quarta-feira, 3 de abril de 2024

Conscientização - XXXI

 

Andreia agarrou-se com força aos braços do assento sentindo um pânico por dentro, não um pânico forte e incontrolável mas aquele frio na barriga que nos desassossega o nosso ser e provoca pele de galinha como se todos os nossos sentidos pressentissem o perigo, pela segunda vez na sua vida e ambas neste dia.

Sentira-se assim quando tinham pousado em Nova Iorque, depois de um voo de quatro horas e antes de uma enervante espera de duas horas pelo voo de Nova Iorque para Los Angeles e agora sentia o mesmo quando o avião pousava em LAX, após mais três horas.

Decididamente não gostava de voar. Não só esta sensação era angustiante, como também o era o peso e a vertigem que sentia quando o avião saía do chão em aceleração e muito mais era, ainda, quando o avião apanhava turbulência, por mais pequena que fosse.

César olhava-a aparentemente divertido e ela não gostava do ar paternalista dele. Foi com alívio que saiu do avião, mas o alívio foi de pouca dura pois assim que saíram do aeroporto atingiu-a o calor e a poluição em excesso. Até sentiu uma pequena vertigem.

- Vai habituar-se… – limitou-se César a dizer enquanto passava por ela e chamava um táxi. Ele abriu-lhe a porta de trás do carro, auxiliando-a a entrar, dando a volta e sentando-se ao lado dela, enquanto o motorista arrumava a bagagem de ambos na mala do carro.

Quando o motorista entrou César deu-lhe instruções e arrancaram, enfiando-se num trafego lento e pesado. Apesar de tudo à sua volta ser novidade, o cansaço acabou por vencer Andreia, que se deixou adormecer. Quando César a acordou, o Sol já se punha no horizonte e a cidade parecia ter ficado para trás. Estavam a porta de um enorme armazém no meio de um bosque.

- Onde estamos?

- Na minha “casa de campo”. – Respondeu César, enquanto pagava ao taxista.

Andreia saiu e viu, por entre o arvoredo, a uma curta distância, uma mansão.

- Não devíamos ter ido antes para ali? – Perguntou Andreia.

- Não. Só viemos buscar um carro. Já deixamos as bagagens na “penthouse”, mas estava a dormir tão bem que não a quis incomodar.

Dirigiram-se ao armazém e lá chegados César introduziu um código num pequeno teclado numérico. As enormes portas começaram a abrir, mostrando as luzes fluorescentes que se acendiam ainda, iluminando o interior. Andreia ficou abismada.

À sua frente filas e filas de automóveis, todos em estado imaculado, de todas as marcas e feitios imagináveis.

- Precisamos de levar algo adequado. – Disse César.

- Adequado ao quê?

- Aos nossos propósitos. Afinal, estamos no reino das aparências, portanto temos de parecer mais do que ser.

Andreia acompanhou-o enquanto caminhavam por entre todos aqueles carros, que pareciam agrupados por marcas e depois por ano.

- Este carros são todos seus?

- Sim. Sou aquilo a que os americanos chamam de “gearhead”. – Respondeu com um sorriso. Pararam ao lado de um carro descapotável absolutamente deslumbrante, todo em cromado e azul. César sorriu.

- Já entregaram o meu Sang Bleu. Perfeito.

Cesar conduziu-a ao carro, abriu a porta e ajudou-a a instalar-se. Depois entrou ele, sentando-se ao volante, e ligou o carro. Um ronco surdo fez-se mais sentir do que ouvir e em seguida o carro começou a deslizar calmamente pelo enorme armazém. Assim que saíram as portas o carro disparou com uma velocidade fenomenal através de uma estrada sinuosa, parando quase abruptamente junto a um portão que se abria sozinho. Entraram na estrada pública e Cesar não parecia preocupado com os limites de velocidade. O carro lançava-se pela estrada a uma velocidade irreal, que do interior apenas se notava pela rapidez com que a paisagem passava e pelo ronco do motor conforme subia de rotação, porque lá dentro parecia que o carro apenas deslizava por uma estrada plana, à excepção da força centrifuga que empurrava o corpo para os lados nas curvas. Ainda assim, o assento moldava-se de tal maneira aos corpos que isso não era um problema, era um mero inconveniente. Escusado será dizer que Andreia estava muito assustada. Pelo contrário, César tinha o ar de um miúdo com um brinquedo novo na manhã de natal.

