quarta-feira, 20 de março de 2024

Conscientização - XIX

  

Viam-se quilómetros em volta a partir daquela pequena elevação onde ficava a casa grande, sendo a paisagem de cortar a respiração. Quilómetros e quilómetros de planícies povoadas por sobreiros, oliveiras, vinhas ou então num relativo abandono, cheias de ervas secas, altas, até a vista se perder no horizonte ou nos montes mais altos ainda onde apenas se podia reconhecer vagamente a silhueta de um castelo que perdera o seu propósito, a sua utilidade, mas ainda assim dominava a paisagem.

O dia tinha começado, para Andreia, por volta das onze da manhã, mas ela depressa descobriu que aparentemente tinha começado bem mais cedo para César. Saiu de casa após ter tomado o pequeno-almoço, com a cabeça ainda zonza, sem dúvida pelo que tinha fumado na noite anterior, e encontrou-o no jardim a falar com um homem de aspecto algo rude, que a olhou de cima a baixo quando ela chegou sem demonstrar qualquer respeito.

Atrás da mansão, em Sintra, ao lado da piscina, existe um pavilhão que em tempos idos teria sido, provavelmente, uma cavalariça. Neste momento era apenas um depósito de tralha. César cumprimentou-a e continuou a falar com o homem, apontando para o pavilhão, de forma concisa.

- Compreendeu bem o que eu quero? – Perguntou-lhe.

- Creio que sim… – respondeu o homem com uma nota de hesitação na sua voz.

- Crê ou tem a certeza?

O homem pareceu encavacado.

- Tenho a certeza. – Respondeu – É só uma força de expressão.

- Óptimo. E consegue fazer tudo o que há a fazer até segunda-feira de manhã?

- Bem, o prazo é apertado…

- Mas isso é problema seu. Consegue ou não?

- Posso tentar…

- Se vai tentar e não vai fazer, esqueça. Tenho mais números a quem ligar.

- Sabe que para lhe fazer isto por um valor razoável…

- Não lhe falei em valores. A única coisa que lhe perguntei foi: Terei isto pronto na segunda-feira de manhã?

- Bem, se eu trouxer mais pessoal, creio que sim.

- Traga quem quiser. Pague-lhes o que tiver de pagar. Mande-me a conta depois.

- Então, acho que sim.

César olhou-o, avaliando se ele estaria a ser sincero, ou se era apenas conversa de empreiteiro para conseguir a obra.

- Nesse caso, não deve objectar a que a minha secretária redija um contrato que assinará agora e que vai estipular que se o prazo não for cumprido, deve deixar o local da obra na segunda-feira de manhã sem ter direito a qualquer compensação monetária.

Claramente o homem não esperava aquilo e ficou a olhar surpreendido para César.

- No entanto, se conseguir acabar, digamos, amanhã à noite, recebe o dobro do que me pediu inicialmente.

Se o homem não esperava a primeira cláusula, a segunda ainda o surpreendeu mais. Fez um sorriso aberto e apertou a mão a César, selando o negócio, começando de imediato a fazer telefonemas. César largou-o e dirigiu-se finalmente a Andreia.

- Bom dia. Dormiu bem?

- Custou-me a adormecer, mas custou ainda mais a acordar. César sorriu.

- É normal. Vá beber um café bem forte que isso passa mais depressa. – Andreia assentiu – Depois vá redigir um contrato com este senhor. Peça-lhe os detalhes e valores e inclua as duas cláusulas que referi.

- Vai fazer obras?

- Sim, no pavilhão. Só uma pequena remodelação…

- E acha que conseguirão fazê-la tão depressa?

- Acho. A ganância é um óptimo motivador. Entretanto, daqui a pouco devem vir cá fazer uma entrega. Eu vou para o meu escritório tratar de alguns assuntos e não quero ser incomodado, portanto quero que a receba. Vamos sair por volta das duas. Faça uma mala com pouca coisa, só para passar uma noite. Leve toalhas e artigos de higiene. Providencie com a D. Maria para ela me fazer também uma mala com tudo o que é essencial, excepto roupa. Essa eu escolho depois.

