Tentava degustar o seu vinho rosé no terraço da sua cobertura de Manhattan, que trouxera de Portugal, apreciando-o pelo que era e percebendo o porquê de um dos mais cruéis ditadores dos tempos modernos tanto o apreciar, tendo os seus pensamentos interrompidos pêlos algo incómodos sons da festa que decorria no piso abaixo. Por vezes era incómodo ser vizinha de famosos.
Tinha sido convidada como sempre o era. Raramente ia, e quando ia, sozinha, havia sempre alguém que lhe queria apresentar a alguém… Não tinha paciência.
O seu corpo estava parado e os seus sentimentos congelados há oito anos. Aquilo que ele tinha feito tinha reverberado por todos os recantos e fibras do seu ser. Ela jamais acreditara que ele podia simplesmente um dia desaparecer, deixar tudo para trás, deixá-la a ela para trás.
Lembrava-se do dia em que lhe parecia que tudo começara, depois de ele ter resolvido que gravaria o seu próximo álbum sozinho, e que a sentou a ouvir a sua criação. Depois de álbuns que venderam platina, com tours a envolverem batalhões de gente, produções colossais, aquilo que saiu das colunas, a sua criação sem a interferência, foi aquilo que ele sempre quisera fazer. E era forte. Era fora de tudo que o fazia conhecido. Talvez genial até. A desfazer convenções. Arriscado. Talvez, demasiado arriscado.
-Tens a certeza que é isto que queres fazer? – Foi aquilo que ela lhe tinha dito antes de tudo, e há a lembrança de uma pequena centelha que brilhava, não só no olhar mas também no sorriso, que se extinguiu. O encolher de ombros que se seguiu devia ter sido premonitório. Disse-lhe que sim, que gostava bastante, mas…
E depois as músicas foram mandadas para a editora, que exigiu que os projectos fossem entregues a um produtor. E o que veio de volta era limpo, lindo mas previsível, seguro…
E o sorriso apagou-se de vez. A recusa de marcar datas para novos concertos, a deliberada escusa em responder a perguntas acerca do último álbum, a pressão de todo o lado…
…o dia em que, de repente deixou de estar, sem uma palavra, sem um contacto. Os dias que se tornaram semanas, as semanas meses, o medo, a ansiedade, a resignação… Mas nunca a aceitação. Ele tinha de saber que ela faria tudo por ele. Abandonaria tudo isto como ele fez, se isso significasse estar com ele. Faria tudo por ele, como sempre tinha feito. Absolutamente tudo.
Ele sabia isso. Ela demonstrava-lho por actos e palavras, como sempre o fizera, antes do sucesso. O porquê de ele a ter deixado para trás, embora sem a certeza, fazia com que a culpa que ela sentia fosse uma pedra que arrastava consigo.
Ela tinha de o encontrar. Tê-lo-ia já encontrado?
Reviu os acontecimentos daqueles encontros.
Estariam as equipes de investigação pagas a peso de ouro enganadas em relação a Rob?
Em primeiro lugar estava o facto de haver algumas parecenças, eram da mesma altura, mesmo tom de cabelo. As diferenças no corpo podiam atribuir-se a 8 anos de um outro estilo de vida. Já o rosto, completamente diferente! Mas tinham-lhe explicado que, se ele queria desaparecer, e depois de ter sido identificado em alguns locais do mundo, não seria difícil encontrar algum cirurgião plástico sem escrúpulos na Asia ou América do Sul que o tornasse irreconhecível. No entanto e estrutura do rosto parecia algo idêntica e os olhos…
Os olhos dele confundiam-na!
Ele não deu qualquer indício de a conhecer. Foi rude, mal-educado, gozou com ela, repreendeu-a como se fosse uma criança, não teve um pingo de cortesia, considerou-a sempre um empecilho à sua paz de espirito. Ela devia odiá-lo, mas…
Todos à sua volta pareciam respeitá-lo. Parecia respeitar todos à sua volta. Não lhe negou ajuda quando ela precisou. Parecia de alguma maneira relacionar-se com a história de alguém que resolve deixar tudo para trás. Segundo ele próprio, na mesma altura e em circunstâncias com imensos paralelos ao que ela vivera. E a expressão dele quando ela chegou ao fundo das escadas de sua casa…
Se era ele, o que quereria dela para se afirmar? O que seria preciso para ele reconhecer a verdade? Será que queria alguma coisa dela? Será que a atura apenas por curiosidade?
