segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Consequências (XXX de XLIII)



Alex passou os meses seguintes mergulhado no seu novo normal. A sua rotina dividida entre a casa onde morava e a sede da empresa, com algumas ocasionais escapadas de fim-de-semana ao Dubai.

Mas houve um dia em que recebeu um telefonema de Patrícia que lhe pareceu estranho. Atendeu assim que viu o nome dela aparecer no visor.

“Olá, filha.”

“Olá pai.”

“Está tudo bem?”

“Sim, está tudo. Olha estou a ligar-te para tentar combinar encontrarmo-nos. Precisava de falar contigo.”

“Acerca de…?”

“Temos de falar pessoalmente. Não é coisa que queira falar por telefone.”

“Mas é alguma coisa de grave?”

“Não, pai. Não é nada de grave, está descansado. Só que é algo que quero falar pessoalmente.”

Alex pensou um pouco.

“Então e quando é que te dava jeito?”

“Bem, em qualquer fim-de-semana que tenhas livre, ou assim…”

“E queres ir a algum sítio em especifico?”

“Não. Só quero mesmo falar contigo.”

Alex consultou a sua agenda.

“Este próximo fim-de-semana é impossível, mas no outro dá para ti?”

“Sim, dá.”

“OK, então vou tratar do avião…”

“Pai, vou levar uma pessoa comigo.”

“Uma pessoa…” pensou Alex intrigado.

“Tudo bem.” Acabou por responder “Podes trazer quem quiseres, com uma exceção.”

“Eu sei, pai. Não te preocupes. Não te faria isso.”

Falaram mais um pouco, a combinar pormenores, e acabaram a chamada, que deixou Alex extremamente intrigado. O que é que seria tão importante que tinha de ser falado em pessoa?

Uma semana e meia depois esperava a filha no Aeroporto. Esta, assim que o viu e como era costume correu para ele, abraçou-o e cobriu-o de beijos.

“Que saudades, pai.”

Alex apertou-a contra si. Também para ele as saudades eram demais.

“Pena que o teu irmão não veio…”

Patrícia soltou-se do abraço e disse ao pai:

“Fui eu que lhe pedi para não vir desta vez.”

Só então Alex reparou no rapaz que os observava de forma tímida a poucos metros, claramente não sabendo o que fazer. Foi Patrícia quem tomou a iniciativa, agarrando a mão do rapaz e arrastando-o para a frente de Alex.

“Pai, este é o Josué.”

O rapaz estendeu a mão, claramente intimidado por Alex, que lhe apertou a mão com vigor.

“Olá Josué.”

“É um prazer conhecê-lo, senhor. Tenho ouvido falar muito de si.”

Alex olhou para a filha com uma expressão interrogativa no rosto.

“Pai, o Josué é meu namorado.”

Isto mudava tudo. Alex encarou o jovem com um ar sério e sobrolho levantado, como que avaliando se este espécime estava à altura da tarefa que parecia estar a propor-se.

“Teu namorado? Há quanto tempo?”

“Não que tenhas muito a ver com isso, mas tínhamos começado a namorar há pouco quando tu partiste.”

“E só agora é que sei?”

“Pai, não é como se estivesses ali ao lado. Estás do outro lado do mundo.”

A estas palavras, Alex encolheu os ombros. Por mais que quisesse ser presente na vida dos filhos, não podia escapar à realidade dos factos. Não havia proximidade e isso fazia com que perdesse o fio à meada da vida dos que lhe importam.

Saíram do Aeroporto e foram para uma casa alugada pelo fim-de-semana. Quando chegaram, Patrícia ficou surpresa por ver Paola na cozinha a acabar o almoço para todos. Patrícia apresentou Josué a Paola e depois vieram para o terraço, onde o pai apreciava um aperitivo antes do almoço.

“Pai, o que é que se passa com a Paola?”

“Nada, filha. Ficamos amigos e de vez em quando, quando tenho uma folga, venho até aqui e passo uns dias com ela…”

“Amigos, hã?”

“Sim, amigos.” respondeu Alex com um sorriso sacana.

“Aposto que já coloriram bastante esta amizade.”

“Não sejas indiscreta, menina. Não te fica bem.” Respondeu Alex, o que fez a filha soltar uma rizada.

“Pelo menos já percebo porque é que estas assim.”

“Assim como?”

“Mais leve, como se te tivesse saído um peso dos ombros.”

Entretanto interromperam a conversa quando Paola os chamou para almoçar.

Comiam em relativo silêncio com Alex a observar Josué pelo canto do olho e este quase sem conseguir levantar os olhos do prato. Ele começava a perceber o que se passava, mas queria que a filha ou Josué dissessem alguma coisa de uma vez por todas.

“Patrícia, o que querias falar comigo afinal?”

“Caramba, que direto. Estás assim tão curioso?”

“Estou. Há uma semana e meia que ando a pensar o que poderá ser, por isso…”

Patrícia sorriu e depois deu uma cotovelada em Josué, que finalmente levantou os olhos do prato encarando a expressão séria, até austera, de Alex.

“Senhor Alex,” começou o jovem com a voz não muito segura “fui eu quem pediu à sua filha para falar consigo.”

Alex manteve-se calado e imóvel, o seu olhar sem vacilar. O rapaz estava cada vez mais nervoso e Alex, embora não o demonstrasse por fora, ria-se por dentro.

“Então… Não há altura como agora. Desembucha, rapaz.”

