terça-feira, 22 de novembro de 2016

Da liberdade e outras coisas igualmente ficcionais...

Foi rodeado de incertezas em relação ao rumo que havia de tomar que me deitei e tentei dormir. Sentia-me cansado, verdadeiramente cansado, tanto que nem me apetecia ler. Pus tudo de lado, apaguei as luzes e mergulhei no quase silêncio. Digo quase, porque era impossível não ouvir os barulhos que vinham das casas vizinhas e da rua com os carros e as pessoas a passar constantemente.
Odeio cidades. Devia viver num monte no Alentejo, ou assim. Nunca há paz, nunca há sossego e toda a gente corre para todo o lado. Mas francamente acho que já poucas pessoas sabem porque correm. Limitam-se a correr, percebes? Já não tem objectivos, mas continuam a correr. Chegam a qualquer lado e tem sempre pressa…
…mesmo que seja para não ir a lado nenhum.
É o hábito. Não faz o monge, mas faz com que o monge se pareça com aquilo que de facto é, e se não o for, pelo menos parece-o.
É curioso o quanto gostamos de nos pensar superiores e depois, quando vamos a ver bem, pouco evoluímos em relação a insectos como as formigas ou as abelhas. Estruturas sociais altamente complexas, em que cada um tem a sua função e deve saber o seu lugar. E é bom que assim seja. Elimina-se a necessidade de pensar.
Quando muito a nossa diferença é que temos uma falsa ilusão de controlo sobre o que nos rodeia, uma noção de livre arbítrio, quando na verdade o livre arbítrio é algo que não existe. Estamos tão dependentes de causas externas que, analisando bem no fundo, todas as nossas escolhas num determinado ponto do tempo podem ser estudadas e analisadas e chega-se com facilidade sempre à mesma conclusão.
Não achas? Achas que as tuas escolhas são livres?
Então segue este exemplo. Tu gostas mais de fiambre do que de salame. Logo, se tiveres fome, é provável que queiras a sandes de fiambre. Mas basta haver algo exterior a ti, como por exemplo, o facto de o fiambre ter acabado, para te levar a escolher o salame. Outro factor que te pode levar a escolher o salame é o facto de teres comido fiambre recentemente e teres a necessidade de variar.
Livre arbítrio? Não. Escolhas limitadas por factores. Não és dono de uma verdadeira liberdade. Tens quanto muito a liberdade possível num determinado ponto do tempo.
Vives, portanto, numa ilusão. És tão livre aqui como em qualquer outro lado do mundo. As
tuas escolhas são sempre limitadas. Por exemplo, numa democracia, como aquela em que vives, seria lógico que a escolha de quem te governa fosse livre. E diz-me, achas que é?
Tens de escolher entre os líderes dos partidos políticos, o que limita logo as tuas escolhas. Mesmo dentro dos partidos há, com certeza, pessoas muito mais capazes de desempenhar a função, e falo de qualquer partido. Então porquê ter escolhas limitadas?
E não me fales em maiorias ou em representatividade. As massas são mais facilmente influenciáveis do que o indivíduo. Basta olhares para uma claque de futebol. Pessoas pacatas e comuns conseguem ter comportamentos animalescos quando estão integradas num grupo e fazer coisas que jamais fariam normalmente.
A liberdade é a maior das ilusões e quem se julga livre vive iludido. Eu?
Eu sei que não sou livre. Nunca o fui. Aprendi a lidar com isso.


in "Chuva" © C.N.Gil

24 comentários:

  1. Liberdade é poder fazer escolhas face ao que temos à disposição. Portanto, jogamos logo com uma barreira de limitações.

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    1. Ai é que está... E o que é que temos à disposição? Aquilo que nos é imposto! Falar de verdadeira liberdade é uma discussão que não leva a lugar algum...

      :)

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    2. Olá Gil! :)
      Gil e Isabel, não sei se concordam com esta frase tão utilizada por todos e ao mesmo tempo tão desrespeitada também pela grande maioria: «A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.» Para mim é fulcral.
      Liberdade, passa por respeitar o próximo, o Outro, e os seus direitos.

