segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Consequências (XLIII de XLIII - Final)



Alex foi reparando, ao longo das semanas seguintes que o comportamento de Marie parecia ir mudando gradualmente e começou a pensar se esta mudança de dinâmica, instigada por ela própria, não teria posto em risco a relação. Pediu a Paola para sair com Gabriela, um dia, e quando Marie saiu do duche num fim de tarde e entrou na cozinha, encontrou dois copos de vinho servidos e um Alex com um ar nervoso que lhe diz as palavras que ninguém quer ouvir:

“Querida, precisamos de falar.”

Ela tremeu ao ouvir estas palavras, ficando a olhar para Alex, sem saber o que ele quereria. Sentou-se, pegou no copo de vinho, deu um pequeno gole, e aguardou que Alex dissesse alguma coisa, mas ele não disse nada. Finalmente, nervosa perguntou:

“O que é, Alex?”

“Não sei. Estamos aqui porque eu também quero saber.”

“O que queres dizer?”

“Tenho reparado em ti. Conheço-te e vivo contigo há mais de metade das nossas vidas. O que é que se passa?”

“Alex,…” e vieram-lhe lágrimas aos olhos.

Alex olhava para ela sem saber o que pensar. Todos os cenários possíveis lhe passavam pela cabeça sem ele querer acreditar em nenhum. Ela finalmente recompôs-se:

“Alex, eu sei que prometi que íamos envelhecer juntos, mas eu não vou poder cumprir essa promessa.”

Alex estava estático, os seus pensamentos fugiam-lhe. Todo o seu foco estava no que ela iria dizer a seguir.

“Estou de partida, Alex.”

“Para onde?” perguntou ele incrédulo.

“Deste mundo.”

Alex sentiu-se a desfalecer. Agarrou no copo, que bebeu de um trago.

“Alex, senti uns caroços no peito há uns tempos e fui fazer umas analises… também não me andava a sentir muito bem. Infelizmente fui um daqueles casos em que chegamos tarde demais. Os médicos disseram que eu podia fazer tratamentos que podiam prolongar um pouco a vida, mas que só iria adiar o inevitável… escolhi não os fazer. Prolongar a vida em sofrimento e fazer-vos sofrer… prefiro ir quando tiver de ir. O tumor está metastizado e tenho só alguns meses de vida, na melhor das hipóteses.”

Alex tentou convencê-la a tentar alguma coisa, mas Marie foi irredutível na sua decisão.

Paola ficou inconsolável quando soube nessa noite, bem como toda a família e amigos.

Alex deixou o trabalho de imediato e passava todo o tempo com ela, bem como Lisa, Paola e o resto da família, sempre que estavam disponíveis. O pequeno Filipe quase se mudou também para a casa, que passou a estar permanentemente cheia de gente. 

Nas semanas seguintes foi notório o decair do estado físico de Marie. Desta vez foi a filha que se mudou, nunca saindo do lado da mãe, com Tiago a aparecer e a passar os dias que podia também na casa. 

Quando deixou de conseguir andar, ficou no quarto, sempre com uma enfermeira, Alex, Patrícia e Paola ao seu lado.

Até que caiu num coma profundo e sabendo que o fim estaria próximo, Alex chamou toda a família e os amigos mais chegados, Fernando e Lisa, ficando todos numa silenciosa vigília em volta da cama.

Marie respirou fundo de repente, ergueu-se num rompante, olha para Alex com um ar desesperado, e pede-lhe:

“Meu querido, querido amor, perdoa-me.”

“Já te perdoei há muito, meu amor. Vai em paz.” Respondeu Alex com lágrimas a escorrerem-lhe pela face, embora com um sorriso terno.

Ela olhou em volta e disse:

“Amo-vos a todos.”

E deitou-se com um sorriso, como se tivesse finalmente encontrado paz, expirando pela última vez.

Alex andou algum tempo perdido. Parecia ter perdido as forças para lutar fosse pelo que fosse.

Paola observava-o com preocupação e, não se tendo ele aproximado dela desde que Marie deu a conhecer a sua doença, simplesmente estava ao lado dele, cuidando, percebendo a sua dor, que também ela partilhava.

Mas foi um dia, em que estava perdido em pensamentos enquanto a pequena Gabriela brincava à sua frente, que a sentiu a vir para o pé de si, dar-lhe um abraço e dizer:

“A mãe Marie disse-me para quando eu te visse triste te dar um abracinho e te dizer que ela nos está a ver do céu.”

Alex abraçou a filha de volta e desatou a chorar. Reparou em Paola que os observava e puxou-a também para aquele abraço. No fim, Marie tinha-lhe dado tudo, até a continuação da sua vida. Olhou para Paola e disse:

“Desculpa se tenho andado ausente. Sinto tanto a falta dela…”

“Eu também, meu amor.” Respondeu Paola.

E Alex, olhou para ela surpreendido. Depois disse-lhe simplesmente.

“Também te amo.”

Por fim respirou fundo. Tinha de continuar a viver.






FIM




Um Santo Natal a todos 


Consequências (XLII de XLIII)



Com a gravidez de Patrícia a complicar-se para o fim, Marie quase se mudou para casa da filha, com Alex a aparecer para jantar todos os dias, levando Marie para casa e deixando-a no dia a seguir a caminho do trabalho. Na última semana da gravidez a nas semanas a seguir ao parto Marie mudou-se em definitivo, ajudando a filha e o genro a cuidar da casa e do pequeno Filipe, que nasceu saudável.

Entretanto, a quinze dias da data prevista para o parto de Paola, Alex arrancou para o Dubai, para assistir Paola no que fosse necessário, com Marie a chegar uma semana depois.

Marie foi recebida calorosamente por Paola, se bem que percebia haver alguma reticência da parte dela, que sem dúvida conhecia toda a sua história com Alex. Perante a insistência dela de que estava bem, Paola encorajou Alex a mostrar a Marie os sítios mais visitados do Dubai, se bem que os passeios eram sempre de telemóvel na mão, à espera de novidades.

Foi com a chegada de Gabriela, cujo nome foi dado por Paola em honra da sua avó materna, que as reticências de Paola em relação a Marie se dissiparam por completo, e, como preverá Lisa, plantou-se ali a semente de uma amizade, mas mais do que isso, ambas sabiam que estariam sempre ligadas por Gabriela e por Alex.

Alex e Marie regressaram um mês depois, Quando Paola se sentia já recuperada e Gabriela foi recebida como seria de esperar pêlos irmão, mas sobretudo por Tiago, que se apegou à irmã e fazia questão de passar o máximo tempo possível com ela quando vinha visitar, agora quase sempre acompanhado por Rebeca.

“Pelo menos sabes que ele vai ser um bom pai.” Dizia Marie em jeito de provocação a Rebeca.

“É filho do Alex. Era estranho não ser.” Respondia Rebeca com um sorriso.-*

Alguns meses depois, Tiago pediu Rebeca em casamento.

Ao longo do tempo, e no princípio, as conversas com Paola eram semanais. Era sobretudo Marie, com Gabriela ao colo numa videochamada a falar acerca da semana. Com o tempo, e com Gabriela a crescer, as chamadas foram ganhando mais periodicidade, com Paola a iniciá-las cada vez mais. No seu segundo aniversário, Alex e Marie levaram Gabriela ao Dubai, para estar com Paola a pedido dela.

A felicidade de Paola ao longo daqueles dias era evidente, embora o fosse também que não queria de maneira nenhuma perturbar a relação entre mãe e filha que claramente existia entra Gabriela e Marie.

Foi por volta do terceiro aniversário que Paola finalmente quebrou e perguntou a Alex se se importava que ela estivesse mais presente na vida da filha.

Alex e Marie discutiram o pedido, não havendo qualquer oposição por parte de Marie. Alex conseguiu, através de alguns contactos arranjar um emprego para Paola e um apartamento de dois quartos na cidade, a cinco minutos de distância a pé de sua casa.

A chegada de Paola alterou a dinâmica da família, com ela a insistir levar Gabriela ao jardim-de-infância e a ir busca-la depois, levando-a de volta para Marie, que a convidava sempre a ficar e a jantar com eles. Tornou-se uma presença constante, e a consequência foi que ambas começaram a desenvolver uma amizade especial. Como melhores amigas adolescentes. Iam para todo o lado e faziam tudo em conjunto. A elas acabou por se juntar Lisa, sendo que o trio andava junto frequentemente.

Alex e Fernando acabaram por desenvolver uma grande amizade também. Fernando, incentivado por Alex, acabou por comprar um Dodge Charger que também restaurou meticulosamente e ambos iam por vezes a encontros de automóveis antigos.

Um dia, enquanto estavam deitados, encaixados um no outro enquanto deixavam o corpo relaxar depois de um orgasmo conjunto, Marie perguntou:

“Alex, o que é que achas de Paola vir viver connosco?”

Alex ficou surpreendido com a pergunta.

“Vocês têm falado acerca disso?”

“Não. É só algo em que tenho pensado. Ela passa a maior parte do tempo aqui, de qualquer maneira…”

“Mas não achas que ela quererá manter alguma independência?”

“E não a teria aqui, na mesma?”

“Sim…” concedeu Alex.

“Então? Que achas?”

Alex respirou fundo e ficou pensativo durante bastante tempo e acabou por responder:

“Se calhar não é boa ideia?”

“Porquê?” perguntou Marie, deixando a pergunta no ar durante algum tempo e continuando depois “Por causa da maneira como ela olha para ti quando pensa que ninguém vai reparar? Ou pela maneira como tu por vezes olhas para ela?” o tom de voz de Marie não tinha qualquer reprovação ou acusação e ela continuou “Eu não sou idiota, Alex. Mas também sei que tu jamais farias alguma coisa para me magoar.”

Alex deixou-se ficar em silêncio e ela continuou.

“Alex, eu sei que me amas. Mais que tudo. E eu sei que já tive o teu coração por inteiro, mas que pelas minhas acções, perdi um bocado dele. Mas eu sei que te tenho quase todo. Mas tu tens medo que se ela estiver na mesma casa a tentação seja demais…”

Não foi uma pergunta. E Alex sabia que ela tinha razão.

“Eu não tenho medo, Alex. O que dizes?”

Alex beijou-a ternamente e disse-lhe:

“Faz o que achares melhor.”

E Marie falou com Paola, que ficou reticente a principio. Alex nunca soube os detalhes do que falaram, mas Marie convenceu Paola que acabou por se mudar.

Alex já não se lembrava do que era ter uma casa tão viva desde que os filhos eram adolescentes. Aliás, já não se lembrava do que era ter duas mulheres em casa desde que Patrícia era adolescente. Mas Marie e Paola tinham uma cumplicidade incrível, por esta altura.

Alguns meses depois de Paola se mudar, estavam os três na sala a ver um filme à noite, Alex no meio, com o braço direito por cima de Marie aninhada a ele, e Paola com a cabeça em cima do seu ombro esquerdo e ambas as mulheres com os braços por cima da sua barriga, quando Marie lhe começa subitamente a fazer festas com a ponta dos dedos. Alex olhou para ela, com aquele brilho que ela já conhecia no olhar e sorriu de volta.

Voltaram os dois novamente a atenção para o filme que estavam a ver, mas Marie continuou com as carícias, tocando por vezes ao de leve a mão de Paola.

Paola olhou para ela, viu o que ela estava a fazer, e fez tenção de retirar a mão, mas Marie segurou-a, para sua surpresa. Depois guiou a mão dela para a acompanhar nas caricias que fazia a Alex. Paola olhou para Marie com uma expressão preocupada, mas Marie devolvia-lhe um sorriso carinhoso.

