sexta-feira, 21 de maio de 2021

Um casamento moderno - XXIII & XXIV (Final)

 E com este segundo post de hoje (como costumo fazer às 6ªs Feiras), chegamos ao final desta história.


Na segunda-feira ela, assim que chegou a casa, anunciou-lhe com tristeza que teria de ir para fora, para uma conferência, no Fim-de-semana  seguinte. Teria de sair na quinta, dia dos anos dele e só voltaria no domingo à noite.

Ele, claro, ficou triste, por ela ter de se ausentar precisamente no dia do seu aniversário, mas ela disse-lhe que viria a casa almoçar com ele e só depois sairia em viagem. Pelo menos sempre teriam um bocadinho juntos…

No resto da semana ela parecia andar completamente distraída a trocar mensagens de texto no telemóvel, ria-se… Ele, compreensivelmente, estava notoriamente desiludido e começou a sentir um vazio enorme no peito. Não esperava de todo isto!

Na quinta-feira, dia do seu aniversário ela saiu cedo mas, tal como tinha dito, veio almoçar com ele. Depois arrumou uma mala com algumas coisas, deu-lhe um abraço forte e apertado e saiu, dando-lhe um pequeno envelope com um cartão.

-E a minha prenda para ti! Acho que qualquer outra coisa seria superficial. Abre só depois de eu sair, OK?

Ele assentiu, ela chegou-se a ele, abraçou-o, forte, chegou-se a ele e, pela primeira vez em meses ele não lhe virou a cara quando ela fez questão de o beijar. Os lábios tocaram-se, colaram-se, as línguas envolveram-se numa dança nitidamente carregada de desejo. Quando finalmente se separaram estavam ambos sem folego. Ela via aquele fogo no seu olhar e sentia ela própria um fogo na alma… Esteve muito perto de mandar o plano à fava, empurra-lo para o sofá tirar a roupa e…

Mas conteve-se a custo!

Acabou por sair de casa e dirigir-se ao hotel onde tinha alugado um quarto para passar essa noite. As suas companheiras de “crime” ainda lhe propuseram que ela passasse a noite em casa de uma delas, mas não se conheciam bem e ela não queria sobrecarregar ninguém.

Ligou-lhe à noite, depois do jantar. Ficaram horas ao telefone, a falar como se fossem dois adolescentes, até entrarem pela madrugada adentro. Ela não queria que alguma dúvida ficasse nele de que ela estaria com alguém.

No dia seguinte foi trabalhar normalmente, e quando voltou ao hotel, ao fim da tarde, trazia já consigo um lanche ajantarado. Logo que acabou de comer foi tomar um longo banho e foi-se arranjar para sair. Quando acabou, dirigiu-se à recepção, entregou a chave do quarto, e arrancou.

Quando chegou ao destino foi buscar o estojo castanho à mala do carro, pegou no telemóvel e mandou uma mensagem. Entretanto viu à distância a Marta e o seu grupo de amigas a entrar no espaço onde ela se dirigia. E, de repente, recebeu uma resposta à mensagem e avançou.

O porteiro, assim que a viu com o estojo, franqueou-lhe a entrada.

Ela entrou e rapidamente viu a mesa onde estava Marcelo, de costas para si. Avançou sorrateira, sendo claramente notada por toda a gente, menos ele. Numa outra mesa, um outro homem sozinho olhava-a com antecipação e luxúria no olhar, mas ela seguiu em frente e nessa altura uma das funcionárias da casa chegava à mesa com um bolo de aniversário de velas já acesas, para enorme surpresa de Marcelo enquanto os seus companheiros e as suas mulheres se riam do seu embaraço.

-Mas como é que vocês souberam?

-Mas achavas que não íamos descobrir?

A Marta e as amigas a aproximaram-se da mesa e deram os parabéns, com a Marta a aproveitar para dar um abraço algo mais apertado e insinuante. Cantaram todos os parabéns, abriram uma garrafa de espumante e o Lucas disse a Marcelo:

-Acho que há alguém atrás de ti que também quer um copo… - piscando-lhe o olho.

Marcelo virou-se. Ela estava ali. Absolutamente deslumbrante num vestido que lhe realçava cada curva do corpo com sensualidade, carregado de transparências que fazia trabalhar a imaginação de qualquer homem.