O jovem hesitou, mas olhou para o sorriso de Patrícia, que lhe pareceu dar alento e continuou:

“Sabe, eu…” O rapaz parecia à beira de um ataque de pânico.

“Tu o quê?” perguntou Alex, inclinando-se para a frente na cadeira de forma quase ameaçadora. O rapaz engoliu em seco e disse rapidamente:

“Queria pedir-lhe a mão da sua filha em casamento.”

Alex inclinou-se novamente para trás, com o mesmo ar sério. Depois olhou para a filha e perguntou:

“Ele não é sempre assim, pois não?”

“Não, pai. Mas ele está um bocadinho intimidado.”

Paola só observava tudo isto com um sorriso enquanto o jovem parecia querer encolher-se na cadeira e desaparecer.

“Intimidado? Com quê?”

“Ora, contigo… Não é por nada mas bem te podias mascarar de Wolverine e andar por aí em tronco nu. Acho que não ficavas a dever muito ao original. És um bocadinho intimidante.”

Alex encolheu os ombros e sorriu finalmente enquanto Paola se desmanchava a rir com a situação.

“Então mas vocês não falaram já disto? Não aceitaste já?” perguntou Alex a Patrícia.

“Sim, mas ele insistiu em falar contigo pessoalmente… e para te ser franca, concordo com ele.”

Alex esticou a mão a Josué, que lhe apertou a mão, e disse-lhe:

“Bem-vindo à família.”

Mais tarde, enquanto ambas as mulheres estavam na conversa a arrumar a cozinha e depois dos cafés, Alex arrastou Josué para o terraço, sentaram-se numa pequena mesa com digestivos na mão.

“Presumo que já conheças a tua futura sogra…”

“Sim, conheço, claro.”

“E sabes o que se passou?”

“A Patrícia contou-me tudo na altura. Ela passou bastante mal.”

“Ok, então à luz disto, fica ciente do que te vou dizer: se alguma vez tentares fazer alguma estupidez em relação à minha filha eu prego-te os tomates a uma tábua antes de te dar um tiro na cabeça.” O rapaz olhou para ele de olhos muito abertos “E não, não estou a brincar. Por outro lado, se ela fizer algo de mesmo muito estupido, antes de falares seja com quem for, falas comigo. Percebeste?”

O rapaz olhou para ele de uma forma assustada, mas anuiu.

“Ótimo.” Continuou Alex “Agora anda cá e dá-me um abraço.”

O rapaz respirou fundo, sorriu e abraçou o futuro sogro. Alex continuou:

“Estou a confiar-te aquilo que é mais precioso para mim. Eu sei que não percebes agora, eu não percebi quando estava na tua situação, mas um dia vais perceber.”

Falavam todos, mais à tardinha, quando Alex perguntou:

“Então e já planearam alguma coisa? Sítio, data?”

“Não, pai. O Josué queria pedir a tua permissão primeiro.”

“Bem, temos de pensar onde vai ser o casamento…”

“Pai, vai ser em casa, obviamente.”

Alex olhou para a filha.

“Não pode. Ou então não vou poder estar presente.”

“Porquê?”

“Porque assim que o avião pousar devem levar-me direto para uma esquadra e lá vem os advogados…”

“E porque é que achas que isso ia acontecer?”

“Por causa do divorcio…”

Patrícia olhou para o pai, abanou a cabeça, levantou-se e disse-lhe:

“Aguenta aí esse pensamento. Venho já.”

Quando voltou trazia umas folhas de papel cuidadosamente dobradas que entregou ao pai.

“Lê isto, por favor.”

Alex reconheceu a caligrafia espalhada pelas folhas e respondeu de imediato:

“É melhor não. Não estou interessado em mentiras ou justificações…”

Patrícia respirou.

“Pai, isto foi escrito para ti, mas nunca foi escrito com a intenção de leres. Encontrei estas folhas amachucadas no lixo no dia a seguir a saber que tinhas sido baleado e resolvi guardá-las. Por isso, lê.”

Alex olhou para Paola sem saber o que fazer. Nem sequer queria pegar nos papeis que a filha lhe estendia, mas o olhar calmo de Paola e a afirmação dela fizeram com que ele se decidisse e agarrasse os papeis.

Leu as palavras com calma e com uma expressão dolorosa, debaixo de um olhar preocupado de Paola que mantinha uma mão no seu braço, como que para o reconfortar e acalmar. Quando ele acabou de ler a sua expressão estava ilegível. 

“Ela nunca tratou do divorcio?”

“Não,” respondeu Patrícia “Nem vai tratar. Por isso não tens desculpa absolutamente nenhuma para não ir a casa para o meu casamento. E se não fores só por causa da mãe… Vais descobrir o que é uma filha furiosa, percebeste?”


3 comentários:

  1. Não é somente a vida dos pais que, por vezes, leva uma reviravolta. Os filhos crescem, amadurecem e tomam o seu próprio rumo na vida.
    Muito compenetrado no seu papel de pai protector, gostei de ver. Só não sei que papel desempenha a terapeuta italiana na vida de Alex, para já ser tida em consideração a sua opinião num assunto de família... Bem, se calhar a coisa é mais séria do que uma relação passageira.
    Ainda não me separei da ideia de haver a possibilidade de uma reaproximação do casal; Alex-Marie.
    A mulher vai pagar toda a vida por um erro do qual já se arrependeu?

    Boa semana, Gil!

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    Respostas
    1. Não perca as cenas dos Prrrroximos Cápitilus! (com sotaque brasileiro, como no fim das novelas... LOL)

      Abraço e boa semana :)

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