Alex, apercebendo-se, observava-as, percebendo de imediato que nada disto tinha sido premeditado. Marie olhou para ele e avançou para um beijo que não deixava qualquer duvida quanto ao desejo de Marie. Depois Marie desviou a sua atenção para Paola, que os observava atentamente, levando a mão ao seu rosto e puxando-a para si num suave beijo terno. Quando quebraram o beijo, Marie afastou-se com um sorriso maroto, acenando levemente com a cabeça para Paola que, percebendo Marie, se volta para Alex e se lança a ele num beijo que parecia desejado há muito.

Quando se separaram, Marie levantou-se do sofá, começou a dirigir-se às escadas para o piso de cima e disse:

“Não façam muito barulho. A Gabriela está a dormir e… Ainda posso sentir-me tentada a juntar-me a vocês…”

Quando ela ia quase a desaparecer na escada, Alex respondeu-lhe:

“Sabes, isto do sofá já não é para a minha idade…” e olhou para Paola que, entendendo-o, simplesmente anuiu “E se subíssemos também?”

Marie olhou para ele e respondeu com um sorriso pensativo:

“Era capaz de ser interessante…”

Alex levantou-se, deu a mão a Paola, ajudando-a a levantar se seguiram Marie.

Uma das prioridades de Alex na semana seguinte foi comprar uma cama maior


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Consequências (XLI de XLIII)



Terminavam já a refeição com Lisa e Fernando em sua casa quando Marie se voltou para Fernando com um sorriso e anunciou:

“Fernando, este jantar não foi inocente. Eu não queria fazer isto no trabalho, de maneira mais impessoal.” E entregou-lhe um envelope.

Fernando abriu de imediato e viu que era uma carta de demissão, dando o prazo legal de pré-aviso.

“Mas porquê?” Perguntou Fernando admirado, estando Lisa também intrigada e curiosa. Marie respondeu com um sorriso:

“Sabes, a minha filha está prestes a ter o bebé e eu quero ajudá-la por algum tempo, mesmo no final e ajudá-la a recuperar.”

“Mas não precisas de te demitir.” Respondeu Fernando com pena de perder uma colaboradora que se tinha tornado valiosa “Eu dou-te o tempo de licença que achares necessário. Daqui a uns meses ficas outra vez sem fazer nada.”

Entretanto repararam no ar e no sorriso de Alex ao mesmo tempo que Marie disse:

“Pois, mas depois vou ser mãe e avó ao mesmo tempo e isso complica as coisas.”

Lisa olhou para ela muito séria.

“Marie, estás grávida? Não é arriscado na tua idade?”

“Não.”

Ficaram ainda mais intrigados. Foi Alex quem falou.

“A Paola está gravida e é meu, mas ela não queria a criança, mas aceitou levar a gravidez até ao fim.” E foi Marie quem continuou.

“Quando a Patrícia já estiver bem e orientada vamos ao Dubai ajudar a Paola nos últimos tempos da gravidez e na recuperação e depois vamos trazer a criança.”

Os convidados deram-lhes os parabéns, continuaram a falar, e o tópico de conversa entre Alex e Fernando acabou por mudar para o Mustang de Alex, que foram ambos ver à garagem, com Alex voltando quase logo em seguida para agarrar nas chaves do carro e dizer às mulheres:

“Vamos dar uma voltinha no carro. Vou deixar o Fernando conduzir.”

E logo em seguida o carro saiu da garagem e arrancou, com Fernando ao volante.

Lisa aproveitou a oportunidade.

“Estás bem com isto tudo?”

“Sim, muito bem.”

“Tens a certeza?”

Marie pensou um pouco no que dizer à amiga.

“Sabes, quando o Alex foi ferido eu não sabia com quem desabafar naquele momento, estava desesperada e acabei por escrever uma carta fictícia ao Alex, a qual abri com uma frase: não mereço perdão. Na primeira conversa que tive com ele… Sabes, foi surreal. Ele entrou em casa como se tivesse saído ontem, trazia jantar, comemos, quase não falamos, e depois fomos para a sala e ele devolveu-me as primeiras frases dessa carta. Disse-me para não lhe pedir perdão porque o que eu tinha feito era imperdoável. Só no fim da conversa é que descobri que ele tinha a carta. Eu escrevi-a, mandei as folhas para o lixo, a Patrícia viu, guardou-a por uns meses e usou-a para convencer o pai a vir ao casamento e, provavelmente, sem querer, a dar-me outra oportunidade. Mas na primeira semana em que esteve em casa foi sempre terno comigo, mas nem me deixava tocar-lhe. Ao fim de uma semana aconteceu e foi tudo o que eu imaginava e mais, mas ele sempre me pareceu guardado. E depois aconteceu isto.”

Lisa ouvia isto tudo curiosa, Marie continuou.

“Ele falou-me da Paola, da amizade que tinha com ela feita ao longo de meses de contacto diário na altura em que se sentiu mais vulnerável. A Maneira como ela retribuiu essa amizade, a certeza que ele tinha de eu já ter pedido o divórcio e, segundo ele, coloriram essa amizade das cores todas do arco-íris. Mas só estiveram juntos umas quantas vezes num ou outro fim-de-semana em que o Alex ia ao Dubai. Esta gravidez foi, claramente um acidente. O Alex disse-me que ela lhe deu a novidade antes de perguntar alguma coisa. E disse-lhe que se fosse de outro, teria tratado do assunto, mas sendo de Alex, não faria isso sem perguntar mas que não queria a criança e Alex disse-lhe de imediato que se levasse a gravidez até ao fim, ele criava a criança. E depois veio falar comigo.”

“E o que é que ele disse?”

“Explicou a situação toda. Já estava a imaginá-lo a deixar-me outra vez, mas não. Ele só perguntou se eu queria ser mãe outra vez.”

“E disse-te o que aconteceria se tu recusasses?”

“Não. E eu não perguntei. Eu conheço o Alex. Na cabeça dele esta era a maneira como ele via o problema resolvido da melhor maneira possível, por isso, antes de pensar em alternativas, perguntou-me. E disse-me que não queria que eu aceitasse por alguma noção de obrigação.”

“E tu?”

“Eu, pensei um pouco… Curiosamente a única coisa que Paola me disse, no casamento, foi que se eu magoasse o Alex de novo viria do Dubai e me arrancava o coração do peito. Tu falaste com ela… como é que ela é?”

“Bem, ela é Italiana. É expansiva, tem os pensamentos na cara, fala com as mãos, mas é divertida, tem carisma… Tenho de admitir que o Alex sabe escolher as mulheres dele.” Respondeu Lisa, piscando-lhe o olho “É alguém com quem eu acho que facilmente faria amizade. E acho que tu também. Quando a conheceres, vais perceber melhor.”

“Mas, depois de pensar, e de saber que o Alex nunca permitiria que esta criança desaparecesse, e pensar no que seria criar um irmão ou irmã para o Tiago e a Patrícia, disse-lhe que sim, sem reservas. E sabes que mais? Sabes aquela sensação de que ele estava algo guardado? Desapareceu. E eu estou imensamente feliz com a minha decisão. Posso não ser a mãe biológica, mas sou a mãe escolhida por ele.”

Lisa abraçou-a.

“Estou feliz por ti. Mesmo muito.”


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Consequências (XL de XLIII)



Tiago chegou no sábado de manhã, acompanhado pela sua namorada Rebeca, que vinha pela primeira vez a casa dos pais dele, tendo ele já conhecido os pais dela. As coisas tornavam-se cada vez mais sérias entre os dois, e ele queria causar uma boa impressão.

Estranhou o silencio na casa, chamou, mas não teve resposta, pousou as pequenas bagagens que tinham no hall e ouvindo barulho vindo da cozinha dirigiu-se para lá, vendo a mãe entrar a correr, a rir, enquanto dizia, “…para isso vais ter de me apanhar.”, enquanto o pai entrava suado, em tronco nu, atrás dela, estacando de repente quando viu Tiago e uma moça ao lado dele enquanto Marie quase esbarrava no filho.

Alex e Marie ficaram claramente embaraçados sobretudo perante o ar embasbacado do filho.

“Pelo amor de Deus!” exclamou Tiago “Arranjem um quarto.”

“Bem, era para lá que íamos…” não se conteve Alex, piscando o olho a Marie que não aguentou e se escaqueirou a rir. Alex vestiu rapidamente a camisa que tinha na mão enquanto Marie se recompunha, tudo isto sob um olhar divertido de Rebeca e incrédulo de Tiago. Lá se foi a boa impressão. 

Como o Filho ficou meio estático, Marie apresentou-se a Rebeca, tendo Alex feito o mesmo em seguida, e deram-lhe as boas vindas.

O dia passou sem mais incidentes, se bem que Rebeca, à noite, enquanto ouviam sons espalhar-se pela casa, comentou:

“Os teus pais são bastante activos, para a idade.”

“Pois, aparentemente.” Respondeu Tiago com um ar aborrecido, mas secretamente feliz por ver os pais daquela maneira depois da tempestade.

No dia seguinte Patrícia chegou com Josué, perto da hora almoço, curiosa para conhecer a namorada do irmão, sentaram-se à mesa da sala, comeram, confraternizaram, comeram a sobremesa e bebiam os cafés quando Alex disse:

“Bem, nós temos uma novidade para vocês.”

Toda a gente ficou a olhar para ele mas foi Marie quem continuou, olhando para os filhos em particular:

“Vocês vão ter um irmão.”

Tiago, que tinha acabado de levantar a chávena, deixou a cair e, embora não tenha partido, entornou o café para a mesa e a conversa foi interrompida pela necessidade de limpar a mesa.

Depois de limparem os estragos foi a Patrícia a primeira a perguntar:

“Como é que isso aconteceu?”

“Tens um pãozinho no forno. Deves ter ideia de como lá foi parar…” respondeu a mãe com um sorriso.

“Mas estás grávida?” perguntou Tiago.

“Não.” Respondeu Marie com uma risada como se fosse a ideia mais ridícula do mundo.

“Então…?” Perguntou Patrícia. Foi Alex quem respondeu.

“A Paola está grávida.”

Ficou toda a gente calada, e pensar nas implicações daquilo que ele acabara de dizer. No entanto, olhavam para a mãe, com um sorriso de orelha a orelha e estava ser difícil de entender.

“O vosso pai descobriu esta semana. E ele falou comigo. A Paola não quer uma criança na vida dela, mas está disposta a levar a gravidez a termo. E eu vou ser mãe outra vez…” disse ela com um brilho nos olhos e olhando para filha “…provavelmente logo a seguir a ser avó.”

Ficaram o resto da tarde sentados à mesa a explicar tudo e, a meio da tarde já toda a gente estava empolgada por ter ainda mais um bebé na família.

Ao fim da tarde, Tiago e Rebeca tiveram de sair e seguir viajem.

“Os teus pais são estranhos…” disse Rebeca ao fim de um bocado.

“Pois… não eram, mas estão a ficar.”

“Gosto deles.” Respondeu Rebeca com um sorriso.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Consequências (XXXIX de XLIII)



Marie estava deitada na cama completamente esticada a olhar para o teto. Não podia deixar de pensar que toda esta situação era sua culpa. Como é que uma simples decisão podia ter um alcance e consequências tão fortes, mesmo já longe do tempo em que aconteceu.

Não podia culpar Alex, não podia culpar Paola… Quer dizer, a principio foi o que fez, mas conforme foi refletindo, foi chegando à conclusão que tudo derivava daquela noite. E os estilhaços do que se quebrou iram continuar a pejar as vidas deles.

Ouviu Alex a bater suavemente na porta do quarto e a dizer:

“Marie, o jantar está na mesa. Desces?”

Ergueu-se da cama e respondeu:

“Desço já.”

Ainda nem tinha mudado de roupa e aproveitou para o fazer antes de descer.