Ela pousou o estojo no chão e esticou a mão, recebendo a taça de champagne. Levantou o copo, numa saudação, no que foi seguida por toda a gente, deu um golo e disse-lhe:

-Parabéns!

Depois, jogou-se-lhe nos braços, apertou-o contra si, e sem esperar qualquer espécie de aprovação colou os seus lábios aos dele, ofereceu-lhe a sua língua, envolveu-o, sentiu a sua rigidez, mas não se importou. Ele era dela! De mais ninguém!

Marta observou isto tudo meio em choque e a pensar “Mas quem é esta mulherzinha?”, irritada, mas afastou-se rapidamente com o seu grupo.

Ela finalmente quebrou o beijo, chegou-se ao ouvido dele e disse num sussurro:

-Tenho duas prendas para ti, uma que precisas e uma que queres mas ainda não sabes! Qual queres primeiro?

-Antes de te responder, Não era suposto só voltares no Domingo?

-Bem, se tivesse ido para fora, para uma conferência, era, mas como só fui passar a noite a um hotel para te fazer a surpresa, e a cama nem era grande coisa…

-És má!

-Eu sei… Mas diz lá que não gostas?

Ele olhou-a de lado, com um sorriso um bocado sacana.

-Mas, então, vais responder-me? – Perguntou ela.

Ele pensou um pouco.

-A que preciso!

Ela baixou-se, agarrou no estojo e entregou-lho.

-Espero que gostes!

Ele pousou o estojo, abriu-o e ficou estupefacto a olhar para a guitarra.

-É para usares hoje. A tua velhinha já merece um descanso… Mas, anda, quero dar-te a outra prenda.

Ele deixou a tampa do estojo cair, sem o fechar e pegou na mão que ela esticava para ele, seguindo-a até uma mesa onde estava um tipo sozinho que, por esta altura, olhava para Marcelo já sem um pingo de sangue na face e olhava em volta como se procurasse um sítio para onde fugir. Lá chegada ela dirigiu-se ao tipo:

-Pedro, este é o Marcelo, Marcelo – disse virando-se para o marido – este é o Pedro.

Os dois cumprimentaram-se,  sem Marcelo saber o que pensar. Ela continuou:

-Pedro, este é o meu marido. – Os olhos do homem abriram com uma expressão de medo absoluto. Ela continuou - Marcelo, este é o paspalho.

Marcelo ficou a olhar para ela com um misto de surpresa e irritação. Depois de uns instantes para processar a informação, perguntou-lhe:

-Isto é uma maneira de quebrares as tuas regras?

Ela sorriu, abraçou-o e respondeu:

-Não, querido! É uma maneira de as reforçar…

E piscou-lhe o olho!

Ele percebeu. Olhou para o outro tipo já com um sorriso sacana no canto dos lábios, encolheu os ombros e deixou-se arrastar por ela de volta à sua mesa…


 


 

XXIV

 

O concerto foi espectacular e Marcelo não deixou de reparar na cumplicidade que parecia já existir entre Clara e as companheiras dos seus colegas de banda. Tocou todo o concerto com a guitarra nova que estava afinada completamente a seu gosto.

-Espero que esteja confortável… - disse-lhe Lucas no intervalo de um dos temas!

-Tu já sabias, sacana!

-Então, ela foi ter comigo… Que é que achas da menina?

-Está mesmo no ponto. Obrigado pá!

O concerto acabou e o bar foi ficando vazio. Algumas das ultimas pessoas a sair foram as raparigas do grupo de Marta, que ainda fez questão de ir cumprimentar Marcelo, mas que percebeu que era fuzilada a cada momento pelo olhar de Clara, que observava cada gesto seu. Depois o palco foi arrumado enquanto Clara e as outras companheiras continuavam numa animada cavaqueira.

Entretanto Marcelo foi dispensado pelo resto do grupo de ir pôr o material na garagem e seguiu directo para casa com Clara.

Ela passou-lhe as chaves do carro, que ele recebeu com naturalidade. Normalmente era ele quem conduzia.

Arrancaram e ele percebia que ela o olhava de uma maneira a que ele não estava habituado. Apenas se apercebia dela pela sua visão periférica, mas a intensidade era inescapável.

