quinta-feira, 18 de abril de 2024

Conscientização - XLVII

 Voltara de imediato para o hospital, de onde não saiu mais.

Andreia ia e vinha, sempre agarrada ao telemóvel.

No final desse dia transferiram César para um quarto privado, uma vez que a situação dele estabilizara. Céu foi autorizada a ficar no quarto e não saiu mais de lá. Andreia, nas suas andanças, lá ia trazendo alguma comida em que ela apenas tocava com algum esforço.

No dia seguinte as manchetes dos jornais falavam da multimilionária que se tinha suicidado num hotel de luxo em Lisboa depois de ter perdido toda a sua fortuna. Andreia entrou com o jornal no quarto. Entregou-o a Céu, com um olhar inquiridor. Céu respondeu também somente com o olhar, ambas decidiram tacitamente que não era boa ideia falar no assunto e, para todos os efeitos, nada se tinha passado senão o que vinha na notícia.

Ao fim de três dias César foi desentubado e cortaram a medicação que o mantinha em coma. Restava esperar. Algumas horas depois Céu, que dormitava sentada, debruçada para cima da cama de César, sentiu um leve aperto na sua mão, despertando de imediato. Levantou a face e viu os olhos vivos de César a olhar para ela.

- Olá – disse ele a custo.

- Olá – disse ela com a voz embargada pelas lagrimas de felicidade que começavam a escorrer-lhe pela face.

- O que é que aconteceu? – Perguntou ele, ofegante pelo esforço de falar.

- Não tentes falar. Descansa. – Disse ela enquanto se levantava e lhe dava um leve beijo nos lábios – Estiveste quase a partir, mas ainda não foi desta.

- Só os bons é que morrem novos, portanto… – respondeu ele, com uma sombra de sorriso no rosto.

Ela sorriu. Depois começou a contar-lhe tudo o que se passara. Ele ficou com um olhar estranho quando viu a manchete no jornal e mais ainda enquanto Céu lhe lia a notícia. Ainda assim, não fez qualquer comentário.

 

***

 

O jovem estava ali, nervoso, algemado à mesa. Tinham-no trazido para ali, fora das horas normais de visitas, algemaram-no e saíram, deixando-o sozinho na enorme sala. Sentia-se assustado.

Um homem entrou por uma porta ao fundo, caminhando na sua direcção lentamente e com alguma dificuldade. Chegado à sua frente, puxou a cadeira, sentou-se e olhou-o directamente nos olhos. Ele encolheu-se.

- Sabes quem eu sou? – perguntou o homem.

Ele limitou-se a assentir. Não encontrava palavras para dizer no meio de tudo o que estava a sentir, a culpa, o remorso…

- Sabes qual é a tua sorte?

Acenou negativamente com a cabeça.

- A tua sorte é que eu conhecia bem demais a Julia. Sei perfeitamente do que ela era capaz e tenho a certeza de que te fez a cabeça.

Enfiou os olhos no chão e tentava esconder as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.

- Também sei que um gajo, na tua idade, só pensa com uma cabeça, e normalmente não com a que devia pensar…

Continuou em silêncio. Aquele homem que estava à sua frente era quem ele tinha tentado matar a sangue frio. Esperava tudo o que pudesse vir.

- Olha para mim. – ordenou-lhe o homem. Ele levantou a cabeça

- Achas que aprendeste alguma coisa com isto?

Continuou em silêncio. Apetecia-lhe prostrar-se aos pés daquele homem e pedir-lhe perdão pelo que tinha feito. Mas não conseguia falar. Limitou-se a olhar para ele e a assentir.

César sorriu. O sorriso de César foi o catalisador final e o jovem rompeu num pranto.

- Desculpe – dizia – Eu não sei….

César assentiu. Levantou-se e virou-lhe as costas, caminhando para a saída. Lá chegado virou-se para trás e disse-lhe:

- Rapaz, ainda vais passar aqui algum tempo. Não por minha vontade, garanto-te. Por mim tirava-te daqui hoje, mas sabes como é… Processos de tribunal, polícia e coisas afins. No entanto, a partir de hoje vais ter um advogado novo e acredito que ele arranje maneira de te tirar daqui em pouco tempo.

O rapaz ficou atónito a olhar para ele.

- Mas digo-te já: O pouco tempo vai ser mais ou menos o mesmo que demorares a tirar um curso superior. Tens a escolaridade mínima?

Ele assentiu.

- Menos mal. Significa que ficarás aqui menos tempo. Vou tentar arranjar-te privilégios especiais para poderes assistir às aulas normalmente.

Não sabia o que mais dizer por isso limitou-se a um verdadeiro e sincero – Obrigado!

- Nos próximos dias virá alguém ter contigo. Se queres um conselho meu: aplica-te. Se não fores tu a fazer por ti, ninguém vai fazer.

César voltou-se, abriu a porta e ia já a sair quando se voltou e disse:

- Entretanto, até o curso acabar, vê se aprendes a pensar só com a cabeça de cima… É o mínimo que eu peço aos meus empregados. No dia em que saíres daqui quero ver-te à minha frente.

Não esperou por uma resposta e saiu fechando a porta atrás de si. Os guardas entraram, desalgemaram-no e levaram-no de volta para a cela. Só ali ele foi pensando em tudo o que se tinha passado. Dentro de si uma pequena luz pareceu acender-se cheia de esperança e sentiu-se imensamente grato à vida por lhe estar a conceder o que ele não merecia.


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