Quando chegou à cozinha, sentou-se à mesa que já estava posta e onde Alex a esperava. Ficaram os dois em silêncio, começaram a comer, se bem que ela andava mais a brincar com a comida no prato do que a comer efetivamente. Estava sem apetite. Por fim, falou.

“A culpa disto tudo é toda minha.”

“Não foste tu que foi para a cama com a Paola…” respondeu Alex.

“Mas tu também nunca terias ido, se não fosse por uma decisão estupida e egoísta minha. A Paola não estaria gravida, tu não a terias conhecido sequer, não terias sido ferido, não te terias ido embora, não teria ficado dois anos e meio sem ti. É minha culpa.”

Alex não respondeu.

“Alex, eu disse que faria tudo por ti. Esse filho é teu e vamos criá-lo.”

Alex ficou a olhar para ela durante algum tempo.

“Marie, não quero que queiras criar a criança por mim…”

“Alex,… tudo isto são as consequências da decisão que tomei e das minhas ações naquela noite. E eu tenho feito tudo para aceitar as consequências e fazer o que é certo, sobretudo perante ti.”

“Não quero que aceites esta criança como um castigo pelo que fizeste. Se é esse o teu estado de espirito,…”

“Não, Alex. Essa criança é um pedaço de ti. Vai ser irmão ou irmã dos nossos filhos. E eu vou criá-lo como se tivesse saído das minhas entranhas. Vai ser o nosso filho mas… tenho uma condição!”

“Diz.”

“Nós já não vamos para novos. Claro que a criança vai ter irmãos e família, mas… gostava que a Paola, mesmo à distância, estivesse envolvida na vida da criança. Se um dia algo nos acontecer, a criança terá uma mãe algures no mundo. Achas que a Paola concorda?”

Alex encolheu os ombros. 

“Não sei. Mas há uma maneira de saber.”

Agarrou no telefone e fez uma chamada de vídeo para Paola, que atendeu ao fim de uns poucos toques. A imagem dela apareceu ensonada no ecrã.

“Acordei-te?” perguntou Alex.

“Sim, mas não faz mal. Ia ter de acordar daqui a pouco tempo…”

“Olha, queria dizer-te desde já e antes de mais que a minha decisão se mantem. A criança vai ser criada por mim.”

Paola fez um ar preocupado.

“E a Marie?”

“Está aqui ao meu lado,” e virou o telemóvel para que Paola a pudesse ver “e estivemos a falar. A Marie também quer a criança, por isso, e podes acreditar no que te vou dizer, vai ser a melhor mãe do mundo.”

“A avaliar pela Patrícia e pelo Tiago, só posso acreditar em ti.” disse Paola com um enorme sorriso no rosto e lagrimas a caírem.

“Porque é que estás a chorar?” perguntou Marie.

“Não liguem, eu…” e respirou fundo “eu estou simplesmente feliz. Eu não queria matar esta criança, eu…” parou um pouco e depois respirou fundo e continuou “estou tão confusa…”

“Paola,” continuou Marie “é normal que te sintas assim. O teu corpo está-se a ajustar e vais andar num turbilhão de emoções, mas… O que quer que seja que precisares, eu e o Alex vamos estar aqui para ti. Mas queria pedir-te uma coisa.”

“O quê?” perguntou Paola meio receosa.

“Queria pedir-te que, mesmo à distância, estejas presente na vida da criança. Eu e o Alex já não somos novos e eu ia sentir-me melhor se soubesse que, além dos irmãos, se nos acontecer alguma coisa, a criança vai ter apoio.”

Paola ficou um pouco em silêncio, pensando no pedido.

“Sabem, nem tinha pensado nisso, sequer. Mas percebo e sim, claro que sim.”

Falaram mais um pouco, até Paola ter de se preparar para sair para o trabalho. Quando finalmente desligaram, Alex olhava para Marie com uma expressão que Marie não via desde os seus tempos de juventude. Alex agarrou-a, puxou-a para si, deu-lhe um abraço apertado e um beijo que a derreteu e depois só disse:

“Obrigado!”


Consequências (XXXVIII de XLIII)



Tinha passado um mês e meio desde o casamento de Patrícia.

Alex habituara-se à nova rotina, ou por outra, deslizara de novo para a sua antiga rotina de trabalho. Chegou ao seu gabinete, ligou o computador, foi buscar um café à copa, voltou e começou a responder a e-mails. O seu telefone tocou e ele viu com surpresa o número de Paola aparecer. Tinham falado apenas uma vez, de forma breve, quando ela chegou a casa ao Dubai, mas havia uma tensão entre os dois e Alex decidiu dar-lhe algum espaço. Mas foi com um enorme sorriso que atendeu.

“Olá, Paola”

“Alex.” A voz dela parecia emocionada “Está tudo bem?”

“Sim, vai estando. Não diria que está tudo bem, mas está tudo encaminhado.”

Houve um silêncio longo.

“Passa-se alguma coisa, Paola?”

Mais um longo silêncio até que ela diz de repente:

“Estou grávida!”

Alex sentiu uma súbita quebra de tensão, com a sua mente a tentar processar as palavras que tinham sido ditas e com pensamentos conflituosos a percorrerem-lhe a mente.

“Alex, estás aí?”

Ele teve de fazer um esforço para se recompor, mas a sua voz falhou quando perguntou, embora já soubesse a resposta.

“É meu?”

“Alex, eu não estive com mais ninguém desde a primeira vez que nós estivemos juntos. E pelo tempo, foi resultado no nosso fim-de-semana aí.” Alex ficou em silêncio, sem saber o que pensar. Ela continuou “Ouve, antes de começares a fazer filmes, ouve. Eu sei que isto complica tudo. Tu não querias isto, eu também não.”

“E o que é que queres fazer?”

“Alex, eu não quero esta gravidez. Não quero esta responsabilidade. Não estou pronta para isto. E não quero criar um filho aqui. Mas também não quero sair daqui. Se fosse de outro homem, já me tinha livrado da gravidez mas, é teu e eu não tive coragem para te mentir e esconder isto. Por isso, se quiseres, livro-me do problema com facilidade. Mas se quiseres que eu leve a gravidez até ao fim, eu faço-o por ti, mas não quero ficar com a criança.”

Alex sentiu o seu coração ficar pesado. Seria fácil livrarem-se do problema, seguirem em frente e não tocar mais no assunto. E ele já não era propriamente um jovem, aliás, não faltava muito para ser avô. E havia Marie e a vida que estavam a tentar reconstruir. Mas era um filho seu. Com Paola. E a ideia de simplesmente se livrar do incómodo enchia-o de uma angustia que parecia vir das suas vísceras.

“Paola, se levares a gravidez até ao fim, eu fico com a criança.”

“Tens a certeza? Como vão as coisas com a Marie?”

“Temos estado a avançar. Não estamos a tentar reconstruir o que tínhamos, mas estamos a tentar construir algo novo.”

“E isto não vem complicar tudo?”

“Claro que sim. Se calhar vem estragar tudo, mas… tenho de fazer o que é certo.”

“Alex, antes de tomares uma decisão definitiva, pensa uns dias. Liga-me quando assentares ideias em vez de decidires algo assim a quente.”

Ainda falaram mais um pouco, mas quando desligaram a chamada Alex sentiu o peso do mundo em cima dos ombros. Tentou focar-se no trabalho, mas era quase impossível. Não conseguia parar de pensar na conversa e, curiosamente, uma felicidade imensa parecia querer apoderar-se de si. Ao longo da manhã aquilo que tinha dito cimentava-se numa certeza. 

Quando saiu para almoçar avisou a sua assistente que não voltaria à tarde. Foi para casa, onde aproveitou o sossego para tentar organizar os seus pensamentos. Tinha de falar com Marie e o resultado desta conversa seria definitivo, para ele e para ela.

Quando Marie chegou, estranhou o carro dele já estar na garagem. Entrou em casa, que estava num lusco-fusco e encontrou-o na sala com um ar extremamente cansado e apreensivo. Foi ter com ele, deu-lhe um beijo como era normal, mas ficou preocupada. Mais ainda ficou quando viu dois copos e uma garrafa de vinho tinto na mesa de apoio.

“Passa-se alguma coisa, Alex?”

Alex respirou fundo.

“Precisamos de falar.”

Estas palavras encheram-na de pânico. Iria Alex acabar com ela? Iria ele embora? Se sim, porquê? Teria ela feito alguma coisa inadvertidamente? Sentou-se devagar, receosa. Alex serviu vinho para os dois, dando-lhe um dos copos.

“Marie, vou-te pedir para não me interromperes. Vou dizer-te uma série de coisas para te dar contexto e depois vou-te fazer uma pergunta. Aviso-te já que a pergunta que te vou fazer é provavelmente a coisa mais egoísta que te podia pedir. Mas tenho que pedir. E tu estás completamente à vontade para dizer não.”

Marie sentia o pânico a crescer dentro de si, mas limitou-se a assenti com a cabeça e bebeu o pouco de vinho.

“Não falámos nisto, mas creio que calculas que a minha relação com a Paola, embora de grande amizade, foi colorida com todas as cores do arco-íris.” Marie assentiu “Sabes, enquanto estive em tratamentos, ela provocava-me para me espicaçar, brincava comigo para me tentar animar quando eu duvidava de conseguir sequer sorrir. E eu brincava com ela a dizer que tinha de a convidar para um jantar. Ela recusava sempre, dizendo que a cantina não era muito romântica e que eu era um paciente e era contra as normas. No dia em que sai da clinica, quando nos despedíamos, ela disse-me que eu já não era um doente, eu convidei-a e… pronto. Calculas o resto. Eu não tinha estado com ninguém desde que sai daqui e para te ser franco, tinha medo de estar com alguém.”

Marie ia ouvindo tudo isto apreensiva. Será que ele queria voltar para a Paola?

“Tínhamos concordado que seria uma coisa de uma noite. Era para ser uma coisa de uma noite. Mas a amizade que tínhamos permaneceu. E eu dei comigo a tirar um fim-de-semana de vez em quando e ir ao Dubai passa-lo com ela. Mas não havia uma relação ou perspetiva de relação romântica. Eramos só dois amigos que passavam tempo juntos e que aproveitavam para ter sexo, porque não tínhamos mais ninguém. Além disso, por esta altura eu tinha a certeza que já terias tratado do divorcio e sentia-me livre. Mas, entretanto, apareceu o casamento de Patrícia, apareceu a tua carta, apareceu o facto de ainda estarmos casados e, quando decidi voltar de vez, embora não tenha falado disso com ela, ela sabia que nos dois íamos voltar. Aquele fim-de-semana foi a ultima vez que estivemos juntos e sabíamos que essa parte da nossa relação acabaria ali.”

“Alex,” não se conteve Marie “onde é que queres chegar com isto tudo? Vais-me deixar e voltar para ela?”

“Não. Nenhum de nós quer uma relação. Ela também tem algo complicado no seu passado e embora fale com um enorme à vontade sobre o assunto, nunca o aprofundou e suspeito que lhe tenha deixado mais marcas que aquilo que ela própria reconhece. Além disso ela não vai sair do Dubai e eu não me vejo outra vez naqueles sítios, por isso…”

Marie já não sabia o que pensar.

“Como eu te disse, aquilo que te quero perguntar e a coisa mais egoísta que te podia pedir. Não tens de responder já e não te levo minimamente a mal se disseres que não.”

A ansiedade nos olhos de Marie era quase palpável.

“Marie, queres voltara a ser mãe?”

Ela estava à espera de tudo, literalmente tudo, menos isto.

“Alex, eu… Sabes que a idade já pesa e não seria fácil…”

Alex parou-a.