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    3. Té, isso deveria ser evidente, mas isso é, em si mesmo, o forçar-nos a fazer uma escolha que não queremos! Nem sempre temos vontade de respeitar a liberdade do outro, sobretudo se o outro for uma besta que não respeita ninguém!

      :)

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    4. Pensei que tinhas sido expropriado...ainda bem que conseguiste recuperar o OQMDNT, o seu a seu dono! *

      Gil, bestas quadradas - são como chapéus - há muitas!!...mas desde que não interfiram comigo não interfiro com elas. Cada macaco no seu galho e havia espaço mais do que suficiente para todos sem haver necessidade de andar aos empurrões, mas não. Existe uma enorme falta de respeito, de bom senso, de valores [e se chamas a pessoa à atenção porque essa pessoa está a pisar aquela linha que separa...Ui!]
      É demasiada estupidez - e eu, o que tenho para dizer é: Não, Obrigada! não entro nesses jogos!!


      * e comento o teu comentário/resposta de há dois anos :)
      Bom dia, Gil.
      :)

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    5. Bom dia, Té

      De certa forma, fui! O endereço do blog foi tomado de assalto por ocupas... LOL Acho que andam a vender cosméticos...

      Em relação ao resto, quem quiser a taça que a leve... :)

      De resto, isto não é um recomeçar! Não tenho paciência para isto, nem disponibilidade mental para fazer algo de novo. Aliás, para ser franco, nem para mim começo a ter paciência... São demasiadas dores durante demasiado tempo - é demasiado desgastante! O que não quer dizer que não partilhe aqui algo que ache pertinente, mas não numa base regular. Reinstaurar isto é mais para outros que me pediam para ler coisas que andavam por aqui perdidas :)

      Obrigado pela tua visita e pela resposta à resposta de há bué tempo atrás :)

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    6. "quem quiser a taça que a leve" - Pois...nunca foi essa a minha postura, Gil!
      Leio blogues e às vezes comento. Mas a verdade é que já fui acusada por blogger que por aqui se passeia - utilizando umas vezes um nick outras vezes outro, a senhora vai alternando o nickname consoante o blogue do autor onde deixa o comentário - que o que eu queria era protagonismo (???) que estava carente (???) - as pessoas realmente inventam e dizem baboseiras, que só visto - com ofensas à mistura. Isso eu não tolero! Nem aturo mulheres com atitudes de jovens adolescentes.
      Não ando, nem nunca andei, na blogosfera em competição com ninguém (a competir por/pelo quê? se isto não é completamente estúpido, não sei o que será) Não aceito faltas de respeito. Ponto.

      Obrigada, Gil. Bom fim-de-semana.

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    7. Normalmente também não seria a minha, mas como te disse, demasiadas dores durante demasiado tempo fazem-me focar a minha atenção no que considero importante e, consequentemente, descartar aquilo que não considero, como por exemplo, este ou outros blogs, a escrita, que sempre foi algo que fiz por piada, nunca com qualquer aspiração irrealista! Sempre soube o que escrevia, por exemplo, e por mais que alguns até gostassem, o que considero normal, nunca me passou pela cabeça que estivesse a um nível superior, nem eu nunca procurei que estivesse. É nesse sentido o "levem a taça". Aquilo que é importante para mim é o ponto em que eu me foco. E mesmo assim, apenas por um certo gozo pessoal, porque, convenhamos, não espero que amanhã algo que eu faça seja lido, ouvido ou partilhado por uma massa crítica de gente. Escrevo o que quero ler, componho a música que ouço na minha cabeça e quero ouvir fisicamente, e a simples manifestação física da criação, no caso da música, o facto de andar sozinho dentro do carro a ouvir algo que surgiu do nada dentro da minha cabeça e que se está ali a manifestar fisicamente é o suficiente como medida de sucesso. Não vivo para estar em cima de um palco (coisa que a acontecer será esporádica porque para mim é, cada vez mais, uma tortura) e estou-me francamente nas tintas para se alguém ouve algo que eu fiz ou não.

