quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Renascimento (IX de XL)



Tinham passado três semanas, tendo o mundo voltado a girar como era costume por aqueles lados. 

A carrinha dos correios parou à porta do Zé, tendo o condutor e único ocupante saído e entrado no estabelecimento.

-Bom dia gentes. – disse com um ar alegre quando entrou.

-Olha o Manuel. – Disse o Zé – Queres beber alguma coisa fresca?

-Só se for uma gasosa, que estou de serviço. O Rob?

O Zé apontou para um canto da sala onde o Rob pousava já o jornal.

-Viva Manuel. – Cumprimentou o Rob. – Tens alguma coisa para mim?

-Tenho uma encomenda. Pelo tamanho deve ser uma guitarra.

-Estranho… Não tenho nada encomendado!

-Eu vou buscar. – respondeu o Manuel saindo e dirigindo-se à traseira do carro de onde tirou uma caixa de cartão embrulhada em celofane que trouxe de volta e entregou a Rob, junto com um papel.

-Preciso da tua assinatura aí em baixo.

Rob assinou o papel e ficou a olhar para a caixa, que não tinha qualquer marca, o que era invulgar, no mínimo. Normalmente as embalagens vinham sempre com as marcas das guitarras que vinham lá dentro.

-Tens aí um canivete para abrir isto? Perguntou Rob ao Zé, que trouxe a gasosa para o Manuel e uma pequena navalha para o Rob.

Rob pousou a caixa em cima de uma mesa e cortou o celofane. Depois abriu o topo da caixa e retirou mais papeis e plásticos usados para proteger melhor o interior. Conseguiu depois retirar uma caixa que parecia em fibra de vidro ou carbono. O que quer que fosse que vinha lá dentro, vinha bem protegido. Rob puxou a caixa para fora do cartão e reparou que vinha um envelope fechado colado à caixa. Não conseguindo descolar o envelope, abriu-o e retirou o conteúdo, esperando uma factura de compra, mas em vez disso encontrou uma carta escrita à mão.

“Rob,

Espero que te encontres bem.

Ainda não tive oportunidade de voltar, embora esteja a fazer tudo para o poder fazer em breve e com algum tempo.

Mas entretanto resolvi mandar-te algo que tem muito significado para mim, e que tinha ainda mais para o meu marido. Conforme podes calcular, é uma guitarra. Esta guitarra não é uma prenda. É antes um empréstimo até que possa voltar às mãos do verdadeiro dono. Está há oito anos sem ser tocada por ninguém, embora tenha sido rigorosamente mantida e tratada, mas acho que merece ser tocada e eu sei que saberás o que é e como a tratar.

Tem estado sob minha custódia à espera do dono, embora tenha havido pressões e insistências para a emprestar a alguns famosos ou até mesmo vender. Mas em nenhuma situação achei que era certo. No entanto, acho que é certo passar para a tua custódia, pelo menos até o dono aparecer para a reclamar.

Espero que a aprecies. Vemo-nos em breve.


Com Amizade,


Miranda”

Acabou de ler a carta e sentou-se. Olhando para a caixa quase receoso.

-Então? – perguntou o Zé.

-É uma guitarra. – respondeu o Rob. No entanto, Zé reparou que havia qualquer coisa no olhar de dele que parecia estranho.

-Só isso?

Rob limitou-se a acenar com a cabeça. Como se tivesse medo do que poderia sair da caixa, começou a abrir os fechos. Quando finalmente abriu a caixa encontraram um estojo castanho, com inúmeras marcas de uso, extremamente bem acondicionado. Aquela caixa exterior parecia ter sido feita de propósito para proteger aquele conteúdo específico. Abriu a tampa do estojo e ficou a olhar para a guitarra que tinha à sua frente.

-Tanta coisa e afinal é só uma guitarra velha. – Riu-se o Manuel, enquanto acabava a gasosa. – Bem, vou andando, que ainda tenho muito que andar.

-Mais logo vais ao arraial? –perguntou-lhe o Zé, enquanto ele saia.

-Então mas eu lá deixaria de ir… Até logo. – E enfiou-se no carro, partindo em velocidade.

Zé chegou-se de novo ao pé de Rob e ficou a olhar para a guitarra junto com ele. Nunca vira tal reacção em Rob, muito menos por causa de um instrumento.

A guitarra, tal como o Manuel tinha dito, era apenas uma guitarra velha, cheia de marcas. Em alguns sítios o acabamento tinha desaparecido, vendo-se claramente a madeira. Mas apesar do aspecto velho, à primeira vista, um olhar mais atento revelava que todas as partes importantes da guitarra estavam bem cuidadas. 

Rob afagou o corpo da guitarra ao de leve, passando depois um dedo pelas cordas e ouvindo o som acústico dela. Depois fechou o estojo e a caixa à volta do estojo.

-Passa-se alguma coisa, Rob? – perguntou o Zé, preocupado com o ar do amigo.

-Não, nada de especial. Só estou um bocado chocado.

-Porquê?

-Foi a Miranda que mandou isto.

-A Finória? Ofereceu-te uma guitarra velha?

-Não, só emprestou.

-Mandou-te uma guitarra velha e mesmo assim é só emprestada? Realmente… - disse o Zé abanando a cabeça.

-É uma Les Paul de cinquenta e nove. Vale à volta de três milhões de Euros!

O Zé ficou estático de repente, olhando para a caixa fechada com os olhos muito abertos enquanto tentava formar um pensamento coerente depois de lhe ter sido dito que um pedaço de madeira com quase setenta anos podia valer tanto dinheiro.

-Se calhar é melhor refazeres o seguro da tua loja… - Acabou por dizer.

Finalmente, este comentário fez Rob sair dos seus pensamentos e desatou a rir.

-Ainda bem que me lembraste disso…


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