“A Paola está gravida. É meu. As hipóteses são abortar ou deixar a criança crescer. A Paola esta disposta a levar a gravidez ao termo, mas não quer ficar com a criança. E eu tenho pensado muito desde hoje de manhã e não vou, de maneira nenhuma, matar um filho meu.”

Marie ficou estática a olhar para ele, em choque.

“Tu vais criar este filho?”

“Sim. Vou passar algum tempo ao Dubai antes de ele nascer para a ajudar e algum tempo depois, para ela se restabelecer, mas depois vou voltar com a criança e vou criá-la. E meu dever, minha responsabilidade e para te ser franco, quanto mais penso nisso, mais é a minha vontade também.”

Marie acabou o copo de um golo, levantou-se e murmurou “Tenho de pensar…” e retirou-se para o quarto.


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Consequências (XXXVII de XLIII)

Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a mensagem.

Consequências (XXXVI de XLIII)



Marie tinha tirado a segunda-feira de férias, para se recompor do casamento. Tiago tinha saído de manhã, ela tinha ficado a preguiçar na sala com um livro que tentava ler em vão, porque os seus pensamentos estavam constantemente a relembrar o dia anterior e apercebeu-se quando já anoitecia que se esquecera de almoçar, sentindo fome. Levantou-se e foi para a cozinha para ver se fazia qualquer coisa rápida, uns ovos mexidos ou assim, quando um ronco de motor familiar suou na rua ao mesmo tempo que a porta da garagem a abrir a assustou.

Só podia ser Alex, claro. Não tinha a chave da porta, mas tinha o comando da garagem no carro e ia entrar pela garagem. Lembrou-se de repente que estava de pijama. Lembrou-se de repente que se ele estava aqui, já teria jantado? Ficou em pânico indecisa entre correr para o quarto ou ver qualquer coisa para comer quando ele praticamente se materializa à sua frente.

Ela fica sem reacção e ele põe duas embalagens de comida chinesa na mesa e diz simplesmente:

“Trouxe jantar. Chop Suey de gambas, não é?”

Ela acenou. Não sabia o que mais fazer. Ele indicou-lhe a cadeira com um sorriso e ela sentou-se. Ele foi ao frigorífico, tirou uma garrafa de vinho branco, foi ao armário buscar dois copos e serviu os dois. Pegaram nos pauzinhos que acompanhavam a comida e começaram a comer em silêncio. Para um observador de fora, não fora o ar de Marie, nada pareceria incomum, uma espécie de rotina estabelecida durante anos.

Acabaram de comer, ele tirou dois cafés expressos que foram bebidos em silêncio e depois foi buscar um copo ao armário, duas pedras de gelo ao frigorífico, foi ao armário das bebidas e procurou o seu whisky, com o qual encheu o copo, sentou-se de volta na mesa, deu um gole de whisky que lhe soube pela vida.

“Tinha saudades deste whisky” confessou ele a Marie que continuava atónita. Depois disse finalmente.

“Acho que temos de falar.”

Levantaram-se, foram para a sala, sentaram-se no sofá e Marie deixou-se ficar em silêncio, observando o ar descontraído dele, que a desconcertava completamente. Aliás, ela ainda não acreditava no que estava a acontecer.

Alex ficou algum tempo só a olhar para ela, como que à espera, mas ela não sabia mesmo o que fazer. Ele finalmente começou:

“Não quero que digas nada para justificar alguma coisa. Aquilo que fizeste não tem justificação e tu sabias que eu sabia isso, mesmo quando tu te convenceste do contrário.

Não consegues calcular a dor que causaste, por isso nem te atrevas a pedir perdão por algo que nem sequer consegues compreender. E sabemos ambos que na verdade tu não o mereces.”

Ela ficou a olhar para ele. Aquelas palavras ressoavam nela, de alguma maneira. Mas ela não conseguia bem explicar o porquê.

“Dito isto, o que é que te passou pela cabeça pensares que podias humilhar-me daquela maneira?”

Ela ficou parada a pensar e só depois respondeu.

“Nunca houve ali nenhuma humilhação. Compreendo que tenhas sentido isso, mas se olhares bem para onde estávamos, toda a gente ali estava no mesmo barco. Todos iam passar pela mesma situação. Não é como se todos estivessem ali para assistir ao que aconteceu entre nós. A maior parte das pessoas que lá estava nem deu por nada. Não houve qualquer intenção de te humilhar.”

Alex acenou com a cabeça, aceitando a resposta.

“Porque é que quiseste fazer aquilo?”

“A resposta curta e óbvia é porque fui estupida.”

“E a comprida?”

“Bem, a comprida se calhar vai estar cheia de desculpas e justificações que são estupidas, como tu próprio já sabes.”

“Ainda assim, estamos aqui os dois. Calculo o que vais dizer, mas mesmo assim queria que tu tentasses explicar-me.”

Marie respirou fundo. O que é que ela poderia dizer?

“Sabes, durante anos ouvi as minhas amigas a falar das reuniões. Do quanto era excitante. Da imprevisibilidade. Da falta de risco, uma vez que não havia envolvimentos emocionais. Mas aquilo que mais me fez querer que acontecesse foi o que elas contavam que acontecia no dia a seguir, quando voltavam a casa e a maneira como elas e os maridos faziam amor com paixão e tesão depois daquela noite, mas, mais ainda, de como elas se sentiam ainda mais ligadas aos maridos depois da experiência. E eu comecei a imaginar isso contigo. E as minhas amigas, quando eu comecei a mostrar algum interesse, atazanavam-me para eu te convencer. Todas te achavam atraente e todas, sem excepção, queriam… Brincar contigo.”

“Porque é que nunca falaste disto comigo?”

“Alex, se eu falasse contigo acerca do facto de existir este ‘clube’ e do que as minhas amigas faziam, tu provavelmente ficarias mal disposto se eu sequer me continuasse a encontrar com elas. Quanto mais propor-te algo assim. O que é que terias feito se eu te propusesse ir a uma festa de swing, embora não fosse uma simples festa de troca de casais como todas as outras?”

“Provavelmente internava-te numa instituição para descobrirem o que se passava com a tua cabeça.”

“Estupidamente convenci-me que ias ficar zangado, mas quando passasses pela mesma experiencia, ainda que nunca a quisesses repetir, irias perceber… Eu tinha mesmo curiosidade em estar com outro homem uma vez na vida e tu… bem, eu conheço-te e se aproveitasses a tua noite de liberdade, ias deixar alguma mulher extremamente feliz. E quando eu soube que era a Lisa quem estava contigo fiquei tão feliz… Há mulheres bonitas mas a Lisa…”

Alex concordou.

“Fiquei um bocadinho preocupada quando a Lisa falou comigo depois de sair daqui, e só pensava em chegar a casa…”

Alex deixou o silêncio cair na sala durante algum tempo, enquanto continuou a beberricar o seu whisky. Depois perguntou:

“E satisfazeres a tua curiosidade valeu a pena?”

“Não. De maneira nenhuma. Nem na altura, nem nas consequências. Bem, na altura mesmo estava a valer, mas não pelo sexo em si. A verdade é que a excitação que sentia de estar a fazer algo… maroto, proibido, me estava a excitar a um ponto em que só conseguia pensar no que te ia fazer quando chegasse a casa, se a Lisa não tivesse dado cabo de ti.”

Alex assentiu. Acabou o whisky, levantou-se para se ir servir.

“Queres alguma coisa para ti?”

“Um vinho tinto, se não te importares.”

Voltou da cozinha com o whisky e entregou-lhe um copo de vinho tinto.

“E tu?” perguntou ela finalmente.

“Eu?” parou um bocado para pensar no que ia dizer a seguir “No momento em que me apercebi do que se passava, senti-me enganado, mais ainda quando percebi que parecias estar a querer esconder-te de mim. No momento em que te disse para virmos embora e tu preferiste continuar senti que não tinhas um pingo de respeito por mim e nesse momento cresceu em mim uma certeza de que não me amavas. Porque se amas, respeitas, mas tu descartaste o que te disse na cara e seguiste em frente. No momento em que me viraste as costas e saíste com outro homem, arrancaste-me o coração do peito, mandaste-o ao chão e espezinhaste-o. Acho que nunca vais saber o que senti.

Marie olhou para ele e disse:

“Se me tivesses dito isso anteontem, concordaria contigo. Mas ontem, quando Paola se despediu de ti com aquele beijo, eu percebi. Sabes, naquele momento senti isso mesmo. O meu coração a ser arrancado do peito. Mas lembrei-me também de uma conversa que tive aqui com a Lisa e o Fernando nesse Sábado, em que ele disse que esperava sempre que o numero dele fosse sorteado antes do dela, para não ter de assistir a ela sair com outro homem, e que quando não era ele preferia afastar-se e não ver.”

“Mas ele estava lá de livre vontade, não?”

“Sim, mas… foi uma conversa longa em que ele explicou porque é que o clube apareceu e o que é que o levava a participar e deixar Lisa participar. Resumidamente, e aparentemente é assim para a maioria dos maridos do clube, todos eles são profissionalmente bem-sucedidos, mas como sabes isso trás um preço: a ausência física. Mas todos eles amam as mulheres e o medo de que, por falta dessa presença física, elas se envolvam intimamente e emocionalmente com outros homens e acabem com os casamentos levou a que eles criassem este escape. Não é que eles não beneficiem também, mas não era o que eles queriam que acontecesse. Quando a Lisa percebeu que o Fernando dispensava completamente ir e só ia para tentar evitar que acontecesse alguma coisa e Lisa acabasse por se afastar, ela tratou de pôr fim às idas ao clube no momento. Desde aí, tornaram-se um casal exemplar. O Fernando viaja muito e normalmente é acompanhado por mim, que sou assistente dele, mas a maior parte das vezes a Lisa faz questão de ir também.”

“Sim, falamos anteontem. Estava à espera de ser insultado pela maneira como me portei com a Lisa e fiquei chocado quando me agradeceram.”

“Também não precisas de martirizar com o que aconteceu com a Lisa. Não sei se deste por isso, mas ela não se queixou minimamente e adorou estar contigo, mesmo no estado de espirito em que estavas.”

“Sabes que não me recordo quase do que se passou nessa noite? Tenho vagas recordações de a Lisa estar no carro a falar comigo acerca de ti, vagas recordações do que fiz… Acho que até tomar a minha decisão de partir naquela madrugada, tudo parece uma recordação de um pesadelo. Tenho uma ideia geral, mas nada de concreto. Mas naquele momento odiava-te tanto quanto te amava e sabia que se ficasse em casa e tu entrasses com um sorriso no rosto depois de passar a noite com outro homem, eu ia enlouquecer. E não ia interessar minimamente o que me dissesses. Eu não ia confiar em ti e ia passar a vida a pensar se já terias feito isto antes, com quem…”

“Percebo. Mas o que é que te fez voltar?”

“Como te disse ontem, estar à beira da morte, passar uma semana em coma induzido, duas semanas grogue com drogas numa cama de hospital sem saber se me ia conseguir pôr de pé outra vez e meses em fisioterapia mudam um bocado a perspectiva das coisas. E depois… A Paola disse-me algo uma vez que me ficou gravado. Para te castigar eu desisti de viver. Sabes que até ser ferido só saia do meu buraco para ir a algum lado com os miúdos. As únicas pessoas com quem tinha algum contacto eram colegas de trabalho e o pessoal que fazia a minha segurança. E depois convenci-me de que seguiras em frente com a tua vida e eu, um dia, ia acabar por seguir em frente com a minha, fosse onde fosse. Não fazia a mínima intenção de voltar.”

“Mas estás aqui!”

“Sim, estou.”

“Porquê?”

“Por causa da tua carta.”

“Carta?! Qual carta?”

