sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Chuva XVII

 

O que é certo é que o dia seguinte foi realmente diferente.

Onde quer que eu estivesse as pessoas olhavam para mim, com curiosidade, apontavam, sorriam, cochichavam umas com as outras…

Senti-me uma aberração, a curiosidade do dia. A minha invisibilidade fora-se. Isto queria dizer que tinha de me controlar ainda mais.

Na paragem de autocarro, então, naquela onde tinha passado as mensagens à D. Ana, foi demais. As pessoas olhavam para mim e falavam de mim como se eu não estivesse lá. Houve até um atrevido que veio ter comigo e perguntou na lata “Foi o senhor que encontrou aquele miúdo ontem, não foi?”. Respondi afirmativamente com um aceno de cabeça. O homem fez questão de me cumprimentar, efusivamente. Acho que não tanto por uma questão de gratidão pelo que eu tinha feito, uma vez que ele não tinha qualquer razão para isso, mas para ser ele próprio notado pelos outros.

“Como é que o Senhor se chama, mesmo?”

“Gabriel.” Respondi eu timidamente.

O facto de um ter perdido a timidez fez com que a maior parte das pessoas que estava à minha volta viessem ter comigo e me quisessem cumprimentar também. Senti-me tão…

…mal. Mesmo mal. Houve um instante em que estive prestes a explodir. O tal momento de pressão em revelamos a nossa verdadeira natureza.

“O que é que lhe foi revelado?”, “Como?”, “Porquê?”, “Por quem?”.

Felizmente, nesse instante fui salvo pela campainha, que é como quem diz, pelo facto de o autocarro ter chegado e a azáfama do dia-a-dia ter substituído a curiosidade das pessoas. Valeu-me também o facto de a viagem ser curta.

A minha viagem para o trabalho, naquela manhã, foi uma lição. A minha máscara teria de lidar com tudo isto sem demonstrar o que eu sentia na realidade. Se alguma vez o demonstrasse, ou aparentasse um comportamento demasiado fora do padrão, esta admiração de hoje, que eu não queria nem desejava, tornar-se-ia num ódio de iguais proporções.

Mas o pior mesmo foi quando o segurança do edifício me telefonou logo a seguir ao almoço a avisar que estava um aglomerado de jornalistas à porta a querer falar comigo.

Receoso de qualquer atitude que pudesse tomar resolvi adoptar a estratégia pela qual me tinha decidido no dia anterior. Marquei o número no telefone, esperei que ele me atendesse, e quando o fez limitei-me a dizer “Fernandes, bom dia. Preciso de ajuda!”.


 

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