segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Chuva - XXXVII

 

Acho que nem preciso de te dar grandes detalhes do que se passou a seguir. Viste, com certeza, o que aconteceu.

Durante o dia a seguir os chefes dos principais departamentos de investigação de universidades e laboratórios vieram a público afirmar que desconheciam por completo qualquer investigação que tivesse levado a uma cura.

No espaço de uma semana chefes de estado de países africanos e do Brasil requeriam que houvesse uma investigação a fundo aos laboratórios para saber se realmente não havia fundamento na mensagem. Já eu, observava tudo isto com calma de um canto na vivenda em Sassoeiros. À medida que o calhau avançava pela encosta da montanha transformava-se numa bola de neve de cada vez maiores dimensões.

Durante essa semana tive conhecimento de que o sítio onde eu trabalhava ia reabrir o que foi uma notícia que me agradou. Era bom ter alguma da minha antiga rotina de volta.

No dia em que era para me apresentar o Fernandes tentou dissuadir-me.

“Pá, mas tens a certeza de que queres ir? Se quiseres eu passo-te um atestado ou assim…”

Mas eu queria ir.

Enquanto a nível mundial havia manchetes nos jornais todos os dias acerca de assuntos relacionados com a mensagem eu sentava-me novamente na minha secretária e preparava as fichas para o arquivo. E havia mesmo muito que fazer, uma vez que o terramoto havia virado tudo do avesso. Tinha que rever todos os ficheiros.

Eram umas duas da tarde quando um tipo entra na sala e se dirige a mim. Tinha um ar afável, até, mas uma maneira de andar muito afirmativa, calma, mas diria mesmo quase calculista. Como se a cada passo observasse tudo em redor sem perder o foco em mim. Ao olhar para ele lembrei-me de como um predador se acerca da sua presa. Chegou ao pé da mesa onde eu trabalhava.

“Sr. Gabriel Guerra?”

Dei-lhe atenção directamente, coisa que não tinha feito até então.

“Sim, sou eu.”

“Sr. Gabriel, estou aqui para lhe fazer um convite. O meu empregador desejava falar consigo.”

“E o Sr. É…?”

“Isso não é importante.”

“Bem, pode dizer ao seu empregador que eu não desejo nem quero falar com ninguém.”

O homem fez um sorriso.

“Sabe, Sr. Gabriel, o meu empregador não está habituado a que recusem os seus convites. Não está habituado a ouvir um não, pelo que acho que teria todo o interesse em aceitar este convite que lhe é feito com cortesia.”

E quando acabou de dizer isto abriu o casaco para que eu visse a arma que trazia escondida por debaixo, numa tentativa de me intimidar.

Eu olhei para ele, com alguma calma, e depois desatei a rir à gargalhada na cara dele. Acho que ele não esperava esta reacção vinda da minha parte.

“Sabe, estou a olhar para si e ocorre-me que se o seu empregador quisesse recorrer a métodos mais drásticos para me forçar a aceitar um convite seja para o que for, já o teria feito. Ao contrário do que possa pensar não me sinto intimidado por si.”

“Mas devia, Sr. Gabriel. Não faz ideia do que eu sou capaz para cumprir um objectivo.”

“Ao contrário, meu caro. Sei precisamente do que é capaz e até onde estaria disposto a ir, se o deixassem. Mas sei que não deixam. Não é?”

O homem limitou-se a sorrir.

Este tipo era pouco mais do que um pastor alemão com uma coleira de estrangulamento. Sei que tinha o potencial para ser altamente perigoso. Sei que se o deixassem ele provavelmente daria cabo de mim com requintes de sadismo. E, sem dúvida, adoraria. Mas neste momento a coleira estava posta, puxada para trás e estrangulava-lhe o pescoço. Podia ladrar e mostrar os dentes, mas não podia chegar até mim.

O ar dele, embora continuasse aparentemente calmo, deixava denotar o desconforto de quem sabia que eu tinha razão. Ele via que a intimidação não tinha resultado e tinha perdido a única vantagem que tinha sobre mim. Mas alem disso, quando lhe olhei para os olhos, confrontando-o, reparei em algo mais, algo que corria mais fundo.

Este homem não me compreendia. Mais, temia-me. Não pude deixar de achar isto curioso. Confrontei-o ainda mais, sabes.

“Mas sabe, no fundo não creio que o senhor me obrigasse a fazer algo contra a minha vontade…”

“Porque é que acha isso?”

“Porque sabe perfeitamente quem é o seu empregador, mas não faz a mínima ideia de quem é o meu…”

E eis que era eu quem tinha a vantagem. Ganhei o jogo. Ele baixou as cartas e desistiu, mas também, ele estava a fazer bluff desde o começo…

Podes não acreditar, mas divertiu-me, este bocadinho. Olhava para a marioneta que tinha à minha frente e estava divertido. Quase me apetecia ser cruel com ele, fazê-lo mergulhar nos seus próprios medos. Neste momento tinha-o na mão. E ele sabia disso. E o desconforto dele era notório.

“Ainda assim, eu saio às cinco. Seja um bom cachorrinho e diga ao seu dono que mande um carro a essa hora. Se se portar bem eu dou-lhe um osso mais logo.”

Ele olhou para mim irritado. Uma coisa era sabermos os dois a posição em que estávamos. Outra era eu humilha-lo desta maneira. Deves achar que eu não tenho grande juízo, mas eu tinha de ter a certeza…

“Sabe, Sr. Gabriel, não é muito boa ideia confrontar algumas pessoas de certa maneira…”

“Porquê? Vai sacar da pistola e dar-me um tiro?”

Ele baixou os olhos. Não o faria.

Ele tinha baixado as cartas e desistido, mas eu não lhe mostrei a minha mão. É que se mostrasse ele só ia saber que o meu bluff tinha sido mais forte que o dele…

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