-Desculpa por ontem. Custou-me imenso não te dizer nada, mas queria que o dia de hoje fosse mesmo especial para ti, na companhia dos teus amigos.

Ele sorriu.

-E desculpa também pela cena com o Pedro. – Ele ficou em silêncio e ela continuou – Ele ligou-me no meio da semana e fui almoçar com ele. – Confessou! Marcelo não disse nada.

-Precisava de fechar esta questão! – Continuou - Mas a maneira como ele falou comigo… Depois do que fez… Sabes que nem me sinto tão culpada por mim, mas falar com a mulher dele e perceber o quanto, sem o saber, a afectei… Ainda me dói na alma! E queria mesmo que tu soubesses que ele não significa nada para mim!

-Sabes, - disse ele finalmente em resposta - … por momentos fiquei bastante apreensivo!

-Bastante?

-Sim! Passou-me tudo pela cabeça… Até a hipótese de me estares a propor um ménage…

-Tonto!

-A sério! Passaram-me montes de coisas pela cabeça naquele instante, sobretudo as mais estúpidas. Mas quando disseste que era um reforçar da regra…

Ela sorriu, feliz na certeza de que não precisava de explicar mais… Ele tinha entendido!

-Se tu soubesses… - disse ela mudando de assunto - …o quanto é chato, às vezes, não usar roupa interior…

Ele levantou o sobrolho.

-Não estás a usar roupa interior?

-Não! – Respondeu ela e levantando a saia perguntou-lhe – Vês?

Ele olhou e constatou que era verdade.

-Ficava feio, por baixo deste vestido…

-Mas tinha sido mais prático… – respondeu ele com um ar gozão.

-Tinha! Mas não era a mesma coisa… - disse ela, com aquela intensidade no olhar que o estava a mistificar.

-Pois… - disse ele com um sorriso alargado e um lampejo de fogo nos olhos a que ela não ficou indiferente - …não era.

Ela tocou o seu sexo, expondo-se a ele, claramente excitada e disse:

-Na maior parte do tempo até é mais confortável, mas em alturas assim… - e tocou-se de novo, soltando um pequeno suspiro - … torna-se complicado!

-Compreendo o teu problema! E achas que posso fazer alguma coisa para te ajudar em relação a isso?

-Não sei! – Respondeu ela – A única coisa que eventualmente me ocorre é que pares o carro num sítio escondido qualquer para eu te arrastar para o banco de trás e te dar uma foda que te abane o mundo, que acho que não posso esperar até casa!

Ele olhou para ela, sorriu…

…e ligou o pisca…


F I M

Um casamento moderno - XII

 

Estava a meio da manhã de trabalho quando de repente o visor do telemóvel se iluminou!

“Podemos falar?”

Sentiu uma raiva e um impulso de responder de imediato com qualquer coisa como “Vai para Inferno!”, talvez mais diplomático, mas com mesma intenção! Mas parou-se de o fazer!

Pensou bem, e isto era, sem dúvida, ainda uma ferida em aberto!

O que quereria ele? Bem, ela sabia o que ele fundamentalmente queria, não sabia era o que ele faria para tentar lá chegar.

“Almoço, sítio e hora do costume?” Acabou por responder.

“Até já” foi a resposta.

Ele já a esperava, sorridente, genuinamente feliz por vê-la. Ela sentou-se e fez sinal ao empregado, pediu o prato do dia, ele também pediu.

Assim que o empregado se afastou ele falou:

-Estava com tantas saudades tuas… Estás linda!

-Obrigada.

Ele ficou em silêncio a olhar para ela com um ar absolutamente apaixonado.

-O que é que querias afinal? – Acabou ela por perguntar.

Ele como que saiu de um transe.

-Ah,… Queria pedir-te desculpa pela cena com a minha mulher…

-A “cena” com a tua mulher? É isso que lhe chamas? – Ele ficou em silêncio – E a “cena” de me teres enganado?

-Eu nunca te enganei…

-Disseste-me que tinhas um casamento aberto, que não havia problemas, que estava tudo bem…

Ele ficou em silêncio e entretanto foram servidas as suas refeições. Deram a primeira garfada e ele falou.

-Sim, eu sei, eu menti. Mas tens de perceber… fiz isso porque estou apaixonado por ti!

-O que é que aconteceu entre ti e a tua mulher?