Alex tirou umas folhas de papel dobradas do bolso do casaco e deu-lhas. Ela desdobrou as folhas, percebeu o que eram e percebeu finalmente que ele tinha usado as suas próprias palavras para começar esta conversa. Estava estupefacta a olhar para os papeis.

“Eu mandei estes papeis para o lixo. Eram só um desabafo. Quando soube que tinhas sido baleado só queria ir a correr para o teu lado… Como?”

“A Patrícia encontrou-os no lixo no dia a seguir, de manhã e guardou-os. E quando eu lhe disse que ou o casamento seria noutro lado qualquer ou eu não viria e ela perguntou porquê, disse-lhe que não queria mesmo enfrentar complicações por causa do divorcio. Foi quando ela me deu a carta e me disse que não estávamos divorciados.”

Marie apenas abanava a cabeça com um sorriso, não querendo acreditar.

“A vida é tão estranha, às vezes… E agora? Em que é que ficamos?”

“Agora… O que é que tu queres, Marie?”

“A ti, Alex. Quero-te a ti.”

“Sabes que é um caminho longo… Não vamos estalar os dedos e as coisas voltam ao que eram. Eu não sou quem era, nem tu és.”

Ela simplesmente acenou em concordância.

“Queres tentar?”

“Mais que tudo!”

Continuaram a falar pela noite dentro, pondo o outro ao corrente dos últimos dois anos e no fim da noite Marie foi para o seu quarto e Alex para o quarto de hospedes.

Marie estava um pouco triste por ele não estar na cama ao seu lado, mas imensamente feliz por estar, pelo menos, debaixo do mesmo teto.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Consequências (XXXV de XLIII)



Patrícia, embora absorta pelos convidados, observara tudo isto à distância, e vendo Paola sair e o ar do seu pai, rapidamente se dirigiu ao DJ que prontamente anunciou que chegara o momento da dança da noiva com o pai.

Alex, apanhado de surpresa e ainda com os seus pensamentos meio ausentes viu a sua princesa dirigir-se a si com um sorriso do tamanho do mundo enquanto a pista de dança clareava, deixando-lhe novamente o coração cheio. Patrícia arrasta-o para o meio da pista e começou a dançar com ele, aninhando-se.

“Gostas mesmo dela, não gostas?” perguntou Patrícia.

“Tu conheceste-a. O que é que há para não gostar? Ele esteve lá no meu ponto mais baixo, deu-me força e incentivou-me todos os dias durante meses e depois… Acordou-me! Como é que posso deixar de gostar?”

Patrícia sorriu.

“E a mãe?”

Alex não respondeu, porque não sabia ele próprio. Aninhou a filha de volta e acabaram a dança, sob os aplausos dos convivas.

Alex foi até ao bar, onde ia para pedir um whisky, mas lembrou-se que tinha o carro e pediu antes uma soda. Podia quase sentir fisicamente o olhar de Marie em si.

Acabou de beber, deixando o copo no balcão e dirigiu-se directo a Marie, de olhos colados nela, que simplesmente corou, ficando claramente embaraçada, e quando chegou ao pé dela simplesmente estendeu a mão, sem uma única palavra.

Ela, meio receosa, aceitou a mão dele e ele guiou-a para a pista onde começaram a dançar.

Marie aninhou-se nele, encostando a cabeça ao seu peito, sentindo-o e não conseguiu conter lagrimas de felicidade. Ele notou e falou finalmente, numa voz suave:

“Estás bem?”

Ela agarrou-o mais.

“Shhh!” disse ela “fica assim, fica só assim…”

Ele embalou-a até ao final da música e ela largou-o renitente. Ele conduziu-a de volta à mesa, agradeceu-lhe com um aceno e afastou-se, começando a confraternizar com outros convidados.

Patrícia e Tiago viam isto à distância com um sorriso do tamanho do mundo.

Quando quase todos os convidados já tinham dispersado, Alex apareceu ao pé de Marie e Tiago, que já se preparavam para partir e perguntou a Marie:

“Tens boleia para casa? Tenho de lá ir pôr o carro, de qualquer maneira…”

Marie hesitou, olhando para o filho, mas este, ao ouvir as palavras do pai só disse à mãe:

“Vejo-te mais logo.” e enfiou-se no carro partindo de imediato.

Alex levou-a até ao carro, ajudo-a a entrar, entrou em seguida e arrancaram. Fizeram o caminho em silêncio. O sorriso no rosto de Marie parecia quase iluminar o habitáculo do carro. Alex ia para entrar com o carro na garagem quando Marie o parou.

“Vais ficar?”

“Não, vou só pôr o carro na garagem e chamar um táxi.”

“Não. O carro é teu. Leva-o.”

Alex sorriu e acenou em aceitação.

“Estás diferente.” Disse ela quando ele ia já para abrir a porta, parando-o.

“É, tenho ouvido muito isso. Estou maior. Treino militar intensivo todos os dias tem os seus efeitos.”

“Sim, estás maior, mas não era disso que estava a falar.”

“Então?”

“Não sei… É difícil de explicar o que é.”

Alex sorriu.

“Sentir a morte por perto faz ter uma perspectiva diferente das coisas.”

Ela acenou, percebendo.

Ele saiu, abriu a porta dela e ajudou-a, levando-a à porta de casa. Ela abriu a porta e ele voltou-se para partir quando ela falou, parando-o.

“Alex,… volta para casa.”

O tempo pareceu ficar suspenso por algum tempo, mas depois ele seguiu e partiu.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Consequências (XXXIV de XLIII)



Estavam à porta da Igreja, Aguardavam que a marcha nupcial começasse a tocar quando Alex se voltou para a filha e comentou:

“O comportamento da tua mãe está um bocado estranho…”

“Isso é porque eu a avisei que hoje não queria dramas. Ela anda a evitar-te. Acho que se não a tivesse avisado ela tinha saltado para o teu colo esta manhã, quando partiu os pratos, mesmo com a Paola ao teu lado. Não calculas a crise de choro que houve na cozinha.”

Alex sorriu, percebendo perfeitamente. “Melhor assim…” pensou.

A marcha começou a tocar e foi com felicidade e orgulho que Alex escoltou Patrícia, entregando-a no altar. Esta irradiava beleza e felicidade, bem como o seu noivo que a aguardava. 

A cerimónia decorreu sem problemas. Os noivos cumprimentaram e agradeceram a todos os convidados, levaram o banho de arroz e seguiram para o local da recepção, onde tiraram as fotos com os convidados. 

A costumeira foto com os pais da noiva foi absolutamente normal, mas a com os pais de ambos colocou Marie ao lado de Alex pela primeira vez, e a tensão de Marie era palpável. Quando o fotógrafo pediu para todos darem as mãos, Alex sentiu Marie a tremer na sua mão. Quando o fotografo os libertou ela manteve a mão na de Alex por tanto tempo quanto pôde, largando-o em seguida e afastando-se rapidamente sem olhar para ele. 

Fora estes pequenos momentos, Alex aproveitava para passar todo o tempo com Paola, que reparava nos olhares furtivos de Marie.

Numa altura em que Alex se afastou, Paola aproveitou a oportunidade e, vendo mais uma vez Marie a observá-la, levantou-se e foi direita a ela.

“Marie, eu sou Paola.” Estendendo-lhe a mão.

Marie hesitou um pouco, mas estendeu a mão e cumprimentou-a.

“Muito gosto.”

Paola sorriu-lhe. Um sorriso aberto, quente e convidativo.

“Acho que temos qualquer coisa em comum…” Marie olhou para ela, como que interrogando-a “O Alex!”

Marie corou.

“Queria dizer-te que percebo o que querias fazer, porque o querias fazer, mas, se o Alex que conheço é igual ao que tu conheceste, custa-me entender que não previsses as consequências. E que espero que entendas o que causaste.”

Marie apenas assentiu, pálida, mas sem sentir que Paola a julgava. Antes, que a entendia.

“O Alex continua a construir muralhas à volta dele. E só tu é que as podes derrubar.”

Marie continuava a olhar para ela atónita. A expressão de Paola tornou-se dura, de repente.

“Mas também queria aproveitar para te avisar que se lhe partires o coração outra vez, eu apanho o primeiro voo do Dubai e arranco o teu do teu peito com as minhas mãos.”

Marie encolheu-se a estas palavras.

“Eu não estou com o Alex…” disse numa voz meio trémula.

A expressão de Paola suavizou-se e um sorriso enigmático bailou no seu sorriso e nos seus olhos. Levantou uma mão, fazendo uma festa no rosto de Marie e disse simplesmente na sua língua nativa:

“Ciao, cara.”

Voltou-se e caminhou em direcção a Alex que por esta altura as observava de perto da pista de dança, agarrando-lhe a mão e levando-o para a pista.

Ao fim de umas quantas danças e no fim de um slow, Paola disse:

“Esta na hora. Tenho de ir.”

“Tens a certeza que não queres que te leve ao aeroporto?”

“Não, precisas de estar aqui, para a tua filha. Além disso não gosto de despedidas embaraçosas…”

Abraçou-se a ele, elevou-se e beijou-o com, fervor, com paixão a que ele correspondeu. 

Marie sentiu um baque no peito, como se o seu coração se estilhaçasse e naquele momento percebeu tudo o que ainda não tinha percebido. Sentia-se completamente perdida, desamparada, como se o chão se estivesse a abrir debaixo de si.

Paola quebrou o beijo e virou-se caminhando para a saída sem olhar para trás. Apenas fez um pequeno aceno a Marie e saiu. Alex viu-a a partir com o coração pesado.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Consequências (XXXIII de XLIII)



O táxi parou às oito da manhã de domingo, Alex fez contas com o taxista e saiu em seguida, dando a volta ao carro e abrindo a porta, ajudando Paola a sair. Faziam um par esplendoroso, ele vestido com um fato ajustado Hugo Boss e ela com um magnifico vestido verde esmeralda até aos pés e com um ombro destapado.

Alex olhou para a casa e respirou fundo. 

“Estas bem?” perguntou Paola.

Ele não respondeu, apenas anuiu, e, dando-lhe o braço, aproximou-se da porta que estava aberta e por onde algumas pessoas fardadas passavam atarefadas levando embalagens para dentro da casa, de certeza alguma empresa de catering contratada para fornecer comida aos convidados da noiva antes de seguirem para a Igreja.

Alex parou antes de entrar, na duvida se o deveria fazer sem se anunciar ou não. Era estranho ter esta reacção numa casa que tecnicamente ainda era sua, mas que na prática não o era e de onde ele tinha saído há quase dois anos e meio sem ter qualquer intenção de voltar.

Tiago ia a passar da sala para a cozinha quando os viu ali parados, mudou de rumo imediatamente, cumprimentou Paola e depois atirou-se para os braços do pai. 

Marie saia da cozinha ainda a responder a alguém quando virou a cabeça, viu Alex e parou, ficando estática e deixando cair os pratos que tinha na mão que se escaqueiraram no chão com um estrondo.

Alex olhou para ela e deu-lhe um leve aceno com a cabeça.

Ela olhou para Alex, depois para Paola e claramente não sabia como reagir. Acabou por se virar e voltar a correr para dentro da cozinha.

“A tua mãe pareceu feliz por me ver.” Comentou Alex para o filho.

“Não ligues. Daqui a pouco passa-lhe. Já falo com ela. Mas o que é que estás a fazer aqui fora? Entra.”

As pernas de Alex pareciam mexer-se com um enorme esforço, arrastando-o finalmente para dentro da casa, ao mesmo tempo que ouvia a filha a descer as escadas e a perguntar “O que é que aconteceu? O que é que se partiu?” com Tiago a responder-lhe “Está tudo bem, a mãe deixou cair uns pratos e partiram-se, só isso.”

Entretanto ela chega ao fundo das escadas e vê o pai com Paola à entrada da sala e lança-se nos braços dele sem qualquer cerimónia.

