quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Depois do Inferno Verde - Capítulo 4

 


A paisagem francesa abria-se como uma sucessão de postais em movimento. Colinas suaves, campos de girassóis, pequenas aldeias de telhados vermelhos adormecidas sob o sol. O Corvette seguia pela estrada nacional com o motor contido, como se respeitasse o silêncio que pairava dentro do carro.

Óscar mantinha-se concentrado na estrada, mas os olhos iam e vinham, alternando entre o horizonte e o rosto dela, à sua direita. Por fim, perguntou, com a voz calma de quem não quer ferir:

— E a tua família?

Ela demorou a responder. Não foi um silêncio de dúvida — foi o silêncio de quem precisa recuar no tempo, buscar uma resposta demasiado antiga.

— Não tenho. — disse, simplesmente.

Ele lançou-lhe um olhar de soslaio, rápido. Depois voltou a focar-se no volante.

Ela continuou, com a voz nivelada:

— Fiquei órfã aos seis anos. Os meus pais morreram num acidente de carro.

Ele não esperou que ela desenvolvesse.

— Lamento.

— Não faz mal. — respondeu ela logo, sem hesitação. — É só um facto. Já foi há muito tempo. Nem sequer me lembro do rosto deles.

Houve algo de seco e definitivo naquelas palavras. Como se ela não tivesse dito aquilo para provocar pena, mas apenas para pôr ordem na cronologia da conversa.

— Fui criada num orfanato. — prosseguiu, após uma pausa. — Lá pelos arredores de Leiria. Não era mau, mas também não era casa. Quando fiz dezoito, tive de sair. Deram-me um emprego e um quarto. Coisa modesta. Salário mínimo. Só percebi depois que, depois da renda, mal tinha dinheiro para comer.

Fez uma pausa curta e suspirou.

— Então... mandei tudo para trás. Peguei na mochila e decidi vir para Paris. Tentar a sorte.

Óscar manteve-se em silêncio durante alguns segundos. Depois disse:

— Foi por isso que estavas à boleia?

Ela assentiu levemente.

— Não tinha dinheiro. E... também gosto da aventura.

Ele esboçou um sorriso.

— Já te meteste em alguma situação chata?

A expressão dela mudou. Não abruptamente — foi mais como uma sombra a passar pelo rosto. Ficou calada por uns segundos, olhando a estrada como se o alcatrão pudesse oferecer-lhe outra resposta.

— Já. — respondeu enfim. A voz agora era menos firme. — Mas não importa.

Ele não insistiu.

O carro continuou a rodar, veloz e silencioso, entre campos abertos e memórias que se ficavam por dizer.

Durante algum tempo, o carro seguiu em silêncio. As perguntas pairavam no ar como folhas secas que ninguém queria apanhar.

Mas foi ela quem acabou por retribuir a curiosidade, com voz calma:

— E a tua família?

Ele encolheu os ombros, sem desviar o olhar da estrada.

— Devem estar em casa. Provavelmente. Ou então não.

Ela franziu o sobrolho, ligeiramente confusa.

— Então por que é que estás aqui... sozinho?

Ele soltou uma risada breve e sem alegria.

— Porque mais vale só do que mal acompanhado.

A resposta ficou a ecoar durante alguns segundos. Ela olhou-o de esguelha, hesitante.

— Há... problemas familiares?

Ele curvou os lábios num sorriso amargo.

— "Problemas familiares" é um termo simpático. Não abarca o que se está a passar.

Ela ficou calada por um momento, como se ponderasse até onde podia ir.

— Estás a fugir de alguma coisa?

Desta vez, ele não respondeu logo. Continuou a conduzir por mais uns bons quilómetros, o silêncio entre eles de novo preenchido apenas pelo motor, pelo som abafado da estrada a passar sob as rodas.

Depois disse:

— Conheces os aborígenes australianos?

Ela abanou a cabeça.

— Têm uma coisa chamada walkabout. É uma espécie de ritual... quando um jovem chega a certa idade, larga tudo e vai sozinho para o deserto. Dias, semanas, às vezes meses. Sem rumo. Para se encontrar, ou para perder-se. Às vezes as duas coisas são a mesma.

Ele respirou fundo. A estrada seguia plana à frente, e o céu começava a mudar de tom — um azul mais pálido, com nuvens longas como pinceladas.

— Estou a fazer mais ou menos isso.

Ela olhou-o durante alguns segundos, como quem vê uma peça de puzzle a encaixar-se. Depois voltou-se para a frente.

— Faz sentido. — murmurou.

E ficaram assim, lado a lado, duas solidões em movimento. Ele em busca de alguma coisa que talvez não queira encontrar. Ela à procura de tudo o que ainda não tem.


Sem comentários:

Enviar um comentário

O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!