sexta-feira, 12 de abril de 2024

Conscientização - XL

 

O carro rodava calmamente em direcção à penthouse.

- Então, que tal a sensação de caminhar na passadeira encarnada? – Perguntou César.

- É estranha! – Respondeu Andreia timidamente – Quem diria há meia dúzia de meses que eu estaria em L.A. a ser fotografada numa passadeira encarnada… Jamais me passaria pela cabeça.

- Bem, mas cumprimos o objectivo. Amanhã as fotos vão surgir algures e temos a justificação feita. E já agora, que tal a cerimónia?

- Maravilhosa. Quando me falou em “Night of Superstars” só me ocorreu algum evento chiquérrimo e cheio de Jet Set, mas afinal adorei estas “Superstars”. Foi giro ver os miúdos a desfilarem na passadeira e ver os famosos a aplaudi-los. E, realmente, eles merecem. São um exemplo de perseverança.

- Pois são. Merecem mesmo! – Disse César com um brilho nos olhos que não passou despercebido a Andreia.

- E também admito que gostei de ver a Miley Cyrus. – César riu-se com a observação. Ficaram um pouco em silêncio até que Andreia o quebrou:

- César, como é que eu desfilei na passadeira quando até o Jet Set estava do lado de fora? Aquilo não era suposto ser só para os miúdos?

César sorriu.

- Não só... Viu que algumas das figuras do tal Jet Set também desfilaram.

- Sim, mas esses não eram os patrocinadores? Cesar sorriu.

- Sabe, há cerca de três anos comecei a patrocinar esta organização e acho que já me devo ter tornado, senão “o”, um dos maiores patrocinadores. Puxei uns cordelinhos… Não gostei muito de o fazer mas o fim justifica os meios.

- Acha?

Cesar viu que a pergunta que ela tinha feito trazia algo atrás. Um fundo de decência e de perspectiva da realidade. Andreia sentia-se chocada pelo facto de ele ter usado um evento de beneficência para fins pessoais.

- Acho.

- Não acha estranho usar crianças e adolescentes por causa de um negócio?

- E acha que esse é o fim último disto tudo?

Andreia ficou a olhar para ele não fazendo a mínima ideia do que ele estava a falar, o seu rosto coberto pelas interrogações que se fazia. César continuou.

- Daqui a pouco vamos ter uma conversa… – disse com um sorriso enigmático.

 

***

 

Quando chegaram à penthouse Andreia foi trocar de roupa. César percebeu que ela estava curiosa. Não demorou quase tempo nenhum, nem sequer tirou a maquilhagem, apenas tirou o vestido e os sapatos e vestiu um pijama leve e umas pantufas, voltando logo para a sala.

- Acho que lhe despertei a curiosidade! – Disse César com um sorriso quando a viu voltar com aquela rapidez.

- Um bocado…

- Então não estarei com rodeios. – Pegou no portátil que tinha na pequena mesa de sala, em frente ao sofá, trouxe-o mais para junto de si, pegou no comando do enorme ecrã de plasma que ligou, aparecendo a imagem do portátil nele. Depois arrancou um programa e de imediato apareceu um enorme esquema no ecrã – Consegue perceber o que isto é?

Ela olhou com atenção, tentando perceber o esquema.

- Parece ser uma rede de empresas!

E é. De há três anos para cá é a isto que me tenho dedicado. Tenho feito todas estas aquisições, mais ou menos nos mesmos moldes que a de hoje. Basicamente, tenho agarrado empresas de várias áreas. Primeiro comecei com empresas de serviços. – Estas iluminaram-se no esquema – Comunicações, transportes… Comprei-as, viabilizei-as e mantive-as. No passado tê-las-ia desmembrado e vendido com lucro. Viabilizava-as à custa de cortes, punha-as numa rota de crescimento e desfazia-me delas. Nestes casos não foi bem assim… De qualquer forma, como pode ver, consegui quase uma rede global de empresas em sectores chave; comunicações, transportes, logística, armazenamento, distribuição e vendas. Depois comecei a adquirir estruturas produtivas.

- Mas isto é uma “holding”?

- Oficialmente não. Tenho sido o mais discreto que posso. Se não o fosse, não me deixariam chegar aqui. Mas cheguei finalmente a uma posição interessante. Aquilo que eu quero que a Andreia faça é começar a integrar todas estas empresas. Não uma integração de marca, ou nem sequer numa holding oficial, mas de forma subtil. Quero que estas empresas trabalhem concertadamente. Todos os pedidos e contractos externos devem ser tratados e processados normalmente. Todos os contractos entre estas empresas devem garantir apenas um lucro mínimo que permita que as empresas continuem em expansão, mas diminuindo os custos ao longo de todas as fases, desde a produção até à venda final.

- Mas algo assim vai permitir pôr quase todos os produtos no mercado a preços muito abaixo dos praticados normalmente…

- Mas não é isso que vamos fazer. Os preços vão manter-se. Podemos baixá-los um pouco em relação à concorrência, mas não muito.

- Mas nesse caso o lucro vai ser algo… Brutal!

- Sim, mas esse lucro em excesso vai ser canalizado.

- Para onde?

- Observe onde estão localizadas as estruturas produtivas. – E as empresas iluminam-se no ecrã. Andreia passou uns momentos a verifica-las.

- Bem, a maior parte na China, sudeste da Asia…

- Exacto. Países com mão-de-obra barata, baixas qualificações, condições de trabalho algo degradantes…

- Sim. E é logico, porque mantendo o baixo custo de produção conseguem-se margens de lucro confortáveis!

Claro. Mas nós vamos diminuir as margens de lucro a montante. Andreia não percebia onde César pretendia chegar, apesar de perceber os efeitos em cadeia do que ele estava a fazer. Ele continuou.

- Escute! Aquilo que quero é que a curto prazo as condições de trabalho e segurança sejam melhoradas nestas fábricas. Além disso, devem ser implementadas medidas que levem a um controlo de qualidade rigoroso de todos os produtos para que estas marcas se tornem reconhecidas pelos consumidores como fiáveis. Os horários de trabalho devem ser diminuídos gradualmente, à medida que o plano se vai impondo, de forma a dar melhor qualidade de vida a estes trabalhadores. Devem ser implantadas estruturas de formação para os qualificar. E logo que possível, os ordenados devem aumentar.

Andreia ficou a olhar para César, surpreendida. Numa lógica de maximização de lucro, este plano seria contraproducente. No entanto, teria um impacto positivo na vida de milhares de trabalhadores que neste momento laboravam em condições que, em alguns casos, se poderiam considerar sub-humanas.

- Posso perguntar qual o objectivo final?

- Mas claro. Melhores trabalhadores e melhores condições de trabalho levam a que sejam produzidos melhores produtos com benefício claro para toda a gente envolvida, desde a produção até à venda final.

- E posso perguntar porquê? Ao fim ao cabo, isto parece-me, não só ir contra toda a lógica existente, mas também me parece ter o potencial de deixar muita gente mal disposta…

- A resposta a essa pergunta é ainda mais simples, Andreia.

- É?!

- É.

- E qual é a resposta, posso saber?

César fez aquele sorriso sacana que, Andreia percebia agora, aparecia quando magicava algo.

- Porque posso.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário

O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!