“Pai. Até que enfim.”

Depois deu um abraço apertado a Paola.

“Pai, tenho de voltar para o quarto, que estava lá com a maquilhadora, mas não vás para lado nenhum, ouviste?”

Alex riu.

“Não, querida, não vou a lado nenhum.”

Entraram finalmente na sala. Alex olhou em volta e nada parecia ter mudado. Tudo parecia ter acontecido na noite anterior e ao mesmo tempo parecia também uma recordação distante.

“Tiago, vais ter de falar com alguém para nos dar uma boleia depois.”

“Não vieste de carro?”

“Não, vim de táxi. E se for preciso chamo um para ir, mas se houver boleia…”

“Não sejas parvo.” Disse Tiago, retirando-se por momentos e voltando com uma chave que entregou ao pai “Está na garagem. É melhor tirares o carro para a rua antes que chegue mais pessoal. Não te preocupes que está tudo em ordem. Tenho dado umas voltas com ele aos fins de semana, para o manter…” e depois acrescentou com um sorriso sacana “E além disso, aparecer em algum lado com um Mustang clássico abre muitas portas, se é que me entendes…”

Alex olhou para ele com um ar sério e disse:

“Filho, deixa-me dizer-te uma coisa que como teu pai me vejo obrigado a dizer.” Tiago levantou o sobrolho “ Quando encontrares a mulher certa, não a deixes fugir. Casa-te com ela e vive a tua vida.” Tiago assentiu, surpreendido com o ar sério do pai que continuou “ Mas enquanto não encontrares, diverte-te com as erradas.”

Desataram todos a rir e Alex pediu a Tiago para fazer companhia a Paola enquanto ele tirava o carro da garagem.

O carro estava ali, como ele o tinha deixado. Parecia estar pacientemente à espera dele. Entrou, sentiu o cheiro do cabedal dos estofos, sentiu o volante na mão, colocou a chave na ignição, ligou-o e ele despertou com um rugido. Carregou no botão para abrir a porta da garagem, retirou o carro, que estacionou na rua em frente à casa, e voltou para junto de Paola e Tiago, que estavam absortos a conversar um com o outro.

Tornou-se óbvio, ao longo da manhã, que Marie evitava entrar na sala a todo o custo. Alex apenas a viu de relance quando ela passava no corredor para ir para os quartos, no piso de cima. A casa foi-se enchendo de convidados, Muitos deles desconhecidos de Alex, provavelmente colegas a amigos da filha e outros família e conhecidos de longa data que, quando o viam, o cumprimentavam efusivamente.

A meio da manhã a noiva desceu finalmente, para se juntar aos convidados e posar para as fotos com todos eles. Alex não conseguiu conter uma lágrima de emoção quando a filha se chegou ao pé dele, deslumbrante no seu vestido de noiva.

“O meu bebé.” Disse-lhe ao ouvido enquanto a abraçava “Parece que ainda ontem andava contigo às cavalitas…”

“É para veres que estás a ficar velhote.” Respondeu a filha com um ar brincalhão e a irradiar felicidade “Mas vou ser sempre, sempre o teu bebé. Mas pode ser que daqui a algum tempo tenhas outro para levar às cavalitas…” continuou ela, piscando-lhe o olho.

Alex olhou para a filha com um ar intrigado, e depois sorriu.

“Já?”

“Pois, não estava planeado, mas fizemos tantos projectos nos últimos tempos que um concretizou-se…”

Alex abraçou-a novamente e disse-lhe ao ouvido:

“Parabéns, mamã.”

“Parabéns, avô.” Respondeu ela.

Daí a pouco Marie finalmente juntou-se aos convidados. Alex viu-a a descer do primeiro andar, com um vestido elegante e discreto. Mas nunca se aproximou ou interagiu com Alex. No entanto ficou extremamente surpreendida quando Lisa e Fernando chegaram e o cumprimentaram, bem como a Paola, como se fossem amigos de há muito.

Assim que teve uma oportunidade, Marie puxou Lisa para um quarto.

“Lisa, vi-te a cumprimentar o Alex e a rapariga que está com ele…”

Lisa sorriu.

“Não te ponhas a fazer filmes na tua cabeça, por favor. Ontem fui jantar fora com o Fernando e encontramo-los no restaurante. Acabamos por ficar à conversa e jantamos e saímos juntos a seguir. Não há mais história por trás.”

“Quem é ela?” perguntou Marie.

“A tua filha não te disse?”

“Sei que se chama Paola, é Italiana e foi a fisioterapeuta do Alex quando ficou ferido.”

“Sim, e ficaram amigos e o Alex fez questão que ela viesse. Mas ela tem avião ao fim da tarde, não vai ficar até ao fim da festa. Creio que tem de estar no Dubai amanhã de manhã…”

“Eles não vão ficar?” perguntou Marie com algum medo nos olhos, a imaginar que apenas veria Alex por umas horas antes de ele partir novamente.

“Ela não vai ficar. O Alex voltou permanentemente. Vai voltar ao cargo que tinha. Não tenhas medo, ele não vai para lado nenhum. E a Paola não morde. É muito simpática até. Acho que ias gostar de falar com ela.”

Marie recebeu todas aquelas informações, mas continuou sem saber o que fazer. Mas o facto de saber que Alex não iria embora acendeu uma esperança.

“Marie, agora vai-te compor, levantas o queixo e vais lá para fora cuidar dos convidados e ser a anfitriã perfeita. Hoje não é dia para lidar com estes esqueletos. Deixa-os no armário por mais um bocadinho.”

Marie olhou-se ao espelho, ajeitou-se, levantou o queixo e saiu do quarto já com um sorriso e uma disposição diferente.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Consequências (XXXII de XLIII)



Chegaram à cidade de origem de Alex na sexta-feira antes do casamento ao final da tarde. A longa viagem deixara-os exaustos, mas não o suficiente para não partilharem uma noite preenchida.

No sábado andaram às voltas pela cidade, com Alex a fazer questão de mostrar todos os locais de interesse a Paola. Ao fim da tarde voltaram ao hotel, vestiram-se a rigor, estando Paola deslumbrante naquele mesmo vestido que usara na primeira vez que estiveram juntos e saíram para ir jantar. 

“Esse vestido trás recordações…” observou Alex no caminho.

“Achei que seria bonito. Usei-o na minha primeira noite contigo, e uso-o na última.”

Alex sorriu e deu-lhe um beijo terno e Paola aninhou-se ainda mais nos seus braços naquele banco de trás do táxi que os levava ao destino.

Paola fez questão de ir ao melhor restaurante da cidade e acabaram no mesmo restaurante onde ele tinha estado com Marie naquela fatídica noite.

Foi aqui que Alex descobriu que o francês de Paola era perfeito.

“A minha avó era francesa…” explicou ela com um sorriso.

Estavam já a comer e conversavam animadamente quando a expressão de Paola, que estava de frente para a entrada, mudou.

“Que foi?” Perguntou Alex intrigado.

“Podes não acreditar no que eu te vou dizer, eu nunca tive tendências lésbicas, mas a mulher que está a entrar agora convertia-me.”

Alex, intrigado, tentou olhar discretamente e reparou no casal que entrava no restaurante. Fez um ar algo frustrado.

“Que foi?” Perguntou Paola “Conheces?”

Alex respirou fundo.

“É a Lisa.”

Paola ficou a olhar para aquela mulher perfeita que parecia deslizar no restaurante pelo braço com um homem, com um ar quase intocável.

“Esta é a Lisa?” Tentou confirmar com um ar completamente estupefacto.

Lisa e Fernando seguiam pelo restaurante para a mesa que estava reservada para eles, guiados pelo garçom. Lisa reparou no olhar insistente daquela mulher na sua direcção, quase incomodativo. Parecia extremamente admirada. Olhou de relance para o homem que a acompanhava e que estava de costas, quando passava e parou. Olhou bem para o homem com um ar admiradíssimo, levou as mãos à boca e exclamou:

“Alex!”

Fernando estacou de repente e perguntou a Lisa:

“O Alex?”

Lisa não se conteve.

“O que é que estas aqui a fazer?”

Alex respondeu com um ar meio acabrunhado, meio culpado:

“A jantar…”

Lisa caiu em si, de repente, olhou para a mulher, que ainda olhava para ela embasbacada e apresentou-se:

“Peço desculpa. O meu nome é Lisa e este é o meu marido, Fernando.”

Foi Alex quem falou.

“Esta é Paola, uma amiga.”

Depois das apresentações, Lisa continuou:

“Desculpem, mas foi mesmo uma surpresa ver o Alex aqui. Vieste para o casamento?”

“Claro. Não me ia perdoar se não viesse.”

“Desculpem a intromissão. Nos vamos seguir para a nossa mesa. Foi um gosto ver-te Alex e um gosto conhecê-la, Paola.

E seguiram. Fernando, que tinha ficado em silêncio, murmurou qualquer coisa a Lisa, que lhe respondeu. Pararam e Fernando voltou atrás.

“Alex, peço desculpa mais uma vez, será que podíamos falar?”

Alex sabia que provavelmente este era um dos problemas que tinha deixado para trás e que teria de resolver.

“Claro que sim. Quando quiser.”

“Que tal se nos juntássemos a vocês? A não ser que seja inconveniente…”

Tendo Alex contado todos os pormenores daquela noite a Paola, com detalhes de requinte, apenas olhou para ela, numa pergunta silenciosa e, tendo ela anuído, respondeu finalmente:

“É um gosto.”

Fernando falou com um garçom e uma mesa foi posta de imediato ao lado, sentando-se Lisa ao lado de Alex e Fernando ao lado de Paola. 

O casal recém-chegado fez o pedido e foi Alex que iniciou a conversa.

“Antes de mais, Lisa, tenho de te pedir desculpa por aquela noite. Não estava em mim e tu não merecias que te tivesse tratado como tratei.”

Lisa apenas sorriu e foi Fernando quem falou.

“Sabes porque é que quis falar contigo?”

Alex olhou para ele sem saber o que viria dali, tentando preparar-se para o que achava que merecia ouvir.

“Porque não sabia se ia voltar a ter oportunidade de te agradecer.”

Alex estava à espera de tudo… Mas não disto.

Foi Lisa quem falou.

“Podemos falar abertamente?”

Todos anuíram.

“Alex, sabes que eu só percebi que tu não fazias ideia do onde estavas metido até ser tarde demais.”

“Sim, eu sei.”

“A Marie sabia que ias ficar fulo, mas nunca pensou que tu simplesmente desaparecesses. Durante a tarde a seguir tentei ligar-lhe, mas quando não consegui, e levando em conta o estado em que eu sabia que estavas, comecei a ficar preocupada que tivesse acontecido algo de catastrófico. Quando cheguei a vossa casa dei com Marie quase catatónica. Pedi ajuda ao Fernando, conseguimos acalmá-la o suficiente para ela nos dizer o que se tinha passado.”

Foi Fernando quem continuou.

“Sabes, elas não faziam genuinamente ideia do porquê da tua reacção ser tão violenta. Isto deu azo a uma conversa que surpreendeu as duas. E um dos resultados dessa conversa é aquilo porque temos de te agradecer. Eu sei que foi o fim do mundo para ti, mas para mim e para a Lisa foi um aprofundar da nossa relação que nunca teria sido possível de outra maneira, se calhar. E vamos estar sempre gratos a ambos por isso.”

Alex olhava para eles, espantado. 

“E queríamos dizer-te isto, pessoalmente, já que não sei se algum dia nos veremos novamente com tempo para uma conversa.”

Alex sorriu finalmente.

“Eu vou ficar por cá. Teríamos tempo. Mas obrigado.”