-Pá, ainda estamos a viver juntos mas estamos de acordo que nos vamos separar.

-Vais deixar a tua mulher, grávida de seis meses?

-Ela está a fazer-me a vida num inferno!

-Porque será?

Comeram mais um pouco, em silêncio. Foi ele que o quebrou:

-Clara, eu amo-te! Eu quero-te. Quero deixar tudo para trás e estar contigo.

Ela parou de comer e ficou algo atónita a olhar para ele.

-E eu sei que me amas,… - continuou ele.

-Estás cheio de certezas…

-Não digas isso, Clara, eu sei… os momentos que passamos…

Ela continuou em silêncio a comer.

-Dava tudo… - continuou ele - …por mais uma noite contigo, se queres que te diga…

Ela acabou de comer, olhou para o relógio e apercebeu-se que era tarde.

-Tenho de ir. – Anunciou-lhe ela.

-E vais deixar-me assim, sem uma resposta?

Ela ainda deu um passo a afastar-se mas parou e subconscientemente mordeu o lábio e uma chama passou-lhe pelo olhar. Voltou atrás, tirou um bloco de post-its e uma caneta da sua bolsa escreveu um nome e uma hora, descolou o papel e deu-lho. Depois virou-se e saiu.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Um casamento moderno - XXI

 

Ela viu-o a sair para ir para o concerto e percebeu que ele hesitou um pouco antes de sair. Percebeu que ele esteve muito próximo de lhe dizer para aparecer, ou coisa do género, mas deixou a ideia de lado e foi!

E ela queria aparecer, mas se o fizesse…

Assim que ele saiu, pegou no telemóvel e fez uma chamada.

-Sim? – Atendeu uma voz feminina do outro lado.

-São? – Perguntou.

-Sim, quem fala?

-Não nos conhecemos. Foi o Lucas que me deu o seu número. O meu nome é Clara, sou a mulher do Marcelo.

Ouviu uma gargalhada do outro lado.

-O Lucas já me tinha dito que ia ligar, mas eu nem esperava, a sério. Sabe, nós já especulámos tanto sobre si…

-A sério? Você e o Lucas?

-Querida, trate-me por tu. Não, nós o grupinho das mulheres! Quando o Lucas me disse que, de facto, existia, e eu contei às outras foi um sururu. Sabe, o Marcelo é um querido e todas o adoramos, mas ele é bastante reservado…

-Eu sei como ele é… - respondeu, com uma nota de sorriso na voz.

-Mas o Lucas disse-me que lhe queria fazer uma surpresa…

-Sim, queria combinar convosco. Ele faz anos na próxima quinta, e como vai tocar na sexta eu vou fingir que me vou esquecer dos anos dele…

-Isso é mau! É maldade mesmo! – Respondeu São com uma gargalhada – Coitado do rapaz, isso não se faz…

-Mas eu compenso-o depois… – disse ela com uma risadinha.

-E como é que queria fazer a coisa?

Falaram mais de meia hora, ela disse a sua ideia, ouviu sugestões. Dai a pouco estava numa videochamada com as outras quatro mulheres, a tagarelarem animadamente. No entanto todas acharam que seria muito mau ela prosseguir com a sua ideia original. E ela própria quando pensou bem na situação em que estavam começou a ver que talvez não fosse boa ideia… Já chegavam os ressentimentos que havia entre os dois…

Mas lá chegaram a um plano, conversando entre todas.

Elas convidaram-na a aparecer nessa noite, mas ela recusou porque isso estragaria um pouco a surpresa e ela não queria que ele estivesse à espera de nada!

-Vai ser uma chatice ficarmos caladas hoje… Ouviste, Rita?

-Eu nem vou pensar nisso hoje e amanhã, para não me descair…

E falaram de mais coisas, ao ponto de Clara começar a pensar que talvez tivesse ali um excelente grupo de amigas!

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Um casamento moderno - XX

 

Nessa quinta-feira, quando ela chegou a casa, ele estava descontraído na sala a ver um filme na televisão.

Ele viu-a a entrar, vinda da garagem, ainda com as roupas de trabalho, mas que ela sabia fazer sensuais e viu o sorriso dela quando o viu ali.

-A relaxar? – Perguntou ela.

-Não! Acabei!

-Mesmo?

-Sim. Há pouco, a meio da tarde. Já entreguei o projecto.

