segunda-feira, 3 de maio de 2021

Um casamento moderno - V

 

Nos dois dias seguintes ela nem se deu conta de que quase não falou com o marido. Estava tão perdida entre mensagens de texto e tão ansiosa que nem reparou que ele quase não saiu do escritório. Mesmo ao jantar, a única refeição que partilhavam sem excepção, não reparou que mal trocaram algumas palavras.

Dois dias depois ela chegou a casa, foi tomar um longo banho perfumado, escolheu cuidadosamente a sua lingerie, a roupa com que ia sair, aplicou cuidadosa e meticulosamente a sua maquilhagem, vestiu-se, calçou uns sapatos escandalosamente altos, mas que faziam as suas pernas parecerem mais torneadas do que já eram, olhou-se ao espelho e pensou no que o seu quase amante sentiria quando a visse. Tesão, esperava ela. Só o simples pensamento criava alguma humidade na sua zona genital, o que era algo de novo para ela. Raras vezes se tinha sentido assim, e gostava do que sentia. Mal podia esperar!

Saiu do quarto, toda produzida, abriu a porta do escritório do marido, que olhou para ela assim que a porta abriu e não conseguiu conter o espanto, logo seguido por um apagar daquela chama que pareceu surgir momentaneamente no seu olhar.

-Vou sair. – Anunciou ela simplesmente.

-Ok! Não te esqueças do que combinamos! Avisa-me que estas bem. Se algo não estiver bem, liga-me.

-Não me esqueço. Até logo.

-Até… - disse ele num tom mortiço, desviando o seu olhar para o monitor e desviando por completo a atenção dela.

Daí a cerca de meia hora recebeu uma mensagem dela dizendo que estava tudo bem. Respondeu “OK” as lagrimas corriam-lhe pela face e os gatafunhos no monitor bem podiam ser hieróglifos sem sentido. Como a sua vida aparentava estar, sem sentido.

O seu cérebro não parava, o seu ego torturava-o e rebaixava-o. “Achas-te um homem a sério?”, “Se te desses ao respeito ias ter com ela e davas uma valente trepa ao tipo”. Estava farto desta voz na sua cabeça. Levantou-se de repente, foi até à garagem e procurou uma caixa, da qual já não sabia o paradeiro há muito. Não a encontrava, por mais que procurasse, até que olhou para uma outra caixa, abandonada há mais de uma década, coberta de pó e lembrou-se que a caixa que procurava estava dentro da outra. Procurou um pano e retirou a caixa grande do lugar onde repousava, limpando depois 12 anos de poeira e lixo que nem deixavam ver a cor castanha da caixa. Finalmente abriu-a, e ali estava, não só a pequena caixa que procurava, mas também a sua guitarra, uma Les Paul Standart que tinha sido o seu maior orgulho. Tirou a caixa pequena e colocou-a no bolso de trás das calças e ia para fechar a caixa quando parou e olhou para a guitarra. Parecia que após 12 anos de silêncio, ela queria falar novamente. Fechou a caixa, mas levou-a para dentro de casa, para o seu escritório. Aí, retirou-a finalmente. A caixa tinha cumprido com a sua obrigação e a guitarra, à excepção das cordas ferrugentas, parecia que tinha sido arrumada ontem. Tentou afiná-la, mas as cordas simplesmente desintegraram-se. Pousou a guitarra de volta no estojo e perguntou-se se ainda saberia tocar.

Mas, ainda que quisesse descobrir, sem cordas seria impossível. Pegou na caixa pequena, abriu-a e retirou dela uma cabeça de erva, uma mortalha, procurou um pouco de cartolina, com o qual fez um filtro, enrolou um cigarro de uma maneira pouco convencional, devido à falta de prática, mas lá conseguiu qualquer coisa. Foi para o seu quintal, acendeu o cigarro e pela primeira vez, nos últimos dias, sentiu os seus pensamentos desvanecerem-se numa nevoa de esquecimento.

Depois foi-se deitar.

Uma eternidade, ou pelo menos assim lhe pareceu, depois recebeu uma mensagem dela, “está tudo bem, a voltar agora para casa”. Mais uma vez respondeu “OK” e desligou o telemóvel.

Meia hora depois ouviu a porta da rua a abrir. Pouco depois viu-a entrar no quarto, pé ante pé, ela abriu gavetas com todo o cuidado, tirou roupa de dormir e saiu do quarto. Voltou uns 20 minutos depois, com o cheiro de ter acabado de tomar banho e o cabelo quase seco mas ainda com alguma humidade.

Ela deitou-se o mais devagar que pode, só se apercebendo então que ele ainda estava acordado quando ele levantou o braço, como sempre fazia, deixando-a aninhar-se nele com a cabeça encaixada no seu ombro.

-Estás bem? – Perguntou ele num sussurro.

-Sim! – Respondeu. Estava mesmo bem. Tinha ido jantar a um hotel e o seu amante tinha feito os possíveis por ser o primeiro encontro mais romântico possível. Depois subiram para um quarto, já no elevador tinha sido impossível conterem-se e quando chegaram finalmente ao quarto já todas as roupas de ambos estavam desalinhadas e começaram a ficar espalhadas pelo chão mesmo antes de a porta fechar. E assim que as roupas saíram dos corpos ela empurrou-o para a cama e estava já tão molhada que o fez entrar nela de uma só vez, tirando-lhe a respiração. O orgasmo foi breve, intenso como ela nunca tinha tido! Nunca na sua vida tinha sentido tanto desejo. Depois falaram por algum tempo, trocaram mimos e carícias, embora não tenham voltado a fazer amor. Não que ela não se tivesse esforçado mas ele estava cansado e não conseguiu. Mas ainda sentia o seu corpo a vibrar da excitação daquela primeira noite.

Aninhou-se ainda mais no seu marido e deslizou para o sono…

10 comentários:

  1. É do caraças, senhores leitores.
    :)

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    1. (só aqui para nós, não me parece que haja muitos desses por aqui... ;) )

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    2. E então! Qual a dúvida?
      Nem todos os tripeiros têm o vocabulário curto ahahahaha

      Bom dia, sô Gil

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    3. É o que faz dares de frosques, os leitores desabituam-se, ahahahah

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    4. Não me estava a queixar, só a constatar, uma vez que te dirigiste aos "potenciais" leitores... LOL

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  2. Claro que foi uma introdução e um orgasmo rápido. Ainda vinha quente do amante, lol
    Gostei da narrativa. Voltarei. Cumprimentos
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. A narrativa é acerca do que se passou no hotel com o amante. Nada se passou com o marido (só para esclarecer...) :)

      Obrigado pela visita

      Cumprimentos

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  3. Fico dividida ao ler esta história. Por um lado entendo que um relacionamento como o deste casal, que vem quase do berço, seja um bocado morno e que ela sentisse necessidade de mais. Por outro lado não entendo essas modernices de casamento aberto, e infidelidade é infidelidade seja em que situação for mesmo que apenas numa relação temporária. Enquanto se está com um parceiro respeita-se esse parceiro. A situação não é a melhor na cama. Conversa-se com ele ou ela, e faz-se saber do que se gosta e como se gosta. É assim que penso, mas enfim eu já sou velhota, estou ultrapassada.
    Abraço, saúde e uma boa semana

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    1. Elvira, como diz, modernices...

      ...se isto fosse a anedota do Alentejano, ele chegava a casa, dava com ela e o amante na sala e dizia "Tu e essas modernices... Ê que nã t'apanhe é fumando, tájóvir?" ;)

      Abraço, Elvira :)

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!