terça-feira, 21 de julho de 2015

Como ser um garanhão (edição especial para Marrões) - VII

VII – Não estás preparado para lidar com coisas destas

Uns dez minutos depois o Abel telefonava ao Francisco a dizer-lhe que não precisava de vir, só precisava de esperar por ele, uma vez que a Lita já tinha carregado a carrinha, e foi-se embora logo depois enquanto a Lita continuava a andar para a frente e para trás a trazer as suas coisas e a arrumá-las de imediato no quarto.
Apesar de eu e a Cris nos oferecemos para ajudar, ela recusou, dizendo que não era muita coisa e que estava despachada num instante.
As últimas coisas que trouxe foram uma consola de jogos e alguns acessórios.
-Isso é uma Wii? – Perguntei eu, intrigado. -Mas tu és “gamer”?
-Não, não! Só a uso parra fazer exercício. É uma das maneirras de manter a forrma! – e tira um acessório de uma caixa – Só a uso com isto!
-Um tapete de dança? – Perguntou a Cris.
-Sim. Adoro dançar. Querem ver?
Ajudei-a a ligar a consola à televisão, ligámos o tapete, ela carregou um jogo de dança na consola.
-Vejam lá se não é um bom exercício…
E arrancou o jogo!
No ecrã aparecia alguém a mostrar os movimentos que ela copiava. Saltava, pulava, mexia-se…
…Veio-me de repente à ideia um velho reclame que fez história na televisão Portuguesa a uma revista, em que uma matulona (salvo seja, que ao lado da Lita não parecia assim tão matulona) saltava à corda…
…E ela continuava a mexer-se de uma maneira impressionante. A consola só anunciava, praticamente a cada passo:
-Perfeito! Perfeito! Perfeito!
Quer eu quer a Cris olhávamos completamente babados para os movimentos daquele corpo. Quando a música chegou ao fim ela voltou-se para nós e perguntou:
-Então? Que tal?
E respondemos ambos os dois, em conjunto um com o outro e numa sincronia que parecia treinada:
-Perfeito!
-Obrigada, queridos. Não se importam que eu agora vá tomar um duche? É que isto das mudanças e da dança deixou-me toda suada…
-Claro que não. Afinal estás em casa não é?
-Pois é, claro! E vocês são minhas duas melhores amigos! Vou só buscar as minhas coisas para a casa de banho e vou tomar o meu duche!
Ela foi ao quarto para ir buscar as suas coisas e nós não conseguimos despregar os olhos dela. Não era possível que a hipótese posta pelo Abel fosse verdade. Não era! Ponto! O mundo não podia estar assim tão distorcido! E pensando nisso, olhando para ela, a ser verdade quase tinha vontade de ser gay…
…Eu disse quase!
Mas a dúvida roía-me por dentro!
-Temos de descobrir se ela é trans ou não!
-Se for, havemos de descobrir mais tarde ou mais cedo… - respondeu a Cris.
-Não estás a perceber. Esta dúvida está-me a corroer por dentro. Eu já nem sei o que pensar…
-Tás é embasbacado, mas isso passa-te!
-A sério, quando ela estiver a tomar banho tu vais à casa de banho e tentas descobrir…
-Porquê eu? Porque é que não vais tu?
-Não achas que seria um bocado estranho eu ir à casa de banho com ela a tomar banho lá?
-Hum! Bem visto! – e ficou a matutar um bocadinho na ideia.
-Vá lá… - insisti eu.
-Eh páh, não! É melhor não!
-Dou-te a minha colecção dos fantásticos X-Men!
-Pff! Como se eu quisesse isso para alguma coisa…
-Entra a Cristal…
-…e?
-É uma mutante que está numa banda, toca guitarra e é toda Punk Rocker…
Estávamos nisto, meio aos cochichos, quando ela passa enrolada numa toalha e nos diz com o ar mais alegre e simpático do mundo:
-Assim que eu sairr do banho vou preparar o melhorr jantar do mundo aos meus novos melhorres amigos!
E entrou para a casa de banho!
-Uma mutante Punk Rocker e que toca guitarra, disseste tu? – Perguntou-me a Cris, trazendo-me de volta à terra.
-Ya! Aposto que a ias curtir um molho!
-Ok, eu faço isso!
-Mesmo?
-Páh, ya! Também tenho de admitir que estou um bocadinho curiosa…
Tirei o meu telemóvel do bolso, liguei a câmara e passei-lho para a mão.
-Toma. Se conseguires tira uma foto.
-Mas tu tás parvo?