O resto da refeição, depois de o elefante ser retirado de cima da mesa, correu com boa disposição, com o quarteto a acabar por sair para um bar com música ao vivo onde estiveram e dançaram até ao fim da noite. Lisa e Fernando deixaram Alex a Paola no hotel.

Finalmente aninhados um no outro, Paola cativou o olhar de Alex com aqueles olhos faiscantes e um sorriso que tinha uma ponta de tristeza por trás.

“É a nossa última noite.” Disse ela.

Alex anuiu com tristeza no olhar.

“Hoje… Quero que me ames!” Disse ela com um ar absolutamente sério.

E Alex, tomou-a, mergulhou nela, e ela nele e nessa noite entregaram-se totalmente.


terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Consequências (XXXI de XLIII)



Apesar de atazanar constantemente a cabeça do pai ao longo do Fim-de-semana, não conseguiu que este se comprometesse a ir a um casamento na sua cidade natal.

Aqueles dias acabaram, os meses foram passando e a data do casamento aproximava-se.

Alex pensava muitas vezes na conversa que tinha tido com Paola e era verdade. Para castigar a mulher tinha abdicado de tudo, até de viver. E a verdade é que, de alguma maneira ter estado perto da morte, ter duvidas se voltaria a andar, passar por todo aquele processo de reabilitação, deu-lhe outra perspectiva sobre a vida.

Tinha a certeza de que ela já teria seguido em frente e que ele seria já só uma memória. As palavras que ela escrevera mais para ela própria que para ele, aquele desabafo… Havia que resolver os assuntos de uma vez por todas. E ele queria estar perto dos netos, quando eles aparecessem. Queria reclamar a sua vida de volta.

Tudo começou com um simples telefonema.

“Alex, viva, tudo bem contigo?”

“Tudo bem Paulo. Olha, o tipo ainda quer vir para aqui?”

“Quer pois. Tu estas finalmente farto disso, não?”

“É um tudo nada monótono e quando não é a animação não é saudável.”

Paulo riu-se. 

“Tudo bem, só te peço que o treines por umas duas semanas e depois podes sair. Mas já agora, queres ir para onde, para ver onde te encaixar?”

“Quero ir para casa.”

“Ok. Ficas a saber que, seja qual for a tua posição, mesmo que seja o teu antigo lugar, vais manter o vencimento e as regalias que tinhas ai. É uma espécie de agradecimento por teres passado pelo inferno.”

“Acredita que gosto de saber isso. E olha, não me importava com a minha antiga posição. Quero ter um bocado de tempo para a família.”

“Fazes bem. Vou falar com o tipo e aviso-te quando ele chega. Quando é que queres partir?”

Que tal de hoje a três semanas? Deve dar tempo para ele chegar e para eu lhe passar o trabalho, e tenho um compromisso aí a que não posso faltar nesse fim-de-semana.”

“Perfeito. Vemo-nos aqui então se segunda a três semanas.”

Desligaram a chamada e em seguida Alex ligou outro numero.

“Alô bonitão.” Respondeu a voz sensual do outro lado.

“Alô Paola. Tem planos para daqui a três semanas?”

“Sabes que ainda que tivesse, mudava-os.”

“Bem, não sejas tão rápida a responder antes de saberes onde te queria levar…”

“Seja onde for, levas-me sempre ao céu…”

Alex sorriu.

“Já te disseram que és uma provocadora?”

“Já se me constou. Mas então qual era o teu plano?”

“Seres a minha companhia no casamento da minha filha.”

Caiu um silêncio.

“Alex, não sei se é boa ideia…”

“Ouve. Eu vou sair daqui. Vou voltar para casa. Pensei muito no que tu disseste há uns tempos e acho que tenho de enfrentar esta situação de uma vez por todas. Quando partir de hoje a três semanas, já não volto.” Ele sentiu a ponta de tristeza do outro lado, mas continuou “Eu sei que aquilo que temos é casual. Era para ser, foi e é. Uma relação entre nós nunca esteve nas cartas e tu foste bem explicita em relação a isso na nossa primeira saída e sei que continuas a achar o mesmo. Mas, aparte isso tudo, és uma amiga especial, apoiaste-me ao longo de meses e agora voltamos a ver-nos se voltarmos a ver-nos. Queria que viesses comigo, que passasses o fim-de-semana lá, em jeito de despedida, e que partilhasses comigo a felicidade da minha filha, que também já te conhece.”

Paola ouviu-o emocionada.

“Alex, se fazes questão, eu vou. Sabes perfeitamente que a amizade entre nós vai ficar. Mas sim, é possível que não nos voltemos a ver. Mas será que a minha presença não vai causar problemas?”

“Já lá há problemas para resolver de embarda. Mais um, menos um…” disse ele com riso na voz. Ela riu também e disse finalmente:

“Claro que vou, Alex.”

E quando este telefonema chegou ao fim marcou outro numero em seguida.

“Patricia?”

“Sim pai.” Respondeu a voz animada do outro lado.

“Só para te dizer que vou.”

“Até que enfim. Estava difícil. Quando é que chegas?”

“Não te preocupes eu trato de mim. Eu apareço durante a manhã de domingo. Mas…”

“Mas…?”

“Levo companhia.” Um silêncio longo fez-se sentir “Há problema?”

“A Paola, certo?”

“Sim.”

Ouviu a filha a respirar fundo.

“Tudo bem, pai. Só quero que apareças. Quero ter-te aqui nem que seja só por um dia.”

Alex sorriu, omitindo que ia ficar.

Acabaram o telefonema e, estranhamente, sentiu um peso a querer levantar de cima de si.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Consequências (XXX de XLIII)



Alex passou os meses seguintes mergulhado no seu novo normal. A sua rotina dividida entre a casa onde morava e a sede da empresa, com algumas ocasionais escapadas de fim-de-semana ao Dubai.

Mas houve um dia em que recebeu um telefonema de Patrícia que lhe pareceu estranho. Atendeu assim que viu o nome dela aparecer no visor.

“Olá, filha.”

“Olá pai.”

“Está tudo bem?”

“Sim, está tudo. Olha estou a ligar-te para tentar combinar encontrarmo-nos. Precisava de falar contigo.”

“Acerca de…?”

“Temos de falar pessoalmente. Não é coisa que queira falar por telefone.”

“Mas é alguma coisa de grave?”

“Não, pai. Não é nada de grave, está descansado. Só que é algo que quero falar pessoalmente.”

Alex pensou um pouco.

“Então e quando é que te dava jeito?”

“Bem, em qualquer fim-de-semana que tenhas livre, ou assim…”

“E queres ir a algum sítio em especifico?”

“Não. Só quero mesmo falar contigo.”

Alex consultou a sua agenda.

“Este próximo fim-de-semana é impossível, mas no outro dá para ti?”

“Sim, dá.”

“OK, então vou tratar do avião…”

“Pai, vou levar uma pessoa comigo.”

“Uma pessoa…” pensou Alex intrigado.

“Tudo bem.” Acabou por responder “Podes trazer quem quiseres, com uma exceção.”

“Eu sei, pai. Não te preocupes. Não te faria isso.”

Falaram mais um pouco, a combinar pormenores, e acabaram a chamada, que deixou Alex extremamente intrigado. O que é que seria tão importante que tinha de ser falado em pessoa?

Uma semana e meia depois esperava a filha no Aeroporto. Esta, assim que o viu e como era costume correu para ele, abraçou-o e cobriu-o de beijos.

“Que saudades, pai.”

Alex apertou-a contra si. Também para ele as saudades eram demais.

“Pena que o teu irmão não veio…”

Patrícia soltou-se do abraço e disse ao pai:

“Fui eu que lhe pedi para não vir desta vez.”

Só então Alex reparou no rapaz que os observava de forma tímida a poucos metros, claramente não sabendo o que fazer. Foi Patrícia quem tomou a iniciativa, agarrando a mão do rapaz e arrastando-o para a frente de Alex.

“Pai, este é o Josué.”

O rapaz estendeu a mão, claramente intimidado por Alex, que lhe apertou a mão com vigor.

“Olá Josué.”

“É um prazer conhecê-lo, senhor. Tenho ouvido falar muito de si.”

Alex olhou para a filha com uma expressão interrogativa no rosto.

“Pai, o Josué é meu namorado.”

Isto mudava tudo. Alex encarou o jovem com um ar sério e sobrolho levantado, como que avaliando se este espécime estava à altura da tarefa que parecia estar a propor-se.

“Teu namorado? Há quanto tempo?”

“Não que tenhas muito a ver com isso, mas tínhamos começado a namorar há pouco quando tu partiste.”

“E só agora é que sei?”

“Pai, não é como se estivesses ali ao lado. Estás do outro lado do mundo.”

A estas palavras, Alex encolheu os ombros. Por mais que quisesse ser presente na vida dos filhos, não podia escapar à realidade dos factos. Não havia proximidade e isso fazia com que perdesse o fio à meada da vida dos que lhe importam.

Saíram do Aeroporto e foram para uma casa alugada pelo fim-de-semana. Quando chegaram, Patrícia ficou surpresa por ver Paola na cozinha a acabar o almoço para todos. Patrícia apresentou Josué a Paola e depois vieram para o terraço, onde o pai apreciava um aperitivo antes do almoço.

“Pai, o que é que se passa com a Paola?”

“Nada, filha. Ficamos amigos e de vez em quando, quando tenho uma folga, venho até aqui e passo uns dias com ela…”

“Amigos, hã?”

“Sim, amigos.” respondeu Alex com um sorriso sacana.

“Aposto que já coloriram bastante esta amizade.”

“Não sejas indiscreta, menina. Não te fica bem.” Respondeu Alex, o que fez a filha soltar uma rizada.

“Pelo menos já percebo porque é que estas assim.”

“Assim como?”

“Mais leve, como se te tivesse saído um peso dos ombros.”

Entretanto interromperam a conversa quando Paola os chamou para almoçar.

Comiam em relativo silêncio com Alex a observar Josué pelo canto do olho e este quase sem conseguir levantar os olhos do prato. Ele começava a perceber o que se passava, mas queria que a filha ou Josué dissessem alguma coisa de uma vez por todas.

“Patrícia, o que querias falar comigo afinal?”

“Caramba, que direto. Estás assim tão curioso?”

“Estou. Há uma semana e meia que ando a pensar o que poderá ser, por isso…”

Patrícia sorriu e depois deu uma cotovelada em Josué, que finalmente levantou os olhos do prato encarando a expressão séria, até austera, de Alex.

“Senhor Alex,” começou o jovem com a voz não muito segura “fui eu quem pediu à sua filha para falar consigo.”

Alex manteve-se calado e imóvel, o seu olhar sem vacilar. O rapaz estava cada vez mais nervoso e Alex, embora não o demonstrasse por fora, ria-se por dentro.

“Então… Não há altura como agora. Desembucha, rapaz.”

O jovem hesitou, mas olhou para o sorriso de Patrícia, que lhe pareceu dar alento e continuou:

“Sabe, eu…” O rapaz parecia à beira de um ataque de pânico.

“Tu o quê?” perguntou Alex, inclinando-se para a frente na cadeira de forma quase ameaçadora. O rapaz engoliu em seco e disse rapidamente:

“Queria pedir-lhe a mão da sua filha em casamento.”

Alex inclinou-se novamente para trás, com o mesmo ar sério. Depois olhou para a filha e perguntou:

“Ele não é sempre assim, pois não?”

“Não, pai. Mas ele está um bocadinho intimidado.”

Paola só observava tudo isto com um sorriso enquanto o jovem parecia querer encolher-se na cadeira e desaparecer.

“Intimidado? Com quê?”

“Ora, contigo… Não é por nada mas bem te podias mascarar de Wolverine e andar por aí em tronco nu. Acho que não ficavas a dever muito ao original. És um bocadinho intimidante.”

