segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Creio que...

...quem por aqui vai passando e se dá ao trabalho de ler aquilo que ainda me vou dando ao trabalho de escrever me vai conhecendo um pouco.
Saberão que não me identifico com campos ideológicos, mas com ideias concretas. Não acredito que alguma ideologia tenha a verdade ou se possa apropriar dela, e que o que é certo o é independente de quem o propõe.
Saberá que não me identifico com partidos políticos pela mesma razão e que acho que são os mesmos que inquinam a democracia que acaba por não existir.
Saberão eventualmente que acredito num determinismo e que o muito que olho para trás, quer para a história conhecida, quer para aquilo que não pode deixar de nos intrigar – quando olhamos para as coisas com olhos de ver – porque, sendo o universo determinista, uma enorme sucessão de causas e consequências que existem além da nossa vontade, para além da nossa suposta liberdade de escolha, apenas percebendo o passado se pode perceber o futuro. É como se o tempo fosse uma conta de somar, sendo o enunciado o passado, o sinal de igual o presente e o resultado o futuro. Se não soubermos o que está no enunciado, nunca saberemos o resultado e mantemo-nos sempre num limbo entre dois desconhecidos, um sinal sem significado algum até que a resposta nos entra pelas fuças adentro com a violência de um comboio de alta velocidade a embater contra uma parede à velocidade máxima. E ficamos atónitos a pensar “isto era imprevisível”!
Na verdade não era!
Na verdade, nada do que se passa à nossa volta era imprevisível.
Basta olhar para Aldous Huxley, George Orwell e outros autores semelhantes, ler “Admirável mundo novo”, “1984”, “A ilha” para percebermos que, com mais ou menos atraso, caminhamos a largos passos para uma distopia, para um universo de gente altamente conectada e plenamente desligada!
Vejo cada pequeno pormenor que nos leva a isso! Promessas de integração que apenas levam a uma exclusão do mundo, o substituir o pessoal pelo virtual, o quanto as pessoas cada vez mais se expandem num mundo virtual, cheias de opiniões acerca de tudo o que desconhecem, cheias de razões, agrupando-se de mil maneiras, proclamando a sua individualidade enquanto ficam cada vez mais iguais, formatados desde a nascença, endoutrinados por uma escola que produz competição desde os mais tenros anos, como se a competição fosse um fim em si…
Apenas entro em competição comigo. Sou a única pessoa que tenho de superar, em tudo na vida, ou pelo menos naquilo que me interessa…
Há muito que deixei de querer ser melhor guitarrista que um Steve Vai…
Há muito que deixei de querer ser melhor compositor que Bach…
Alegro-me quando consigo ser um pouco melhor do que fui no dia anterior. Nunca serei um Steve Vai ou um Bach... Não quero ser um Steve Vai ou um Bach!
Há muito que olho para o facebook com desconforto e o uso apenas para ir divulgando algumas coisas ou partilhando outras que acho pertinentes. Mas acho piada à maneira como é utilizado por alguns, como se o acto de partilhar uma frase célebre de alguém, uma oração ou uma fotografia de um refugiado de guerra fizessem algo mais do que ser uma justificação perante o próprio pela sua inercia em produzir um pensamento capaz, rezar ou tomar alguma atitude concreta em relação às dores de outro ser humano. A mesma maneira como há trinta anos atrás comprar um single de uma música era um descanso para a consciência de quem via imagens de crianças a morrer de fome na África subsariana. "Pelo menos contribuí com alguma coisa"...

Olho para o mundo com um desconforto crescente. Acho que começo a ser um animal estranho, uma relíquia do passado…
…e o mundo apenas quer relíquias nos museus!

Vejo o mundo continuar a avançar, cada vez mais rápido, mas com a cegueira de quem não sabe para onde vai, perdido no meio de um presente vasto demais para compreender se o enunciado não estiver bem claro.
Quantos de nós é que ainda se deslumbram quando olham as estrelas à noite, ofuscadas como estão pelas luzes das cidades?

4 comentários:

  1. O teu texto toca em vários assuntos importantes.
    Vou apenas pegar em três aspectos.

    A substituição do real pelo virtual decorre certamente de várias circunstâncias... Na minha opinião cada vez existem menos pessoas para conversar e a tendência é para que as nossas melhores conversas sejam connosco próprios. Não será isto ao mesmo tempo causa e efeito dessa substituição?

    A propósito da competição, claro que estou de acordo contigo.
    Sabes que quando o nosso foco passa a estar dirigido aos outros, no sentido de os ultrapassar, descentramo-nos do nosso campo de melhoria e ficamos mais para trás?

    Vês o mundo continuar a avançar, cada vez mais rápido...?
    Não será mais ao nível da ciência, da tecnologia, das coisas materiais?
    Ao nível das relações interpessoais, da solidariedade, parece-me existir um afunilamento.

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  2. O avanço galopante da ciência e tecnologia é precisamente o que nos deslisga da realidade!

    Acho que a malta devia ler o The Wall (as letras) e perceber que em 1979 já alguém achava que tinha 13 (agora são alguns 200) canais de m#$%a na televisão por onde escolher!
    Alguém já se sentia confortavelmente dormente!

    :)

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  3. Não sei se mereço colocar-me a teu lado e dizer “nós” mas é um facto que são cada vez menos aqueles que mantêm alguma lucidez e capacidade de ver o que tão eloquentemente enunciaste. Há muito que parece que estamos sempre a viver a mesmas vidas. As roupas mudam, os artifícios mudam mas os “erros” são os mesmos. Não parece que alguém esteja atento e queira aprender com o passado. Claro que é necessário aumentar a sofisticação mas o resultado é o mesmo. E o que é fazer o mesmo e esperar resultados diferentes?...

    Por outro lado, como por vezes tens mostrado, o enunciado está viciado. Não se sabe tudo como deve ser o que só dificulta quem luta para manter a lucidez que referi. Mas enquanto houver quem faça o esforço, haverá esperança num futuro melhor…

    Fortíssimo abraço,
    FATifer
    PS – não preciso dizer mas digo que adorei este texto! Mas tu sabes que sou suspeito pois gosto da tua forma de expor os assuntos ;)

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    1. Pois é...

      ...mas o problema da esperança é que não a podes alimentar indefinidamente...
      ...chega-se a um ponto em que a fé mais empedernida não é suficiente...

      ...e aquilo que apetece é um gajo pôr-se de lado, acender um cigarrinho e ficar a ver os diálogos de surdos, porque o mais surdo é o que não quer ouvir, como o mais cego é o que não quer ver e, com alguma sorte, ainda descobres as raríssimas pessoas que ouvem mais do que a sua própria voz e que se recusam a ser cegas e caminham para alguma luz!

      E o que é giro é que estas pessoas são cada vez mais...
      ...mas andam à procura de sentido no sítio errado...

      Como eu já disse algures (se não me engano foi por aqui) se calhar os Coptas e os Cátaros tinham razão...

      :)

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