direito a casa e ir dormir. Amanhã seria outro dia.

Mas entre o querer e o dever há uma enorme diferença.

Acabou a cerveja, tirou a t-shirt, limpou o suor do corpo e da cara com uma toalha que colocou dentro de um saco, junto com a t-shirt suja, vestiu uma lavada, sentindo-se de imediato um pouco melhor, se bem que um duche seria o que calhava mesmo bem, e já antecipava um, logo que chegasse a casa.

Agarrou no estojo da guitarra e finalmente desceu do palco.

Como esperava, estava toda a gente sentada num par de mesas corridas na barraquinha do Vasco, o Pessoal da banda, respectivas famílias, o Tobias sentado ao lado da mulher que tinha vindo com Miranda e aparentemente com alguma conversa interessante entre os dois, a própria Miranda e Zé, que assim que o viu se levantou do lado dela fazendo-lhe sinal para se sentar.

“Bem…” pensou resignado. O Zé ainda lhe perguntou:

-Queres alguma coisa?

-Água. – respondeu – muita água.

E sentou-se na ponta do banco corrido, tirou dois pedaços de pano do bolso que colocou no chão e na esquina da mesa onde depois encostou o estojo da guitarra. Entretanto o Zé trouxe-lhe uma garrafa de litro e meio de água, que ele abriu e de onde bebeu avidamente. Tinha mesmo sede.

Ao longo disto tudo tinha plena consciência dos olhos de Miranda pregados em si, embora ainda nem se tivesse virado para ela.

Por fim, pousou a garrafa de água na mesa, respirou fundo, voltou-se para ela e disse simplesmente:

-Obrigado!

Miranda sorriu.

-Pois, deu para perceber que recebeste a encomenda que te mandei.

-Como vês… Não estava à espera que estivesses presente na primeira vez que subi com ela a um palco.

-Mera coincidência. Chegamos hoje, ao fim da tarde, o Zé explicou-nos mais ou menos o que se passava, – e Rob imaginou o Zé a fazer figurinhas para não dar a perceber que as percebia perfeitamente e não conteve um sorriso – trouxe-nos aqui, e cá estamos.

-Quem é a tua amiga?

Miranda lembrou-se de repente de Cassandra. Estava tão absorta nele… Virou-se para a amiga e tocou-lhe no ombro, interrompendo a conversa desta com Tobias. Rob olhou de relance para ele, que tinha estampado no rosto um sorriso de um gato que lambeu leite-creme.

-Cassandra, desculpa interromper, – disse Miranda quando ela se voltou – este é o Rob.

Cassandra olhou para ele com um genuíno sorriso luminoso.

-Estou encantada por finalmente te conhecer. Tenho ouvido falar muito de ti nos últimos tempos.

-Cassandra… - disse ele num tom de voz algo vago, mas recompondo-se logo em seguida mostrando-lhe um sorriso luminoso que contrastava com a maneira como Miranda tanto o descrevera – É um gosto – disse ele, apertando-lhe a mão.

Cassandra sorriu, e sendo perspicaz, voltou de novo a sua atenção para Tobias. Rob disse novamente a Miranda:

-Mas, voltando atrás, obrigado. Não sei porque mandaste esta guitarra, mas… Nem sei o que te dizer.

-Não digas nada. Eu sei que tu saberias o que era. – E de repente ocorreu-lhe uma ideia preocupante – Espero que não penses que há alguma condição agarrada a este “empréstimo”.

-Não, não julgo. – Disse ele como se compreendesse mais do que deixava ver. – Não está a ficar tarde para voltarem para o Hotel?

Miranda sorriu.

-Não. Conseguimos alugar uma casa de turismo rural que fica perto da povoação.

-Gostaste mesmo do sítio, pelos vistos.

-A comida também ajuda. – respondeu ela – Mas é mais pela companhia.

Ele recordou rapidamente todas as interacções que tinham tido, franziu o sobrolho e perguntou:

-Porquê?

-Porque eu preciso de ajuda. E acho que só tu é que me podes ajudar.

Rob ficou com o olhar fixo nela, sem responder.

Entretanto acabaram por ser absorvidos pelas conversas do resto da mesa, que não durou muito mais tempo, uma vez que ainda tinham e arrumar o palco e transportar os instrumentos para o barracão, antes de irem para casa.


1 comentário:

  1. Nada como recomeçar a leitura no ponto em que se deixou, como se de um livro se tratasse e onde o marcador nos diz onde recomeçar. Há algo de extremamente cativante da personalidade de Rob. Senti uma simpatia inexplicável pela Cassandra, algo que não senti pela Miranda, pareceu-me menos possessiva. :)
    Agora, seguirei para o próximo capítulo. Gosto deste grupo de amigos!! ;)

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