Alex encolheu os ombros e sorriu finalmente enquanto Paola se desmanchava a rir com a situação.

“Então mas vocês não falaram já disto? Não aceitaste já?” perguntou Alex a Patrícia.

“Sim, mas ele insistiu em falar contigo pessoalmente… e para te ser franca, concordo com ele.”

Alex esticou a mão a Josué, que lhe apertou a mão, e disse-lhe:

“Bem-vindo à família.”

Mais tarde, enquanto ambas as mulheres estavam na conversa a arrumar a cozinha e depois dos cafés, Alex arrastou Josué para o terraço, sentaram-se numa pequena mesa com digestivos na mão.

“Presumo que já conheças a tua futura sogra…”

“Sim, conheço, claro.”

“E sabes o que se passou?”

“A Patrícia contou-me tudo na altura. Ela passou bastante mal.”

“Ok, então à luz disto, fica ciente do que te vou dizer: se alguma vez tentares fazer alguma estupidez em relação à minha filha eu prego-te os tomates a uma tábua antes de te dar um tiro na cabeça.” O rapaz olhou para ele de olhos muito abertos “E não, não estou a brincar. Por outro lado, se ela fizer algo de mesmo muito estupido, antes de falares seja com quem for, falas comigo. Percebeste?”

O rapaz olhou para ele de uma forma assustada, mas anuiu.

“Ótimo.” Continuou Alex “Agora anda cá e dá-me um abraço.”

O rapaz respirou fundo, sorriu e abraçou o futuro sogro. Alex continuou:

“Estou a confiar-te aquilo que é mais precioso para mim. Eu sei que não percebes agora, eu não percebi quando estava na tua situação, mas um dia vais perceber.”

Falavam todos, mais à tardinha, quando Alex perguntou:

“Então e já planearam alguma coisa? Sítio, data?”

“Não, pai. O Josué queria pedir a tua permissão primeiro.”

“Bem, temos de pensar onde vai ser o casamento…”

“Pai, vai ser em casa, obviamente.”

Alex olhou para a filha.

“Não pode. Ou então não vou poder estar presente.”

“Porquê?”

“Porque assim que o avião pousar devem levar-me direto para uma esquadra e lá vem os advogados…”

“E porque é que achas que isso ia acontecer?”

“Por causa do divorcio…”

Patrícia olhou para o pai, abanou a cabeça, levantou-se e disse-lhe:

“Aguenta aí esse pensamento. Venho já.”

Quando voltou trazia umas folhas de papel cuidadosamente dobradas que entregou ao pai.

“Lê isto, por favor.”

Alex reconheceu a caligrafia espalhada pelas folhas e respondeu de imediato:

“É melhor não. Não estou interessado em mentiras ou justificações…”

Patrícia respirou.

“Pai, isto foi escrito para ti, mas nunca foi escrito com a intenção de leres. Encontrei estas folhas amachucadas no lixo no dia a seguir a saber que tinhas sido baleado e resolvi guardá-las. Por isso, lê.”

Alex olhou para Paola sem saber o que fazer. Nem sequer queria pegar nos papeis que a filha lhe estendia, mas o olhar calmo de Paola e a afirmação dela fizeram com que ele se decidisse e agarrasse os papeis.

Leu as palavras com calma e com uma expressão dolorosa, debaixo de um olhar preocupado de Paola que mantinha uma mão no seu braço, como que para o reconfortar e acalmar. Quando ele acabou de ler a sua expressão estava ilegível. 

“Ela nunca tratou do divorcio?”

“Não,” respondeu Patrícia “Nem vai tratar. Por isso não tens desculpa absolutamente nenhuma para não ir a casa para o meu casamento. E se não fores só por causa da mãe… Vais descobrir o que é uma filha furiosa, percebeste?”


sábado, 7 de dezembro de 2024

Consequencias (XXIX de XLIII)



Ele deixou-a entrar à frente no quarto enquanto ficava para trás, para fechar a porta. Ela entrou vendo o quarto apenas iluminado por umas luzes led de ambiente no tecto e pelas luzes que entravam pelas enormes janelas, dos edifícios na baia, seguido por um mar que se esbatia num horizonte longínquo com um “Uau!” e, quando ele ia a acender a luz ela parou-o:

“Não acendas. Já viste esta paisagem?”

Para ele a beleza da paisagem, por mais de cortar a respiração que fosse, era neste momento realçada pela visão da presença dela, de olhos fixos no mundo lá fora, uns metros à sua frente. Era um sentimento, um momento. Talvez por tudo o que tinha passado até aqui, sabia que este momento iria ficar com ele. Não a noite, mas este singelo momento pontilhado por luzes num sitio que lhe era estranho, e ao qual a única ligação que teria era este momento.

Ela virou-se, reparou no olhar dele, sério e profundo. Sorriu-lhe. Sentia a hesitação dele. Percorreu os poucos metros que os separavam, prendeu-o no seu olhar. Ele olhava para aqueles olhos claros e límpidos que pareciam reflectir as luzes do mundo lá fora e pareciam faiscar completamente hipnotizado e ao mesmo tempo receoso, como se quisesse soltar-se daquele encantamento. Mas ela não o deixou e aproximou-se e colocando os braços à volta do seu pescoço colou os lábios aos dele com uma suavidade que o surpreendeu. Ela sentiu-o a ficar tenso nos seus braços. Quebrou o beijo, chegou ao seu ouvido e disse:

“Não há expectativas, não há ilusões, nem sequer há amanhã. Há esta noite e tu apeteces-me desde que ti vi pela primeira vez. Não há passado, não há futuro. Há agora.”

E dito isto voltou a colar os seus lábios aos dele, forçando a sua língua, envolvendo-o, devorando-o e dando-lhe um gosto do seu desejo que ele finalmente começou a corresponder.

Ela afastou-se dele, puxou-o para o sofá, onde o fez sentar, deu uns passos para trás, desapertou o vestido e este fluiu como agua até se depositar aos seus pés, revelando o seu corpo gloriosamente nu. Caminhou para ele, ajoelhando-se à sua frente e deslizou pelo seu corpo acima, procurando um outro beijo, mais calmo, menos voraz, enquanto ia-lhe desapertando os botões da camisa e acariciando o seu peito e tronco enquanto o fazia e quando acabou deslizou a mão pela sua erecção, por cima das calças e soltou uma risada.

“Esta já vem mais a propósito…” disse com uma gargalhada, fazendo-o rir também. Despertou-lhe cinto e tirou-lhe as calças e depois os boxers, revelando-o, agarrou-o, sentiu-o massajou-o.

“Vai devagar.” pediu ele meio embarassado “Já faz uns dias…”

“Não te preocupes…” disse ela com um ar malandro “ Se disparares antes do tempo eu sei maneiras de… recarregar…”

E com isto ela envolveu-lhe a glande com a língua, tomando-lhe um primeiro gosto e surpreendendo-o, descendo com a língua devagar ao longo do seu sexo e subindo novamente, agarrou-o com os seus lábios e sorveu-o devagar.

Continuou a beijá-lo, chupá-lo, massajá-lo, sempre com os olhos nos dele e com uma expressão de satisfação que parecia aumentar ainda mais as sensações de prazer que preenchiam os sentidos dele e que aumentavam de intensidade a cada momento. As sensações tornaram-se incontroláveis e ele acaba por se ver repentinamente apanhado por um orgasmo que abana todo o seu ser enquanto se sente sugado por aquela boca que não lhe dá descanso.

Ele finalmente quase colapsa e ela vem beijar-lhe a boca ainda plena do seu sabor, que partilham os dois plenamente, num beijo apaixonadamente voraz.

“Agora que já resolvemos o problema das explosões mais imediatas…” disse ela, com um fogo liquido no olhar “…que tal tratarmos das mais prolongadas?”

Ele levantou-se, pegou nela ao colo e levou-a para a enorme cama onde a deitou com suavidade. Livrou-se finalmente da camisa e ajoelhou-se no chão, no meio das pernas dela, cobrindo de pequenos beijos o interior das suas coxas, até finalmente sentir o adocicado sabor dela, provocando-lhe um arrepio e fazendo-a soltar um gemido. Ele continuou a lambê-la, a chupá-la, ora provocando-a suavemente ora lambendo ou chupando com intensidade. A respiração dela aprofundava-se e ele tentava segui-la instintivamente variando a intensidade ora para a provocar, ora para lhe dar precisamente o que ela queria.

Ela, que já tinha tido alguns bons amantes, sente-se a derreter na boca deste homem uma e outra vez, sem que ele lhe dê descanso. Cada vez que se sente a descer à terra uma nova onda toma conta do seu corpo e dos seus sentidos, leva-a a um novo pico, perde noção do tempo e até de si, deixando-se envolver pelas ondas de prazer que a fustigam.

Finamente, absolutamente rendida, olha-o nos olhos com ferocidade puxa-lhe a cabeça e diz de forma quase gutural “Quero-te” e ele obedece ao chamado dela, segue-a, colando a boca à dela, cheio do sabor do seu prazer, e começa a invadi-la lentamente sentindo a impaciência dela debaixo de si enquanto as ancas se empurram de encontro a ele, tentando ter mais dele, e ele entra finalmente por inteiro nela, de uma única vez, fazendo-a soltar um grito dos pulmões enquanto crava as unhas nas costas dele e o olha nos olhos e suplica “fode-me” a que ele acede com gosto, tomando conta dela, acompanhando-a, perdendo-se ela, rendendo-se por inteiro.

A noite prolongou-se até o sol começar a lançar a sua luz no horizonte, e só então se renderam, exaustos, satisfeitos.

Paola foi acordada suavemente.

“Tenho de ir. Tenho avião marcado daqui a pouco” disse-lhe Alex com um sorriso que mascarava a pena que tinha de a deixar agora. 

Ela ergueu-se, deu-lhe um beijo apaixonado e disse-lhe com um sorriso que não deixava dúvidas: 

“Sempre que estiveres por perto, tens o meu número.”

Ele olhou para ela com um sorriso malandro e respondeu:

“Isso é um bom incentivo para ir aparecendo…”

Ela piscou-lhe o olho.

Ele deu-lhe mais um beijo, pegou nas malas e saiu.

Horas depois estava de volta à sede do seu trabalho. A primeira coisa que fez, assim que chegou acompanhado por Miguel foi falar com o pessoal da segurança. Fez questão de agradecer pessoalmente a todos eles. Só depois voltou ao que era agora a sua casa, sendo efusivamente saudado pelas suas duas empregadas. 

Nessa noite recebeu um telefonema do seu colega Paulo.

“Viva, Paulo, tudo bem.”

“Tudo bem. Já estas de volta. Por esta altura já deves estar com saudades dos quartos do Dubai, não?”

“Não, está tudo bem. Conta coisas.”

“Olha, só para te dizer que temos um substituto para ti.”

“Um substituto?”

“Sim. Um gajo ambicioso e com sangue na guelra. E a quem também interessa o dinheiro, claro.”

“Mas querem substituir-me?”

“Não. Mas quero dizer-te que quando quiseres sair desse buraco não vai haver impedimentos. Basta dizeres. Mas enquanto ai quiseres estar, o lugar é teu. Todos vemos o trabalho que tens feito, mesmo quando estavas numa cama do hospital. Ninguém vai fazer nada nas tuas costas. Mas quando quiseres…”

Alex sorriu.

“Obrigado Paulo, fica anotado.”

Continuaram a falar de outros tópicos até ao fim da chamada e o assunto caiu ali.

A vida voltou a cair numa relativa rotina, se bem que ele agora estava muito mais alerta para o que o rodeava. 

E agora, de vez em quando, fazia uma viagem de fim-de-semana ao Dubai.