quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Consequências (XXVI de XLIII



O telefone de Patrícia tocou uma única vez e ela atendeu de imediato.

“Pai?!”

“Filha,” disse a voz grave e calma do outro lado “soube que te ligaram algumas vezes por causa de mim, e por isso liguei primeiro para ti. Vou ligar para o Tiago a seguir.”

“Pai, ele está aqui comigo, estamos em casa.”

“Em casa…” murmurou Alex

“Vou pôr o telefone em alta voz.”

“Olá pai.” Disse Tiago de imediato, com uma nota de preocupação na voz.

“Olá. Só estou a ligar para dizer que estou vivo.”

“Mas como é que estás?” perguntou Patrícia

“Segundo um médico me disse, ou pelo menos o que percebi, levei um tiro nas costas, fui operado, estive em coma induzido até há umas horas atrás. Não corro risco de vida e estou num quarto de hospital melhor que alguns hotéis de cinco estrelas em que já estive.”

“Ainda bem pai,“ respondeu Tiago que conhecendo o pai acrescentou “mas quais são as más notícias?”

Alex respirou fundo antes de responder.

“O ferimento apanhou uma área na coluna vertebral a meio das costas. Parece que a operação foi complicada, ainda mais porque onde isto aconteceu só me conseguiram estabilizar e demoraram umas horas até operar. A operação correu bem, mas ainda há muito inchaço e muita incerteza.”

“E que é que queres dizer com isso?”

“Bem, neste momento não sinto nada da cintura para baixo, mas os médicos estão confiantes que a situação vai melhorar conforme o inchaço passar, mas com algumas reservas. De qualquer maneira, acho que vou ter uma recuperação um bocado comprida pela frente.”

Houve um silêncio chocado enquanto do outro lado tentavam processar a informação. Foi Patrícia quem falou, finalmente. 

“Pai, o que é que precisas?”

“De nada. Não quero que se preocupem. Estou a ser cuidado por especialistas de renome mundial, num hospital de luxo. E prometo que vos dou as boas ou as más novidades. Vou dar o vosso número ao chefe da minha segurança e se acontecer algo comigo que eu não vos possa contactar, ele contacta. Não vos vou esconder nada.”

“Podemos ir visitar-te?”

“Claro que sim. Vocês sabem que são sempre bem-vindos. Mas nesta altura não faz grande sentido. O médico disse-me que me iam manter umas duas semanas sob observação e com sedativos por causa das dores, portanto por agora, acho que não vale a pena. E se isso causar distúrbio, também não. Não é como se estivesse a morrer.”

“Ok, pai.” Respondeu Patrícia “pelo menos as boas notícias valeram a pena.”

“Bem, agora vou descansar mais um bocado que aquilo que me dão deixa-me grogue. Beijos para os dois.”

“Descansa bem, pai” disseram os dois particamente em coro.

Alex desligou a chamada e pousou o telefone, pensativo.

Do outro lado, os dois irmãos olhavam para a mãe, que lhes devolvia um sorriso agradecido por a terem deixado estar ali.

“Só me apetece ir para lá.” Acabou Marie por dizer “Eu devia estar lá, ao lado dele.”

Os dois irmãos entreolharam-se com uma expressão de resignação.

Alex pousou o telefone que parecia pousar uma tonelada. Um médico entrou na sala:

“Bom dia, senhor Alexandre. Então, como estamos?”

“Acho que já vi melhores dias” Respondeu Alexandre com a cabeça pesada e desconforto das dores que sentia.

“Calculo que sim” respondeu o médico com um sorriso.

O médico fez alguns testes, verificando que ainda não havia reacção na parte inferior do corpo. Alex não se conteve.

“Doutor, o que é que isto significa?”

“Bem para já significa que temos de esperar mais algum tempo até termos certezas. A sua coluna foi afectada e temos que dar tempo ao tempo. Quando a inflamação começar a passar, estamos confiantes que recuperará.”

“Mas há sempre uma hipótese de não recuperar, não?”

“Sendo sincero, há. Mas não seja pessimista, homem. Afinal, uma das coisas a seu favor é a excelente forma física em que está. Tem que ter calma e paciência…”

Nas duas semanas seguinte Alex foi sendo submetido a exames regulares. As dores tornavam-se menos intensas e as drogas para as dores foram sendo retiradas o que lhe deixava as ideias mais claras. Mas com isto vieram as intermináveis horas solitárias em que ficava agarrado à cama e perdido nos seus pensamentos. E todo aquele ano parecia passar como um filme na sua cabeça em repetição.

À medida que as drogas foram sendo aliviadas, Alex começou a pedir a Miguel para lhe trazer os assuntos mais urgentes e depois começou mesmo a fazer reuniões por videoconferência com o seu secretário, que lhe passava informações e a quem Alex dava orientações. Os médicos não o deixavam dedicar muito tempo, mas esta interrupção e este foco eram para ele uma bênção.

Ao fim de duas semanas o seu corpo finalmente reagiu, uma simples sensação fugidia e um pequeníssimo reflexo, mas o suficiente para o seu médico sorrir.