-Então já podes descansar…

-Por acaso pensei que podíamos jantar fora. Esqueci-me de tirar comida…

Ela ficou surpreendida!

-Queres comemorar a entrega do projecto?

-Quero sair de casa, que já não vejo a rua há quase uma semana e não me apetece ir sozinho… Mas se não estás com disposição, tudo bem!

-Quer dizer, não estava a contar com isso… Só me apetecia vestir um robe e calçar umas pantufas…

-OK,… - disse ele sem o mínimo indício de desapontamento – Eu vou na mesma, então…

-Espera! Deixa-me ir trocar de roupa e eu vou! Também não me apetece estar sozinha!

-E precisas trocar de roupa? Estás muito bem assim…

-Eu sei… - disse ela piscando-lhe o olho.

-E estás muito convencida também, diga-se de passagem!

-Achas? Acho que estou mais realista… De qualquer forma passei o dia com estas roupas, estão transpiradas e se vamos sair quero sentir-me bem! Podes esperar?

-É justo! Sim, aproveito e acabo de ver o filme.

-Está no fim?

-Não acabou de começar.

-Então não vai dar para ver…

-Veremos… - disse ele num tom trocista!

E na verdade não deu, mas não foi por muito pouco.

Ela apareceu-lhe à frente com uma maquilhagem sem falhas, um vestido preto curto, sem o ser escandalosamente, decotado, mas deixando mais à imaginação do que o que mostrava, simples absolutamente colado ao corpo, de tal forma que ele duvidou que ela estivesse a usar roupa interior, umas sandálias de salto de base preta com tiras transparentes por cima.

-Eu disse-te que não ias acabar de ver o filme!

-Não faz mal! Não era assim tão interessante!

-Vamos?

-Sim.

Já no restaurante pediram os respectivos pratos e ficaram à espera. Ela aproveitou a deixa.

-Pensei bastante nestes últimos dias e queria falar contigo, mas estavas mesmo ocupado e não te quis desconcentrar. Mas, se quiseres agora, gostava de te dizer umas palavras… Mas se não estiveres para me ouvir agora, não há problema, não vou levar a mal. Sei que quiseste sair para descontrair e acho que precisas.

-Não, podes falar. Mais cedo ou mais tarde tem que acontecer… porque não num restaurante com um copo de vinho na mão e fora da realidade quotidiana? Até pode dar outra perspectiva às coisas…

E foi aí que ela percebeu que o convite para jantar não fora de todo inocente. Claro que ele sabia que ela viria.

-Olha, como te disse pensei bastante! Sei que não queres que eu te peça desculpa, mas eu tenho de as pedir em relação a algumas coisas, o facto de ter diminuído a importância do que sentias, o facto de ter assumido que tu terias também uma relação, e acho que este apenas o fiz porque para mim era inconcebível estar a fazê-lo e tu não…

-Percebo! Reforçavas a tua certeza justificando-te com o facto de que eu estava a fazer o mesmo!

-Exacto. Por isso se calhar nem me passou pela cabeça perguntar! Também por aquela questão daquela noite…

-Isso já foi falado e está lá atrás!

-Quanto ao resto, acho que não tenho de pedir desculpas a ti, mas a mim, e não sei quando me vou conseguir desculpar!

Ele olhou-a atento, percebendo que esta frase trazia algo atrás.

-Sabes, eu sou neste momento como sou! Estou aqui à tua frente e sinto-me bem na minha pele. Gosto de me sentir atraente, não para ser desejada, mas por mim… é como se me desse confiança!

Ele assentiu.

-Mas infelizmente só estou aqui como estou porque fiz más escolhas. Olho para trás e sei que as fiz, mas se não as tivesse feito eu não estava aqui, assim! Essas más escolhas acabaram por me libertar e eu, pela primeira vez na minha vida sinto-me solta!

Ele sorriu.

-E eu gosto de ver isso em ti!

