quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Lilith - VIII - Integração

Onze e trinta da manhã.

Parei para pensar no que ela acabara de me dizer, embora me sentisse algo confuso. Podia ver a lógica do que me dizia mas, embora não fosse particularmente religioso, sentia o conflito entre tudo isto e uma vida inteira de cultura herdada dos meus pais e avós. Ela olhava-me directamente nos olhos, como que para me assegurar de que o que dizia era verdade ou, pelo menos, a verdade em que ela acreditava. Mas cada afirmação dela suscitava mais dúvidas.

– Então quem é afinal aquele a quem chamaste criador?

– Chamei-lhe criador porque foi o meu criador, mas não foi o criador de tudo. Diz-me uma coisa, quem é o criador de uma casa? O arquitecto ou o engenheiro que a constrói?

– Bem, do meu ponto de vista é o arquitecto. O engenheiro limita-se a executar.

– Exacto. O criador é quem cria o conceito, não quem o executa. A partir do momento em que existe a ideia de algo, esse algo poderá ser concretizado num qualquer ponto no futuro. Desde que o Homem olhou para a Lua que quis ir lá. Júlio Verne concebeu uma maneira de isso acontecer, e se pensares bem o Homem chegou lá de uma maneira não muito diferente da ideia que Júlio Verne teve.

– Queres com isso dizer que Deus é o criador do conceito?

– Claro. O que os maçons dizem está certo. Ele é o grande arquitecto. Mais, como qualquer criador, ele não está dependente da sua criação, quanto muito a sua criação estará dependente dele, ou nem sequer isso. Mas tal não impede, de forma alguma, que Ele tenha o crédito pela sua criação.

– Então, nesse caso, o teu criador é uma espécie de construtor?

– Sim. O meu criador executa o plano do arquitecto e como tal, enquanto o plano não estiver executado na totalidade, está dependente dele. O meu criador está dependente da estrutura do universo.

– Percebo, mas só ainda não percebi onde queres chegar com isto tudo…

– É simples. No capítulo um do «Génesis» tens a descrição da elaboração do conceito, do plano e, como tal, está tudo planeado desde o princípio até ao fim dos tempos, e acaba com a frase que diz simplesmente «E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto». O trabalho de Deus em relação ao universo acabou aí.

– Mas nesse caso, se tudo, mas mesmo tudo está incluído nesse plano, do princípio ao fim, como é que explicas o livre arbítrio?

– O livre arbítrio é inconsequente. Olha para o universo. Já cá estava antes de chegares e continuará cá depois de partires. Achas-te assim tão importante para que qualquer decisão tua altere tudo isto? Achas que se o sistema solar não existisse isso teria um impacto significativo? Achas que se a galáxia não existisse se notaria assim tanto? Nós somos inconsequentemente pequenos e o nosso problema é que somos orgulhosos demais para lidar com essa pequenez. Já nos considerámos o centro do universo e, afinal, vê lá que somos apenas um planeta pequeno em órbita, à volta de uma estrela mediana na periferia de uma galáxia também periférica. O universo foi criado há muito tempo e segue a sua evolução até ao seu desaparecimento. Pelo meio, algures, estamos nós.

– E quer isso dizer que…?

– Quer isso dizer que Darwin estava certo, que a ciência está certa, mas que a Bíblia está certa também.

Ela fez uma pausa e deixou-me reflectir. Realmente, para quem dispunha da eternidade, fazer o mundo em sete dias parecia algo de apressado e absurdo. Tinha toda a lógica a corrente científica que defendia e estudava a evolução das espécies, coisa que ainda hoje é observável.

– Mas então e o mito da criação? – Perguntei ao fim de algum tempo.

– Em primeiro lugar, não é um mito. Se o fosse, eu não estaria aqui à tua frente. É apenas uma história contada à luz do entendimento possível na altura. Mas basta pensares nisto; se a nossa espécie, homo sapiens, já existe há cerca de cem mil anos com todas as capacidades que tem, porque é que demorou mais de noventa por cento do seu tempo de existência até chegar à primeira civilização?

Olhei para ela.

– Foi por uma influência externa? – Perguntei.

– Foi por causa de Yahvé.

2 comentários:

  1. Bom, este leu-se melhor. Compreendo que os capítulos sejam grandes mas eu tenho apenas 5% de visão num olho que já sofreu 5 cirurgias, e 0% por cento no outro. Ler capítulos grandes ainda por cima sem ser a preto e com a letra tão pequena, deixa-me de rastos.
    Abraço e saúde

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    1. Elvira. Compreendo perfeitamente e apenas posso agradecer o esforço que faz :) Mas vou-lhe ensinar um truque: Se colocar o dedo em cima da tecla ctrl e depois rodar a roda do rato para a frente e para trás pode alterar o tamanho do que lhe aparece no ecrã, inclusivé as letras :) Um bem Haja, Elvira :)

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!