sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Depois do Inferno Verde - Capítulo 5


 

Já iam em França havia meia hora quando Óscar tirou os olhos da estrada por breves segundos e fixou um painel castanho à beira da autoestrada. Um letreiro turístico com letras brancas anunciava:

Foix — Château Médiéval

Uma imagem do castelo desenhava-se ao lado, num traço quase romântico: torres altivas numa colina, com o vale a seus pés.

Sem dizer palavra, ele mudou de faixa e saiu da estrada principal.

Ela franziu o sobrolho e olhou para ele.

— Porquê? Saímos do caminho?

— Quando não se tem destino... mais vale aproveitar a viagem. — respondeu ele, sem tirar as mãos do volante.

Ela não sorriu.

— Mas nós temos um destino.

Ele apenas sorriu, como se não valesse a pena explicar o que acabara de dizer.


A cidade de Foix revelou-se aos poucos, aninhada entre colinas verdejantes. Ruas estreitas, pedras antigas, fachadas coloridas, o murmúrio de uma cidade que envelheceu com dignidade.

Estacionaram o carro ao fundo de uma ruela íngreme e subiram a pé até ao castelo. A fortaleza, empoleirada sobre um afloramento rochoso, dominava a paisagem com as suas três torres robustas — vestígios de um tempo de guerra e honra, agora convertidos em museu e miradouro.

A visita foi feita em silêncio. Passaram pelas salas escuras onde antigos senhores feudais planearam batalhas, viram armas penduradas em paredes de pedra, escadas estreitas que levavam a pontos de vigia, onde o vento parecia carregar séculos de histórias. No alto da torre mais antiga, observaram o vale inteiro — a cidade a seus pés, as casas apinhadas, as florestas ao longe, a estrada por onde tinham vindo.

Ali em cima, o mundo parecia quieto. Ele tirou os óculos escuros e ficou algum tempo a olhar a distância. Ela apoiou-se na muralha, sem dizer nada.


Desceram devagar e acabaram por encontrar uma esplanada sombreada, com vista parcial para o castelo. Um restaurante simples, com toalhas de pano e cheiro a carne grelhada.

Ela parou à porta, hesitante.

— Eu... não tenho dinheiro.

Ele virou-se para ela com naturalidade.

— Eu também não te pedi nada.

— Mas...

— Estás convidada.

Ela não se mexeu. A dúvida no rosto era maior do que a fome.

— O que é que queres de mim?

Ele sentou-se à mesa, puxou a cadeira ao lado e respondeu, olhando para a carta:

— Nada.

Ela sentou-se, devagar.

— Nada?

— Nada. — repetiu ele.

O silêncio prolongou-se entre os ruídos de talheres e conversas em francês ao redor.

Foi ele quem retomou:

— Achaste que eu queria alguma coisa de ti?

Ela não respondeu logo. Depois assentiu com a cabeça, sem o encarar.

Ele inspirou devagar.

— Sabes... — começou, pousando os cotovelos na mesa — quando te vi na estrada, nem ia parar. Nem pensei nisso. Mas houve qualquer coisa na tua postura... no modo como estavas ali, sozinha, firme… não sei. Tocou-me. Lembrou-me as minhas filhas.

Ela olhou para ele, surpresa.

— Não podia, em consciência, deixar uma rapariga sozinha num sítio daqueles.

Houve um silêncio breve. Depois ele perguntou:

— Como é que foste ali parar?

Ela baixou os olhos. O garçom aproximava-se, mas ele fez-lhe sinal para esperar.

— Tinha apanhado boleia com um camionista. Ia para Paris. — começou ela, devagar. — No início foi simpático. Mas depois... começou a deixar claro que queria "alguma compensação" pela viagem. Quando eu disse que não... ele deixou-me ali mesmo. No meio do nada.

Ela encolheu os ombros, num gesto que tentava ser leve, mas que doía só de se ver.

— Estive ali horas. Até tu parares.

Óscar não disse nada durante alguns segundos. Apenas olhava para ela, com a expressão fechada de quem compreende mais do que gostaria.

— Achaste que os meus motivos eram os mesmos dele?

Ela acenou, sem vergonha.

— Ainda achas?

Desta vez, ela olhou-o de frente.

— Não.

O garçom aproximou-se novamente. Óscar fez sinal para que se aproximasse.

— Vamos almoçar? — disse, como quem muda de capítulo.

Ela assentiu. E pela primeira vez em dias, pareceu respirar com menos peso.

Sem comentários:

Enviar um comentário

O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!