Quando começaram a descer as montanhas Andreia começou a ver toda a extensão da cidade que se alongava até ao mar numa miríade de luzes coloridas e brilhantes que faziam inveja às estrelas que quase eram ofuscados do céu. Ao entrarem na cidade, César finalmente reduziu e Andreia descontraiu.

- Que espécie de carro é este? – Perguntou ela finalmente.

- É um Bugatti Grand Sport de edição especial, o Sang Bleu. É tal e qual como eu imaginava que seria. Que máquina.

Andreia não podia deixar de concordar, embora não o tivesse dito.

- Sabe aquele armazém enorme que mandei fazer e lhe pareceu esquisito? – Ela acenou – É para estes carros. Tenciono fazer um museu na herdade. Será mais um atractivo.

- Um excelente atractivo. Já estive no museu do Caramulo, mas a sua garagem não tem nada a ver…

- Tenho é de ver se consigo convencer os meus mecânicos a mudarem-se para lá. Mas há sempre maneiras…

Entraram para uma garagem, onde finalmente pararam. Ele saiu e deu a volta ao carro, abrindo a porta e auxiliando-a para sair. Depois entraram no elevador. César introduziu um código e o elevador arrancou, levando-os para o último andar. As portas abrem directamente para um enorme hall de entrada todo em mármore rosa. Atravessam-no, entrando num salão enorme onde estava Ela.

- Tens noção de há quanto tempo estou à tua espera? – Perguntou ela, desviando o olhar do horizonte e virando-se para os encarar com um sorriso deslumbrante num rosto de anjo, sem conseguir disfarçar nos olhos a surpresa de ver César acompanhado.

- Mais ou menos três anos. – Respondeu César secamente. Ela ignorou completamente o comentário.

- Já estou aqui há horas. Confesso que não esperava ver-te acompanhado.

- Já eu confesso que não esperava ver ninguém aqui, muito menos tu.

- Ora, sabes que ainda tenho o código…

- Eis algo que tenho de corrigir rapidamente.

- E quem é a tua companhia, se posso saber?

- E isso interessa-te porque…?

- Sabes que tudo em ti me interessa…

- O sentimento não é recíproco.

- Não tinha ideia de que agora te interessavas por debutantes…

- E eu não tinha ideia de que, sequer, sabias que eu chegava hoje.

Como é que soubeste?

- Sabes que tenho os meus meios. Já te fartaste do buraquinho onde te enfiaste? Como é que aquilo se chama? Portugal?

- Não, ainda não.

- Este espécime é de lá? – Perguntou ela enquanto se dirigia a Andreia, perscrutando-a com o olhar. Andreia deixou-se ficar perfeitamente imóvel, sem saber como reagir.

- O que é que estás aqui a fazer, afinal?

- Estamos tão susceptíveis, hoje… Calma! Vim apenas convidar-te para um baile… de máscaras.

- Sabes bem que não estou minimamente interessado.

Ela olhou para César e o seu ar tornou-se ainda mais angélico e sedutor.

- Tens a certeza? – Perguntou com uma voz capaz de derreter um coração de pedra.

- Tenho. – Respondeu César com uma tal firmeza que impressionou Andreia.

- Pena… Vai lá estar o Levy… e eu sei há quanto tempo queres falar com ele…

Dito isto, ela caminhou, ou antes desfilou com uma classe impressionante em direcção à entrada.

- Se mudares de ideias, as instruções estão no envelope em cima do piano. – E saiu.

César ficou silencioso, pensativo. Andreia relaxou um pouco, enquanto tentava perceber ao que tinha assistido. Finalmente ganhou coragem para perguntar:

- Quem era?

César pareceu ausente por mais alguns momentos, mas finalmente respondeu:

- Julia – depois a sua face ficou muito séria, quase irada – Prepare-se. Vamos a um baile de máscaras.

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