-E é isso que me dá raiva! Sabes quando dizes que achas que eu nunca estive apaixonada por ti? Estive. Muito antes de me teres beijado pela primeira vez. Quando saias com outras raparigas eu sentia ciúmes! Por vezes era eu que sugeria que alguém do grupo de jovens te ligasse, porque sabia que tu vinhas e eu ia ver-te, e sentia… Eu nem sei o que sentia! Mas depois tu já tinhas tido umas quantas namoradas e eu… Eu sempre fui muito guiada para um certo estilo de vida pêlos meus pais, como sabes, e tive de pensar porque é que me escolhias a mim. Eu não era a miúda mais gira do bairro, antes pelo contrário até fazia por passar despercebida…

-Deixa-me corrigir-te, tu eras a miúda mais gira do bairro, mas tinhas era a mania que não eras!

-Mas parece que só tu é que viste isso! E eu, de alguma maneira devo ter assumido que aquilo que desejavas mesmo era aquela pessoa que eu era, mas que sonhava tantas vezes sair de casa dos pais e ir à aventura… Eu percebi que te amava, mesmo, que queria passar o resto da minha vida ao teu lado e acabei por me conformar àquilo que achava que tu querias. Acho que tinha medo de que se eu abrisse as asas tu não reconhecesses ou gostasses de quem eu era e partisses…

Ele voltou a assentir!

-E acho que só me soltei com ele por um motivo mais que simples: Não me importava minimamente com o julgamento que ele poderia fazer de mim!

Ele voltou a assentir e ela percebia pelo olhar dele que percebia perfeitamente o que lhe ia na alma. E apercebeu-se, de repente, que ele se calhar já o saberia antes de ela o dizer.

-Ele é que não importava realmente! Porque como tu disseste bem, ele era só um paspalho qualquer. Provavelmente se não fosse ele, seria outro… ele apenas fendeu a barragem, a inundação veio por causa da água que estava atrás.

-Se a barragem estivesse vazia não havia inundação, mesmo com a barragem fendida…

-Certo! E percebi que aquilo que me deu verdadeiramente prazer nos momentos com ele, não foi ele, mas sim a transgressão!

Ele sorriu e deu uma pequena gargalhada.

-O que foi?

-Ocorreu-me que já estás um bocadinho cota para te armares em teenager!

Ela fingiu uma cara zangada!

-Estupido! – Recompuseram-se os dois – Mas percebes o que quero dizer?

Ele assentiu enquanto bebia um gole de vinho.

Entretanto chegou o empregado com os pedidos e a conversa foi cortada, mas já tinha sido dito o que era para ser dito.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Um casameno moderno - XIX

 

O fim de semana passou e com o fim voltaram as rotinas.

A dele, com bastante trabalho em atraso em relação aos prazos que tinha, fazia com que se levantasse antes dela e mergulhasse directamente no trabalho, deitando-se frequentemente já bem depois dela completamente exausto.

Ela, como sempre, saia de manhã, voltava ao fim da tarde e, embora estivessem os dois debaixo do mesmo tecto, à excepção do jantar, quase que não se viam, e mesmo assim ela notava perfeitamente que a cabeça dele não parava, ainda que estivesse longe do computador.

Claro que todos os eventos das suas vidas não ajudavam a que a concentração dele estivesse tão focada como de costume, mas ele queria mesmo tratar do trabalho o mais rápido possível, uma vez que no fim-de semana ainda teria mais dois concertos e o dia a seguir era sempre complicado para conseguir fazer alguma coisa do seu trabalho. Normalmente estava exausto! Já não tinha 20 anos e as noites perdidas já pesavam.

Ela sabia de tudo isto e tentava não o incomodar. Dava-lhe o espaço que ele precisava e, do mesmo modo acabava por ficar com espaço para si.

Mas, numa manhã, quando ela estava no trabalho, estava a olhar para um calendário, por causa de marcações de reuniões, quando se apercebeu de repente que andara tão envolvida com tudo que se tinha esquecido do aniversário dele, daí a duas semanas.

Nessa noite começou a pensar no que poderia fazer! O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi proporcionar-lhe uma noite inesquecível, mas depressa pôs a ideia de lado! Há um ano atrás teria sido a melhor das ideias, pelo que sabia agora. Daqui a um ano, talvez fosse a melhor das ideias. Nesta altura o mais provável era a ideia acabar em tragédia. Não era um bom caminho.

Depois de muito pensar lembrou-se de que o Lucas fazia parte da banda. Não que ela o conhecesse bem, tinha estado na loja dele duas ou três vezes a acompanhar o marido há muitos anos atrás. Será que a loja ainda existia?