      Isto para te dizer que as faltas de respeito são tão importantes como a importância que se dá às circunstâncias...

      Bom FDS :)

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  2. Somos os únicos seres que têm livre-arbítrio. Isto significa que podemos fazer escolhas na nossa vida, que não nos baseamos em princípios pré-existentes, sejam eles morais, religiosos, científicos, etc., que nos indicam o que fazer. Quando adotamos um princípio qualquer, uma máxima, uma opinião (por exemplo, que a liberdade é uma ilusão) estamos já a exprimir uma escolha. Nos humanos, é a existência que precede a essência, de acordo com Sartre e o Existencialismo. Nós temos flexibilidade existencial, ao contrário das formigas, que não podem escolher o que são. No exemplo que deste da sandes de fiambre, é verdade que as escolhas são limitadas, mas, ainda assim, disponho de várias opções: posso escolher comer a sandes de salame, posso comer apenas metade, posso não comer nada ou posso comer só o pão, sem o salame. Temos escolhas, portanto. Toda a sociedade se baseia num contrato social que implica sempre num sacrifício deliberado com vista a um ganho antecipado. A liberdade em absoluto não existe. Nós somos sempre um elemento em relação ao outro. E a nossa liberdade está, também ela, sempre em relação com a dos outros. Sócrates demonstrou há muito tempo que o indivíduo realmente livre só o é até ao ponto do seu próprio autodomínio. Por isso, o homem verdadeiramente livre talvez seja aquele que opta por não interferir com a liberdade dos outros.

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    1. Pois, mas eu podia alegar que o próprio livre arbítrio é uma ilusão! A nossa escolha está sempre condicionada, seja por factores externos momentâneos (caso da sandes de fiambre) ou por nós próprios, pela nossa personalidade que é construída ao longo de uma vida, resultado de estímulos externos e da nossa genética, que, ao fim ao cabo, é o que leva a gostar mais de fiambre do que de salame!
      Ou seja, a nossa vida, desde a concepção que começa a ser desenhada com condicionantes!
      Por isso, falar de coisas como liberdade e livre arbítrio é redundante! Há um determinismo claro no universo! E nós, quer queiramos, quer não, fazemos parte dele!

      :)

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    2. Gil, claro que fazemos parte de um determinismo inerente à nossa espécie, claro que a liberdade é sempre condicionada - por fatores externos ou por nós próprios - nunca disse o contrário. Ninguém é autor exclusivo da história da sua vida. A nossa vida é sempre produto de outras, de uma pré-história (política, religiosa, social, etc.). No entanto, possuímos uma flexibilidade existencial que nenhuma outra espécie tem. A liberdade, tal como o próprio ato de existir, é também uma interpretação. Não é uma coisa abstrata, absoluta; caso contrário, não seria liberdade, seria outra coisa (talvez libertinagem). Expressar/exercer liberdade implica sempre uma relação com uma vasta e complexa teia de relações sociais. Mesmo sozinhos a fazer a nossa escolha, estamos sempre em comunicação antecipada com alguém. Por isso, a responsabilidade é a condição essencial da liberdade humana. Daí, a máxima, a minha liberdade termina onde começa a do outro. Será isto um condicionante? Talvez seja apenas bom senso, um princípio ético que nos permite delinear uma sociedade mais justa. Agora, acreditar que a liberdade pode ser absoluta, que pode existir em abstrato, numa perspetiva de que o indivíduo pode fazer/ter tudo o que quiser, é pura ilusão. Talvez a única liberdade possível seja a de tentar pensar pela própria cabeça (não há machado que corte a raiz ao pensamento).

      Gil, desculpa ter voltado para defender o meu ponto de vista, mas estou a gostar de conversar contigo :)
      Respeito a tua opinião e, de certa forma, acho que compreendo o que pretendes transmitir com o teu texto.