Andreia assentiu, César retirou-se e ela dedicou-se diligentemente às suas tarefas, tendo falado com o empreiteiro para recolher os dados dele, elaborou o contrato, levou-o para assinar quando ele já estava rodeado de homens e a dar ordens, e estava já a tratar da sua mala quando foi interrompida pela chegada da entrega, que foi receber.

Quando desceu as escadas até ao hall da mansão, um jovem passou-lhe um papel para assinar, o que ela fez, e acto contíguo, entregou-lhe uma chave de um Porsche, agradecendo e saindo em seguida. Ela veio até ao pátio e lá estava um pequeno e ágil Porsche Boxter S azul água descapotável. Sem se fazer demasiadas perguntas, que ela começava a perceber a deixavam frustrada por falta de respostas, limitou-se a entrar no carro e levá-lo para dentro da garagem, estacionando-o ao lado do Corvette, e voltou à tarefa de arrumar a sua mala.

Acabado o almoço seguiram no Mercedes SLS, com César ao volante guiado pelo GPS. Saíram da A5 para a A2, atravessaram a ponte e rumaram a sul, César soturno e mergulhado nos seus pensamentos e Andreia calada, com receio de o incomodar, seguiram na A6, saindo perto de Évora, em direcção à Vidigueira.

Nestas estradas nacionais o conforto no SLS ressentia-se, percebendo-se claramente que não tinha sido construído para este tipo de pavimento.

Atravessaram a Vidigueira estacionando perto das piscinas e aí, entraram num café. César dirigiu-se ao empregado, perguntando qualquer coisa a que o empregado respondeu apontando para uma mesa. César dirigiu-se lá, cumprimentou uma pessoa que lhe deu umas chaves e algumas direcções.

Voltaram ao carro, seguindo novamente no sentido de Évora, por onde tinham vindo e, quatro ou cinco quilómetros depois viraram para uma pequena estrada secundária, onde seguiram devagar durante algum tempo. César acabou por encostar diante de um enorme portão de ferro, saiu do carro, abriu o portão com uma das chaves que o homem lhe tinha dado e entraram. Andaram durante algum tempo numa estrada de terra batida em mau estado até passarem por várias casas e pararem numa elevação diante de uma mansão, sem dúvida aquilo que seria a casa do proprietário, sendo as outras, pequenas e modestas, as casas dos trabalhadores. Havia também um enorme barracão, que parecia ser um celeiro e uma igreja pequena, um pouco mais afastada da casa. Todo o complexo estava ao abandono e descuidado.

Andreia seguiu César, quando este se dirigiu à porta e a abriu, entrando os dois em seguida para encontrar toda a mobília coberta por panos brancos que acumulavam em cima uma forte camada de pó e teias de aranha, além de um forte cheiro a bafio. A casa devia estar fechada há muito tempo.

O olhar de desapontamento de César era evidente, mas havia mais qualquer coisa nos seus olhos. Não era apenas o desapontamento de encontrar a casa naquele estado, mas havia também uma tristeza…

- Parece que passar aqui a noite está fora de questão. A casa não está em condições de ser habitada.

- Precisa de uma boa limpeza, e uma pintura, talvez…

- Sim. Temos que tratar disso. Veja isso ainda amanhã, se for possível, uma vez que é domingo.

Andreia anuiu. Cesar voltou a sair, vindo ela atrás dele e ficaram ambos a apreciar a beleza despida da paisagem que se estendia diante deles.

- Andreia, vamos produzir vinho, azeite e cortiça. Quero que procure especialistas em produção vinícola, que é por aí que começaremos. Procure os melhores. Depois alicie-os a vir trabalhar connosco. Quero extrair desta terra tudo o que ela tem para dar, e ela, se for cuidada, é generosa. Recupere esta casa e as casas dos trabalhadores, tudo com boas condições. Quero que as pessoas tenham brio e orgulho em trabalhar aqui. Não se produz qualidade com pessoas desmotivadas.

Andreia percebeu que havia algo neste local mais importante para César que o simples negócio. Por momentos, o homem desapaixonado e aparentemente frio foi substituído por alguém apaixonado por uma ideia.

Ficaram mais algum tempo, o que César quis, naquele local e depois rumaram de volta para Sintra.


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