Abriu o Google maps. Como é que a loja se chamava? Era incapaz de se lembrar, se é que alguma vez soube! Mas sabia onde era, foi ampliando o mapa até à vista de rua e, sim, lá estava ainda.

No dia seguinte, quando saiu do trabalho foi directamente lá. Encontrou uma jovem atrás do balcão que a interpelou de imediato:

-Boa tarde. Diga por favor!

-O Sr. Lucas está?

-Sim, está a dar uma aula, neste momento. Queria falar com ele?

-Sim. Ele estará muito demorado?

A rapariga olhou para o relógio.

-Cerca de uns 20 minutos!

-Tudo bem, eu espero!

-Eu entretanto vou lá dentro dizer-lhe que está aqui. Quem é que devo anunciar?

-Clara. O meu nome é Clara, mas ele não deve saber quem é. Diga-lhe que é a mulher do Marcelo.

A rapariga olhou para ela espantada.

-A senhora é que é a mulher do Marcelo?

-Sim!

-Muito prazer em conhecê-la. Eu sou a Patrícia, sou filha do Lucas.

-O prazer é meu, Patrícia. - Respondeu ela com um sorriso.

-Eu vou avisar o meu pai, pode ser que ele se despache… - disse a rapariga, sorrindo e piscando-lhe o olho!

-Obrigada!

Aguardou um pouco. Até que a rapariga voltou.

-O meu pai vem já.

E realmente não demorou. Lucas saiu do corredor da sala de aulas e olhou para ela com um ar meio espantado.

-Clara?

-Sim, sou eu. Já não se deve lembrar de mim…

-Tenho uma vaga recordação, sim! Desculpe estar espantado, mas o Marcelo é muito reservado e nestes meses pouco ou nada ouvi falar de si…

Isto doeu-lhe um pouco, mas era compreensível.

-Não tem importância. – Respondeu ela com um sorriso.

-Mas o que a traz aqui?

-Queria a sua ajuda, se fosse possível. O Marcelo faz anos para a semana, na quinta-feira. Sei que ele vai tocar convosco na sexta e queria fazer-lhe uma surpresa.

-Não é para fazer nenhuma festa surpresa ou assim, pois não? Não sei se ele ia ficar muito contente com isso…

-Não, não… É mais porque queria comprar-lhe uma prenda, mas algo que lhe fosse mesmo útil, e como ele anda a tocar consigo…

-Pode tratar-me por tu.

-Nesse caso, digo-lhe o mesmo!

-E qual é o orçamento que tens em mente?

-Não tenho! O que é que achas que lhe faria mesmo falta?

Lucas pensou um pouco.

-Bem, uma coisa seria realmente outra guitarra. Ele só tem aquela e caso haja algum azar, como já aconteceu, temos de parar o concerto, porque ele não tem outra. Se calhar seria a coisa mais útil…

-Então e que guitarra poderia ser?

-Bem, nós temos aqui uma grande variedade, mas se conheço bem o Marcelo, seria uma igual à que ele tem, uma Les Paul! Mas isso não é barato…

-E tem alguma?

Lucas sorriu!

-Bem tenho aqui uma há meses. Normalmente não temos material tão caro na loja, só mesmo por encomenda, mas esta guitarra veio para um cliente que depois não a quis e eu, já nem sei porquê, não a devolvi ao fornecedor! Eu vou busca-la.

Quando voltou trazia um estojo castanho, igual ao da guitarra de Marcelo. Abriu o estojo e tirou a guitarra de lá de dentro. A guitarra tinha a parte de trás e as laterais completamente pretas, mas um preto translucido que deixava ver os veios da madeira por baixo. Já a frente era orlada no mesmo preto, mas esbatia-se até dar lugar a um púrpura escuro e profundo que realçava os veios da madeira por baixo e dava uma dimensão quase holográfica ao mesmo. Os veios pareciam dançar conforme o angulo de luz que lhes batia. Todos os metais da guitarra eram dourados. Aparte de tudo, era um objecto lindíssimo.

-Esta guitarra é linda! – Disse ela espantada!

-E infelizmente cara! Mas, sendo para o Marcelo faço um desconto bom nela… - Disse o Lucas, piscando-lhe o olho.

-Nem precisas de me dizer mais nada. Fico com ela.

