quarta-feira, 6 de março de 2024

Conscientização - IV

     Lisboa estava deserta. Àquela hora, salvo algumas pequenas ilhas de actividade, não se via ninguém nas ruas, que pareciam aguardar adormecidas pelo regresso das pessoas.

Ele, sem sono, deixava o carro rolar por ruas desconhecidas, familiarizando-se com uma cidade que era diferente da que ele tinha deixado. Era curioso como há tantos anos atrás Lisboa lhe parecia uma grande cidade. Lembrava-se do impacto que tinha tido nele quando a viu, pela primeira vez, enquanto atravessava a ponte sobre o Tejo de autocarro e lhe parecera algo enorme… Via a ironia do contraste com os dias de hoje, em que a cidade lhe parecia demasiado pequena e claustrofóbica. Uma cidade grande à medida de Portugal…

Acabou por ter de ir abastecer o carro a umas bombas na segunda circular. As bombas, como o resto da cidade, estavam quase paradas.

Quando foi pagar, antes de abastecer, o moço que o atendeu acabou por se meter com ele.

- Bela máquina que tem aí…

Ele sorriu e respondeu no seu Português carregado de sotaque (nota mental: tinha de se livrar do sotaque – quando falava em Português parecia que estava a falar e a mastigar pastilha elástica).

- Dá para ir daqui para ali… Não deves ter visto muitos destes por aí…

- Para ser franco, nunca vi nenhum ao vivo. Já vi muitas fotos, mas não é a mesma coisa.

- Pois, não é. Se quiseres podes vir cá fora vê-lo.

- Não devo…

- Compreendo. Vês noutra ocasião.

O rapaz ficou relutante. Tinha o olhar de um miúdo a ver um bolo na montra de uma pastelaria.

- Que se lixe! – Acabou por dizer. Levantou-se, abriu a porta, saiu e foi ver o carro de perto. Ele deixou-o andar à vontade à volta do mesmo e acabou por lhe abrir a porta do condutor.

- Queres sentar-te?

O moço nem respondeu. Entrou, sentou-se ao volante e ficou ali maravilhado.

- O carro está num estado impecável. Parece que saiu há pouco da fábrica!

- Quando o comprei não estava em muito bom estado. Mas mandei-lhe fazer um restauro completo só com peças de origem.

- Quanto é que isto gasta?

- Depende da condução, mas a fundo faz umas quatro ou cinco milhas por galão…

- O senhor é Americano?

- Não, sou Português mas é o meu primeiro dia cá desde há muitos anos. Passei a minha vida lá.

O rapaz lá se deu por satisfeito, saiu do carro e apertou-lhe a mão, agradecido.

- Obrigado. Nunca pensei estar sentado ao volante de um Corvette Stingray. O carro é mesmo lindo.

- É, mas é um sacana.

- Um sacana?

- Sim! Se te distraíres ele morde! O rapaz sorriu.

- Compreendo. Já conduzi coisas menos potentes da década de setenta e a sensação é a mesma. Qualquer distracção e eles não perdoam. Mais uma vez, obrigado.

- Não tens de agradecer, mas podes retribuir-me o favor… O rapaz ficou a olhar para ele intrigado.

- Como?

Ele soltou uma gargalhada com a expressão genuína do rapaz, uma expressão de quem espera tudo dali, naquele momento.

- Não te assustes. Só que cheguei hoje e Lisboa é uma desconhecida para mim. E como podes ver, as minhas noites são solitárias. Gostava de saber se me podes dar alguma indicação de algum sítio com alguma classe e que me faça sentir um pouco menos solitário.

- Um bordel?

Mais uma gargalhada.

- Não rapaz. Aprecio mulheres, mas não gosto de pagar por sexo. Isso não quer dizer que não goste de as apreciar…

- Acho que já percebi!

- Sim, um sítio com música, onde se possa beber um copo com relativa calma…

O moço fez um sorriso malandro e piscou-lhe o olho.

- Já percebi, mesmo. – Escreveu umas quantas moradas no papel e deu-lho. – Estou certo que esses sítios lhe vão agradar.

- Obrigado! – Respondeu ele, apertando a mão ao rapaz.

Depois abasteceu, meteu-se de novo no carro e rumou ao sítio mais perto…


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