sexta-feira, 7 de maio de 2021

Um casamento moderno - IX

 

O tempo continuava a passar, mas nada parecia mudar.

Ela continuava a ter os seus pensamentos e dúvidas, aumentadas ainda mais pelo facto de ele, no início, sair apenas à sexta-feira e voltar quase sempre antes da meia-noite, mas depois daquele fim-de-semana as saídas começaram a ser mais frequentes e raramente entrava em casa antes das cinco da manhã. Em muitos fins-de semana ele chegava, deitava-se no sofá ainda vestido, acordava perto da hora de almoço, levantava-se, comia, ficava algum tempo com ela, porque apesar de tudo o que se passava, eles não se afastavam assim tanto, embora ele parecesse mais frio do que sempre fora, mais abatido…

Mas estes pensamentos vinham mais nestes dias em que ele se ausentava e ela não saia. Ainda assim, as constantes trocas de mensagens com o amante distraiam-na, mas havia momentos em que sentia verdadeiramente a falta do marido. E continuava a pensar “Quem seria ela?”! Ou elas! E havia uma ponta de ciúme que a corroía!

Já ele tinha os fins-de-semana ocupados pêlos concertos. Estavam num ponto em que já nem tinham tempo para ensaiar e eram agora banda fixa numa série de casas de espectáculo, algumas delas razoavelmente grandes. Tinham conseguido um público fiel, que praticamente os seguia todos os concertos, o que fazia os donos dessas casas de espectáculo ficarem felizes por terem sempre casa cheia quando eles tocavam. Basicamente eles e os fans tinham-se tornado uma espécie de família alargada.

E para Marcelo as coisas não estavam fáceis. A atenção que lhe era dada pelas mulheres, sobretudo porque era o único que aparecia sempre sozinho, sendo que as companheiras dos outros membros da banda faziam sempre questão de estar presentes, era bastante. Fosse a sua vida diferente e estaria a viver na versão do paraíso para qualquer homem. Mas sendo como era, tornava-se complicado!

Muitas vezes sentiu a forte tentação de pôr de lado os sentimentos e seguir. Seria fácil. E não tinha qualquer tipo de intimidade com uma mulher há meses. As suas hormonas ferviam quando algumas mulheres se atiravam despudoradamente para o seu caminho. Era sempre gentil com elas e tentava evitar que as coisas escalassem, sem lhes magoar os sentimentos. No fundo, apesar de por vezes lhe apetecer agarrar numa, levá-la para a cama e satisfazer os seus ímpetos e instintos, sabia que esse seria um mau caminho. Aliás, estava aqui, neste ponto da sua vida, precisamente por causa disso. Tinha de se relembrar constantemente que dois errados não fazem um certo!

Entretanto, chegou a altura do Natal e um bocado de alegria na sua vida. O seu filho, Tomás, vinha passar a época com eles.

No dia em que ele chegou, apanharam-no no aeroporto e seguiram directo para o Norte, para casa dos pais dela. Tiveram uma conversa prévia acerca da situação em que estavam. Não queria que nada transparecesse para fora da sua habitação.

No entanto o Tomás, assim que viu a mãe, ficou perturbado. Nos seus dezoito anos de vida nunca vira a mãe vestida daquela maneira e mal ele sabia que ela fez um esforço para parecer mais discreta que o habitual.

A viagem foi toda preenchida com conversa acerca das novidades na vida do filho. Claro que falavam frequentemente, mas há uma enorme diferença entre olhar para um ecrã e ter a pessoa ao lado.

Chegaram e, como sempre, Clara não deixava o telemóvel de lado, constantemente a trocar mensagens. Ela não se conseguia conter quando chegavam mensagens mais “Marotas”, o seu rosto iluminava-se, e apesar de quer ela, quer o marido, afirmarem que eram coisas de trabalho, a verdade é que a sua atitude fazia levantar alguns sobrolhos…

…Sobretudo da sua mãe!

Depois do almoço, enquanto estavam as duas na cozinha sozinhas a arrumar a louça, a mãe não se conteve:

-Filha, olha lá, passa-se alguma coisa no teu casamento?

-Claro que não, mãe. Está tudo bem! Porque é que perguntas?

-Vejo-te por ai de um lado para o outro a escrever no telemóvel e a dar risadinhas quando recebes mensagens… E vejo o teu homem tão… sei lá, parece distante e triste…

-Não se passa nada, mãe. É só cansaço! Ele tem trabalhado muito…

A mãe olhou-a nos olhos, como fazia quando ela era pequena e lhe mentia, com um sobrolho levantado!

-Clara Maria, mas tu esqueces-te que eu te carreguei na barriga? Achas que me consegues enganar? Não sei o que é que se passa, mas sei que se passa qualquer coisa, e olha que a tua atitude diz muito!

-Ó mãe, lá estás tu com as tuas coisas…

-Não me tentes mandar areia para os olhos, que eu sou velha, mas não sou parva! E já te disse, não sei o que se passa, mas digo-te já, tu tem cuidado com o que andas a fazer, rapariga! Olha que homens como o teu não há muitos. Se já quando ele era jovem deixou por aí um rasto de corações partidos, como ele está agora e com a vida que tem… O que não falta por aí são mulherzinhas que não se importavam nada de te substituir… Ele não anda a dar voltas por fora, não?

-Não, mãe. Que eu saiba não!

-Tu põe-te a pau, filha. Olha que se ele se afastar demais pode ser difícil trazê-lo de volta!

-Ó mãe, pára lá com isso! Já te disse que não se passa nada…

E ela teve de se lembrar de ter mais cuidado com o telemóvel e as suas reacções. Mas, mais do que isso, as palavras da mãe fizeram eco das preocupações que já tinha.

Nessa noite, quando se deitaram no quarto de hóspedes, ela, como sempre, aninhou-se nele.

-Sabes que eu te amo, não sabes? – Perguntou.

-Sim, sei! – Disse ele com uma voz com uma nota de tristeza.

Ela esperava qualquer coisa do lado dele que lhe desse segurança, mas ele apenas permaneceu calado e estático.

Ela teve medo de perguntar mais alguma coisa. Pela primeira vez em meses sentiu-se insegura ao lado dele.

Ele, como se tivesse adivinhado os seus pensamentos, acabou por lhe dizer:

-Sabes que podes sempre contar comigo!

Não foi bem o que ela queria ouvir, mas muito mais do que esperava, e acabou por adormecer nos braços dele.

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