“Boas noticias, senhor Alexandre. As feridas fecharam bem, não há complicações e os sinais de recuperação estão à vista. E isto são más notícias, mas não para si.” Alex olhou para ele com um ar intrigado e o médico riu “Mas são más notícias para umas quantas enfermeiras que estavam a gostar muito de o ver por cá.”

Alex riu com vontade.

Uns dias depois foi transferido para outras instalações, onde iria receber tratamentos de fisioterapia. Estava instalado no quarto há algum tempo, um local tão luxuoso como o anterior, quando uma mulher entrou no quarto.

“Olá, senhor Alexandre.” Disse ela com uma voz melodiosa onde, mesmo sem ver, se notava o sorriso com que as palavras tinham sido ditas “É um gosto conhecê-lo.”

Alex olhou-a finalmente. Parecia ter pouco mais de 30 anos, alta, esguia sem ser magra, cabelo preto e uns olhos azuis que pareciam faiscar e nem a bata do hospital conseguia esconder as suas formas. O cabelo apanhado num rabo de cavalo ainda lhe dava uma aparência mais jovem. Ela simplesmente continuou.

“O meu nome é Paola, sou italiana e sou a sua fisioterapeuta. Vamos passar muito tempo juntos nos próximos dias.”

“Dias?” perguntou Alex, admirado.

“Bem, mais uns dois meses, se tudo correr bem. E vai correr. Afinal vou ser eu a tratar de si. Vai ver que vai ter tempo para se fartar de mim.”

“Tenho duvidas em relação a isso…” respondeu Alex com um sorriso.

“Não tenha. Eu consigo ser mesmo muito chata.”

Ela chegou uma cadeira de rodas para perto da cama e perguntou-lhe:

“Vamos?”

“Vamos começar já?”

“Não há melhor altura que agora, mas também lhe quero mostrar a clinica.”

Ajudou-o a passar para a cadeira e depois foi-o guiando por corredores. À medida que iam passando por salas ela ia explicando para que eram e por fim chegaram a uma enorme piscina coberta.

“Sabe nadar, senhor Alexandre?”

“Trate-me por Alex, por favor. Sim sei.”

“Óptimo. Assim preocupo-me menos consigo.”

Ela levou a cadeira até um elevador e este começou a baixar a cadeira para dentro de água a um ritmo penosamente lento.

“Não saia daqui, Alex. Eu volto já.”

“Não demore, senão ainda sou capaz de ir dar uma volta por ai…” disse ele sorrindo.

Ela apenas sorriu e deixou-o no elevador. Voltou logo em seguida num fato de banho e com uma touca, trazendo uma na mão para ele. Mergulhou na piscina com graciosidade e dirigiu-se a ele, colocou-lhe a touca na cabeça e libertou-o da cadeira de rodas.

Ficaram algum tempo na piscina, com ela a assisti-lo para alguns exercícios que pareciam básicos, mas para ele pareciam impossíveis. Depois ela levou-o de volta para o quarto.

“Por hoje chega, Alex. Não podemos forçar nada e só queria que te ambientasses. Já agora, hoje vais comer no quarto, mas a partir de amanhã vens ao refeitório comer. Vais adorar a comida daqui. O chefe é italiano como eu…” disse ela piscando-lhe o olho.

“Quer dizer que nos próximos tempos vou ganhar um pneuzinho, não?”

“Não.” Disse ela olhando-o com um olhar provocador “Não podemos estragar ‘isto’” disse ela fazendo um gesto indicativo do seu corpo inteiro “Calculo a quantidade de namoradas que me iam desejar a morte se isso acontecesse”

“Quantidade de namoradas?”

“Sim, já vi que não tens aliança… Portanto deves andar por aí a partir corações.”

Alex riu-se.

“Não há muitos corações para partir por onde eu tenho andado… Bem, com a excepção do da minha cozinheira e governanta, mas acho que elas não estão interessadas.”

“Não? Porquê?”

“Bem já estão ambas nos sessentas…”

“Olha que há por aí muita velha depravada. Eras capaz de ficar surpreendido…”

A simples imagem mental provocou-lhe uma careta e ela riu.

“Bem, por hoje ficamos por aqui. Alex. Amanhã vamos ter um dia mais preenchido. Descansa bem.”

“Obrigado, até amanhã.”

E quando ela ia a sair, virou-se para ele e piscou-lhe o olho com um sorriso maroto.

Alex sorriu. Como é que era aquela frase do vídeo daquela musica do Elton John e George Michael? “Ragazze italiane, portatemi in Paradiso”


3 comentários:

  1. Muito bem! O capítulo de hoje já me fez sorrir por diversas vezes! : )
    Um abraço, Gil.

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  2. Penso que escrevi um comentário, será que se perdeu? 🤔

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    Respostas
    1. Não se perdeu, estava cá... Eu é que só pus as patas num teclado agora :) Vai haver mais motivos para sorrir... e não só!

      Abraço, Janita

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