Já iam em França havia
meia hora quando Óscar tirou os olhos da estrada por breves segundos e fixou um
painel castanho à beira da autoestrada. Um letreiro turístico com letras
brancas anunciava:
Foix — Château Médiéval
Uma imagem do castelo
desenhava-se ao lado, num traço quase romântico: torres altivas numa colina,
com o vale a seus pés.
Sem dizer palavra, ele
mudou de faixa e saiu da estrada principal.
Ela franziu o sobrolho
e olhou para ele.
— Porquê? Saímos do
caminho?
— Quando não se tem
destino... mais vale aproveitar a viagem. — respondeu ele, sem tirar as mãos do
volante.
Ela não sorriu.
— Mas nós temos um
destino.
Ele apenas sorriu,
como se não valesse a pena explicar o que acabara de dizer.
A cidade de Foix
revelou-se aos poucos, aninhada entre colinas verdejantes. Ruas estreitas,
pedras antigas, fachadas coloridas, o murmúrio de uma cidade que envelheceu com
dignidade.
Estacionaram o carro
ao fundo de uma ruela íngreme e subiram a pé até ao castelo. A fortaleza,
empoleirada sobre um afloramento rochoso, dominava a paisagem com as suas três
torres robustas — vestígios de um tempo de guerra e honra, agora convertidos em
museu e miradouro.
A visita foi feita em
silêncio. Passaram pelas salas escuras onde antigos senhores feudais planearam
batalhas, viram armas penduradas em paredes de pedra, escadas estreitas que
levavam a pontos de vigia, onde o vento parecia carregar séculos de histórias.
No alto da torre mais antiga, observaram o vale inteiro — a cidade a seus pés,
as casas apinhadas, as florestas ao longe, a estrada por onde tinham vindo.
Ali em cima, o mundo
parecia quieto. Ele tirou os óculos escuros e ficou algum tempo a olhar a
distância. Ela apoiou-se na muralha, sem dizer nada.
Desceram devagar e
acabaram por encontrar uma esplanada sombreada, com vista parcial para o
castelo. Um restaurante simples, com toalhas de pano e cheiro a carne grelhada.
Ela parou à porta, hesitante.
— Eu... não tenho
dinheiro.
Ele virou-se para ela
com naturalidade.
— Eu também não te
pedi nada.
— Mas...
— Estás convidada.
Ela não se mexeu. A
dúvida no rosto era maior do que a fome.
— O que é que queres
de mim?
Ele sentou-se à mesa,
puxou a cadeira ao lado e respondeu, olhando para a carta:
— Nada.
Ela sentou-se,
devagar.
— Nada?
— Nada. — repetiu ele.
O silêncio
prolongou-se entre os ruídos de talheres e conversas em francês ao redor.
Foi ele quem retomou:
— Achaste que eu
queria alguma coisa de ti?
Ela não respondeu
logo. Depois assentiu com a cabeça, sem o encarar.
Ele inspirou devagar.
— Sabes... — começou,
pousando os cotovelos na mesa — quando te vi na estrada, nem ia parar. Nem
pensei nisso. Mas houve qualquer coisa na tua postura... no modo como estavas
ali, sozinha, firme… não sei. Tocou-me. Lembrou-me as minhas filhas.
Ela olhou para ele,
surpresa.
— Não podia, em
consciência, deixar uma rapariga sozinha num sítio daqueles.
Houve um silêncio
breve. Depois ele perguntou:
— Como é que foste ali
parar?
Ela baixou os olhos. O
garçom aproximava-se, mas ele fez-lhe sinal para esperar.
— Tinha apanhado
boleia com um camionista. Ia para Paris. — começou ela, devagar. — No início
foi simpático. Mas depois... começou a deixar claro que queria "alguma
compensação" pela viagem. Quando eu disse que não... ele deixou-me ali
mesmo. No meio do nada.
Ela encolheu os
ombros, num gesto que tentava ser leve, mas que doía só de se ver.
— Estive ali horas.
Até tu parares.
Óscar não disse nada
durante alguns segundos. Apenas olhava para ela, com a expressão fechada de
quem compreende mais do que gostaria.
— Achaste que os meus
motivos eram os mesmos dele?
Ela acenou, sem
vergonha.
— Ainda achas?
Desta vez, ela olhou-o
de frente.
— Não.
O garçom aproximou-se novamente.
Óscar fez sinal para que se aproximasse.
— Vamos almoçar? —
disse, como quem muda de capítulo.
Ela assentiu. E pela
primeira vez em dias, pareceu respirar com menos peso.
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!