-Não, mas não percebes… Se eu não vir vou continuar sempre na dúvida…
-…se aquilo que andas a imaginar à noite faz de ti gay, não é? Óh homem de pouca fé…
-Vá lá, vá lá, vá lá…
-Pronto, tá bem, dá cá essa porcaria… - disse ela, arrancando-me o telemóvel da mão de forma decidida.
Abriu só uma fresta da porta da casa-de-banho e disse:
-Lita, não te importas que eu entre? É que tou mesmo à rasca para dar uma mija…
-Não, clarro, podes entrar.
E ela entrou. Ficou ali a pensar como é que faria a coisa sem ser notada. Considerou pôr o telemóvel para lá da cortina, de lado, mas acabou por achar que a melhor opção era tentar tirar uma foto de cima quando notasse que ela estava de costas. Tentou posicionar o telemóvel o melhor possível e, conforme tirou a fotografia, a cortina abriu-se de repente, o que a fez quase largar o aparelho e apanhar o susto da sua vida enquanto aqueles braços se esticavam para a frente direitos a ela e ela tentava recuar para não ser apanhada e pensava “Ó fosga-se! Má ideia, má ideia”.
-Desculpa Crrrris, podes passar-me a toalha? Esqueci-me de a trazer para aqui e não vejo nada, tenho sabão nos olhos…
Por momentos ficou muda, com o coração a bater em passo acelerado enquanto tentava raciocinar, registando depois as palavras dela e ganhando alguma presença de espírito:
-Sim, claro, pera…
Escondeu o telemóvel no bolso de trás das calças, agarrou a toalha e deu-lha, começando ela a limpar-se.
-Desculpa ter-te assustado! Não era minha intenção… Mas pareces abalada… Não estás confortável comigo assim nua? Eu compreendo… Eu já estou habituada, porque faço muita natação e nos ginásios, sabes como é, não é? Todos tomam duche ao molho…– disse com uma piscadela de olho – Devíamos fazer isto um dia destes não achas?
-Desculpa?
-A natação… Podias irr um dia comigo. De certeza que ia serr divertido…
Mas a Cris, embora mais calma, continuava a não conseguir parar de olhar para a Lita com um olhar esgazeado. Por fim, levantou a mão e tocou-lhe nos seios, ainda com um ar um bocado aparvalhado!
-Mas, mas… Não é silicone?
-Não, clarro que não! Eu não acredito na cirrurgia plaásticá!
-Não que precises de acreditar, de qualquer maneira, não é? Fogo, eu não sabia que podiam ser tão grandes e ainda assim ficar empinadas…
-Mas podem! – e a Lita agarra-lhe não mão, põe-lhe a mão em cima do peito e diz – Vá, podes sentir à vontade…
-Deixa estar. – respondeu a Cris algo envergonhada.
-Oh! Mas eu insisto! – disse a Lita enquanto lhe espalmava a mão contra o peito – Afinal, agora suomos melhorres amigas e parra que é que as amigas servem, não é?
-Mas, mas… - tentou a Cris refutar, mas, sentindo um estranho calor subir por si acima, rendeu-se, pôs uma mão em cada mama e descansou a cabeça no meio das duas, soltou um enorme suspiro de deleite, que até eu ouvi cá fora, enquanto esperava por uma resposta conclusiva, e disse: -Lita, és a melhor amiga do mundo!
Ao fim de mais uns minutos a Cris sai finalmente da casa de banho.
-Então? - perguntei eu nervoso.
-Parabéns, páh! É uma rapariga!
-Fixe! Tiraste fotos? – Mas depois caí em mim. Aquilo não se fazia – Esquece! Não, é melhor não. Isso faria de mim muito má pessoa…
Ela mexe no telemóvel à procura de algo, enquanto me diz:
-Não páh, não faz de ti má pessoa! Aquilo que faz de ti é o que és, um adulto completamente rebarbado – e vira o telemóvel para mim, onde está uma foto meio tremida…
…mas ainda assim, só me lembro de ter acordado no sofá da sala, sem saber durante quanto tempo apaguei. Ao meu lado estava o telefone. Fui rapidamente à galeria de fotos, e andava à procura quando ouvi a voz da Cris, da cozinha:
-Escusas de procurar que apaguei por razões de segurança! Ainda não estás preparado para lidar com coisas destas…
Fiquei com pena… Mas ainda assim sorri, porque a imagem estava gravada na minha mente…

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