Se não é… Poderá ajudá-la a entender?
Os seus pensamentos foram interrompidos pela sua assistente, Patrícia, que abria a porta do terraço facilitando a passagem à sua amiga, Cassandra. Pousou de imediato o copo e levantou-se abraçando a amiga que já não via desde antes da sua viagem.
-Então? Encontraste-o? – Perguntou a amiga curiosa.
-Não sei.
-Como não sabes? Viste-o? Estiveste com ele?
-Vi e estive com a pessoa que foi indicada. Não foi difícil encontra-lo. Ele não fugiu quando me viu. Apenas pareceu aborrecido, mas não sei se comigo ou com a maneira como eu apareci e me apresentei.
-Mas o que é que ele fez quando te viu?
-Nada. Eu chamei-o pelo nome, mas ele disse que não conhecia nenhum MaCallum e perguntou ao dono do café se conhecia, ao que ele também respondeu que não.
-Mas não te disse mais nada? Não te reconheceu?
-Nada. Nenhuma reacção a não ser parecer estar aborrecido por eu lhe quebrar a rotina. Se queres que te diga foi uma experiencia estranha e algo surreal. Acabei por dormir uma noite em casa dele.
A amiga ficou surpresa com esta afirmação.
-Tinhas assim tanta certeza de que era ele ou finalmente…
-Não. – Apressou-se Miranda a corrigir o equívoco - Nada disso. – E contou-lhe o que se tinha passado.
Cassandra ficou pensativa por algum tempo.
-Como é que é possível?
-Não sei. O mais estranho foi o olhar dele quando eu desci as escadas de casa dele, de manhã…
-Querida, sabes bem que qualquer macho de sangue quente – e algumas fêmeas também, diga-se…
-Não, foi diferente disso. Não foi um olhar de desejo, foi como se olhasse para mim e estivesse algures no passado…
Cassandra olhou para ela e sorriu.
-Quer seja ele ou não, esse Rob teve impacto em ti…
-Sim. Mais do que eu queria admitir.
-E o que vais fazer agora?
-Agora? Não sei. Sei que quero falar com este Rob outra vez. Voltei porque fiquem mesmo com muitas duvidas e quero confrontar as agencias que me deram a informação e tentar perceber o porquê de eles a considerarem absolutamente fidedigna. Depois disso, bem… vou voltar e falar com ele. Acho que de qualquer das maneiras talvez eu encontre algo…
Sentaram-se as duas quando Patrícia, a assistente de Miranda, entrou trazendo outro flute para Cassandra. Miranda encheu a flute que Cassandra ergueu.
-Prova. – Instigou-a Miranda.
Ela assim fez e ficou deliciada.
-É um vinho lá de Portugal. Não é da região onde estive, mas o que achas?
-Delicioso! Por falar nisso, como é que é o sitio onde ele está?
-É difícil de descrever. Tem muita planície, mas não é desértico e até as árvores são estranhas. Há muitas vinhas com oliveiras e sobreiros espalhados. Vêem-se rebanhos de ovelhas e pastores atrás delas pêlos campos. Acredita, não podes encontrar um contraste mais absoluto. A Terra onde ele vive tem meia dúzia de casas, está rodeada de vinhas e florestas.
Cassandra pensou um pouco.
-Quando é que tencionas ir lá?
-Assim que for possível.
-E por quanto tempo?
-Não sei. O que achar necessário.
Cassandra sorriu.
-Queres companhia? – perguntou, como quem sabe a resposta que Miranda não poderia negar.
Agora senti-me um pouco perdida.
ResponderEliminarTalvez ao ler os primeiros capítulos, de rajada, não me tenha detido nos nomes das personagens femininas.
Alguma destas jovens é a que no capítulo anterior saiu de casa do Rob - ex-marido, creio, de T-shirt tamanho XXXL ?
Vou ler até ao final, como é evidente.
Bom fim de semana, Gil! :)
Sim, a Miranda. As outras entraram agora na história
EliminarBom FDS :)