      Um abraço :)

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    3. Não tens de pedir desculpa. Eu gosto de devater pontos de vista.
      A questão maior é que, embora o ideal de libetdade seja esse (a minha acaba onde a tua começa), aquilo a que eu me refiro é ao facto de teremos uma enorme variedade de escolhas que não interessam, mas de deliberadamente nos limitarem aquelas que tem mais impacto nas nossas vidas. Por exemplo, tens 200 canais de televisão, tens sabores de gelado que nao acabam...
      ...mas so tens 5 pm's à escolha e só de 4 em 4 anos. E são todos impostos por partidos que, no fundo são todos iguais...
      ...porque não tem pider para fazer nada fora de um quadro aprovado por organismos que ninguem elegeu...

      ...por exemplo.

      Dão-te todas as escolhas inconsequentes, mas limitam ao maximo as importantes. Portanto, limitam a liberdade alem dos limites que lhe deviam estar impostos...

      Num quadro mais simples, nos nascemos em escravidão. Aspirarmos a uma liberdade plena cuja unica condicionante seja a liberdade do outro é uma ideia revolucionária...

      :)

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  3. Gostei e concordo com muito do que escreveste neste excerto de "Chuva".
    Não vou explanar mais nada sobre o tema do livre arbítrio e a liberdade de acção de cada um de nós, mais ou menos limitada consoante as opções que se colocam à nossa disposição, porque li o que a Miss Smile escreveu. Embora, eu não o soubesse dizer/escrever, tão bem quanto ela o fez, é assim, sem tirar nem pôr, que eu penso.

    Um abraço, Gil. :)

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    1. Olha, eu na altura que escrevi isto não concordava...

      ...mas, agora, cada vez mais vejo que as coisas são como são e como têm de ser! E a verdade é que a minha vontade e empenho não mudam o que está à minha volta!
      Por isso, mais vale abandonar-me à corrente, deixá-la levar-me para onde me quer levar, porque sei que mais cedo ou mais tarde ela me larga num sítio qualquer, do que lutar contra a corrente até à exaustão e morrer afogado!

      :)

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  4. Ontem estive a ver um filme, sobre como manipular as massas e levá-las a pensar aquilo que querem que nós pensemos. Confesso que fiquei um bocado aterrorizada, mas pensando bem ao fim e ao cabo é aquilo que acontece.
    Liberdade? Pois sempre pensei que o era até ao limite de não colidir com a liberdade do meu vizinho. Hoje já tenho muitas dúvidas. Todas as minhas certezas de há vinte anos atrás, ruíram, como os castelos de areia que as crianças constroem na orla da praia.
    Um abraço

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    1. As massas são tão facilmente manipuláveis...

      Só há uma ilusão de liberdade e as pessoas parecem viver bem assim...
      ...tira-lhes dos ombros outra coisa que anda junto com a liberdade: a responsabilidade!

      :)

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  5. Verdade!
    Todos vivemos espartilhados, pelas regras... a partir do momento em que se vive em sociedade...
    E na verdade... todas as nossas escolhas são sabiamente orientadas... e só temos uma ilusão de escolha... quando a nossa escolha é mesmo condicionada pelos factores que mencionas!
    Adorei este excerto|
    Bjs
    Ana

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    1. Somos ratos dentro de um labirinto às escuras...

      ...e o que ninguem nos disse é que não há saída...

      :)

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  6. eu uso e abuso da minha liberdade. dentro dos limites do bom senso, como é evidente.

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    1. Eu diria que usas e abusas da que te é concedida...

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  7. Fizeste bem!...
    Tens que moderar os comentários... os teus... e os dos outros...
    Hoje em dia, qualquer coisa é pretexto, para nos atirarmos à jugular uns dos outros... :-D
    Por isso... ca... minhando e andando!
    Bjs
    Ana

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  8. Digamos que a nossa liberdade é limitada por muitos fatores assim como as nossas escolhas, ainda assim, todos os dias o fazemos, escolhemos caminhos, atitudes, palavras coisas e depois levamos com as consequências, mais ou menos boas dependendo se fugimos ou não às regras

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    1. Pois, mas temos uma enorme liberdade para as escolhas inconsequentes,...
      ...por outro lado temos a nossa liberdade completamente espartilhada para o que é verdadeiramente importante...

      :)

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!