-Óptimo! É bom saber que ela vai para uma boa casa. Dá-me uns minutos para eu a pôr como ele gosta, mudar as cordas e afiná-la.

Entretanto Lucas deu instruções à filha para poder ir avançando com o pagamento.

Saiu da loja meia hora depois com a guitarra na mão e com uma surpresa preparada para o marido.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Heart, The Royal Philharmonic Orchestra - Alone (Live)

Um casamento moderno - XVIII

 

Acordou de um estado que ela não sabia se de sono ou simples ausência com um aviso do telemóvel “Está tudo bem. Estou a caminho”. Respondeu com um “OK”. Dentro de si, uma resolução! Dizem que o sono é o melhor travesseiro!

Levantou-se, foi à casa de banho! Olhou-se ao espelho! Parecia uma bruxa! Tomou um duche rápido, penteou-se o melhor que pode, maquilhou-se, foi ao quarto, escolheu peças para vestir que fossem sexy, sem ser provocadoras e esperou-o.

Ele entrou na sala pela cozinha, vindo da garagem. Notava-se que vinha cansado mas feliz, calculou ela que mais pelo concerto que por outro motivo qualquer, e depois ele viu-a e o seu ar ficou sério.

-Ainda estás acordada?

-Sim.

-Porquê?

-Porque o sofá é desconfortável e eu queria ter a certeza de que descansavas bem hoje.

-É tarde, não me apetece ir agora tomar um duche…

-Perdes 10 minutos em troca de uma noite mais descansada! Não tens a desculpa de me incomodar! Qual é o teu problema?

Ele bocejou e espreguiçou-se e deixou-se literalmente cair em cima do esqueleto, como uma rendição!

-Ok, ganhaste! – E descalçou as botas mesmo ali e começou a andar, a despir a t-shirt que mandou para o chão sem cerimónia e tinha já desapertado o cinto, começado a despir as calças, quando entrou na casa de banho.

Ela viu aquilo e mordeu o lábio inconscientemente! Levantou-se, foi à porta da casa de banho e perguntou:

-Queres comer ou beber alguma coisa? Tens fome?

-Estás muito amável, hoje!

-A sério, já estou a pé e não me custa nada.

-Deixa estar, eu já comi e bebi que chegue por hoje, obrigado!

-Tá bom! – Disse ela, apagando a luz da sala e indo para o quarto.

Ela deu por ele sair do banho. Mas não veio para o quarto. Ficou curiosa. Levantou-se e foi ver dele. Viu-o no quintal atrás da casa a fumar! A fumar? Depois sentiu o aroma e percebeu! Mais a descontrair… Avançou até ao pé dele. Ele assustou-se quando deu por ela mas não parou de fumar.

-Isso é o que eu penso que é? – Perguntou ela.

Ele assentiu enquanto exalava uma baforada.

-Posso experimentar?

Ele encarou-a e ficou a olhar para ela de sobrolho levantado. Ela apenas lhe devolvia o sorriso.

Ele passou o cigarro na direcção dela. Ela apanhou-o desajeitadamente. Levou-o aos lábios.

-Puxa só um bocadinho, respira o fumo, prende a respiração, conta até 5 e depois deixa sair o ar. Pouco, para ver se não te engasgas.

Ela tentou fazer como ele disse mas engasgou-se, tossiu bastante e demorou um bocadinho a recompor-se!

-Eu avisei-te… - disse ele enquanto dava outra passa longa.

Ela, já recomposta, pediu-lhe o cigarro outra vez. Ele deu-lho. Ela puxou menos, desta vez e conseguiu dar uma passa. O efeito foi imediato e ela, de repente sentiu o tempo a esticar ligeiramente. Como se tivesse mais tempo para fazer o que fosse. Percebeu os efeitos e não quis mais, não porque não fosse agradável, mas porque percebia que a sua tolerância era baixa. Aquilo que jurou a si própria em relação ao álcool também se aplicava aqui!

Ele fumou o resto!

-Porque é que vieste fumar?

-Porque aproveitei para deixar o cabelo secar, sem ligar o secador. Não me queria deitar com o cabelo húmido! Porque é que ficaste acordada?

-Para te dizer que quero mesmo muito que o casamento fique fechado. Mesmo muito!

E por um momento aquele sorriso de que ela se lembrava voltou…