terça-feira, 5 de março de 2024

Conscientização - II

    

     Introduziu o código no teclado numérico e o portão, para sua surpresa, abriu com suavidade. Esperava, pelo aspecto antigo, ouvir um ranger esforçado, mas não! Abriu quase sem ruído perceptível. Entrou e o portão fechou sozinho atrás de si.

Olhou para a mansão. As fotografias que tinha visto não faziam justiça à imponência frondosa do mármore trabalhado. Toda a frente, pelo menos, fazia lembrar uma catedral manuelina em miniatura, cheia de motivos e simbolismos que não lhe interessava agora deslindar. Apenas se sentia cansado da viagem e queria descansar um pouco.

Enquanto se dirigia à porta, esta abriu-se e de dentro da casa saiu um indivíduo que, à primeira vista, quase o divertiu…

Baixo, com um fato claramente de pronto a vestir que não lhe assentava muito bem, gordo para além do razoável, uns óculos enormes com lentes que pareciam ter saído do fundo de uma garrafa de refrigerante, profusamente suado… O homem parecia ainda mais uma caricatura ao vivo do que nas fotos que tinha visto.

- Sr. César? – Perguntou.

- Sim!

- Victor Antunes. É uma honra conhecê-lo finalmente em pessoa. Cumprimentaram-se com um aperto de mão não muito firme, cumprindo uma mera formalidade.

- Espero que tenha tratado de tudo…

Está tudo conforme especificou. O carro está na garagem e já está legalizado, tem o seu escritório todo montado, amanhã apresentar-se-ão aqui a sua secretária pessoal, que eu escolhi pessoalmente conforme as indicações que me deu, e o restante staff da casa.

- Muito bem! Presumo então que hoje tenha a casa toda para mim.

- É correcto. Estará completamente só. Quer que eu lhe mostre a casa?

- Não há necessidade. Eu… – a sua falta de vocabulário fazia-se sentir – …i’ll get my bearings! Pode retirar-se.

O homem tirou um envelope do bolso e entregou-lho.

- Só hoje de manhã é que o alarme foi instalado. Estes são os códigos. As suas roupas já estão arrumadas no roupeiro do seu quarto, no segundo andar. Espero que fique agradado.

César limitou-se a assentir com a cabeça e o homenzinho retirou-se de imediato, dirigindo-se ao portão e saindo.

Sabia-lhe bem o ar puro e fresco à sua volta, por isso hesitou em entrar, mas acabou por fazê-lo.

O interior, para seu desapontamento, parecia um museu. Os móveis respiravam a antiguidade da casa e não se surpreenderia se, de repente, se materializasse à sua frente um qualquer personagem de finais do século XIX. Tudo o que via parecia ser tão antigo que estaria certamente carregado com as histórias e as recordações de alguém… Só que esse alguém não era ele!

“Well, we have to change this!” anotou ele mentalmente. Tinha-se habituado a um requinte moderno que não casava bem com o peso de séculos de história. Tinha noção do quanto todos aqueles objectos deviam ser valiosos, mas estava habituado o olhar para a frente. Aquele era um passado, sem dúvida, mas não era o seu.

Subiu lentamente as enormes e pesadas escadas de mármore com os degraus gastos pelos passos das incontáveis pessoas que por ali tinham passado, subindo depois outras de madeira que o levavam ao quarto.

O quarto era enorme, desnecessariamente enorme, com uma cama de dossel que daria facilmente para quatro pessoas. O quarto respirava à mesma antiguidade do resto da casa.

Pousou a pequena mala de mão que trazia num cadeirão, tirou o telemóvel de dentro do bolso do casaco e marcou um número.

- Sr. César, precisa de alguma coisa? – Ouviu em resposta quase de imediato de Victor.

- Para hoje não. Quero que comece, amanhã, a preparar um leilão de todo o recheio desta casa. Todo o lucro deverá ser doado a uma instituição de caridade que lhe direi depois. Mas pode começar os preparativos.

- Com certeza. Deseja mais alguma coisa?

- Não, é tudo. E desligou.

Depois, dirigiu-se à varanda do quarto, abriu as portas, saiu, respirou fundo e deixou-se mergulhar na paisagem deslumbrante carregada de um verde inebriante…


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