Tinha passado um mês e meio desde o casamento de Patrícia.
Alex habituara-se à nova rotina, ou por outra, deslizara de novo para a sua antiga rotina de trabalho. Chegou ao seu gabinete, ligou o computador, foi buscar um café à copa, voltou e começou a responder a e-mails. O seu telefone tocou e ele viu com surpresa o número de Paola aparecer. Tinham falado apenas uma vez, de forma breve, quando ela chegou a casa ao Dubai, mas havia uma tensão entre os dois e Alex decidiu dar-lhe algum espaço. Mas foi com um enorme sorriso que atendeu.
“Olá, Paola”
“Alex.” A voz dela parecia emocionada “Está tudo bem?”
“Sim, vai estando. Não diria que está tudo bem, mas está tudo encaminhado.”
Houve um silêncio longo.
“Passa-se alguma coisa, Paola?”
Mais um longo silêncio até que ela diz de repente:
“Estou grávida!”
Alex sentiu uma súbita quebra de tensão, com a sua mente a tentar processar as palavras que tinham sido ditas e com pensamentos conflituosos a percorrerem-lhe a mente.
“Alex, estás aí?”
Ele teve de fazer um esforço para se recompor, mas a sua voz falhou quando perguntou, embora já soubesse a resposta.
“É meu?”
“Alex, eu não estive com mais ninguém desde a primeira vez que nós estivemos juntos. E pelo tempo, foi resultado no nosso fim-de-semana aí.” Alex ficou em silêncio, sem saber o que pensar. Ela continuou “Ouve, antes de começares a fazer filmes, ouve. Eu sei que isto complica tudo. Tu não querias isto, eu também não.”
“E o que é que queres fazer?”
“Alex, eu não quero esta gravidez. Não quero esta responsabilidade. Não estou pronta para isto. E não quero criar um filho aqui. Mas também não quero sair daqui. Se fosse de outro homem, já me tinha livrado da gravidez mas, é teu e eu não tive coragem para te mentir e esconder isto. Por isso, se quiseres, livro-me do problema com facilidade. Mas se quiseres que eu leve a gravidez até ao fim, eu faço-o por ti, mas não quero ficar com a criança.”
Alex sentiu o seu coração ficar pesado. Seria fácil livrarem-se do problema, seguirem em frente e não tocar mais no assunto. E ele já não era propriamente um jovem, aliás, não faltava muito para ser avô. E havia Marie e a vida que estavam a tentar reconstruir. Mas era um filho seu. Com Paola. E a ideia de simplesmente se livrar do incómodo enchia-o de uma angustia que parecia vir das suas vísceras.
“Paola, se levares a gravidez até ao fim, eu fico com a criança.”
“Tens a certeza? Como vão as coisas com a Marie?”
“Temos estado a avançar. Não estamos a tentar reconstruir o que tínhamos, mas estamos a tentar construir algo novo.”
“E isto não vem complicar tudo?”
“Claro que sim. Se calhar vem estragar tudo, mas… tenho de fazer o que é certo.”
“Alex, antes de tomares uma decisão definitiva, pensa uns dias. Liga-me quando assentares ideias em vez de decidires algo assim a quente.”
Ainda falaram mais um pouco, mas quando desligaram a chamada Alex sentiu o peso do mundo em cima dos ombros. Tentou focar-se no trabalho, mas era quase impossível. Não conseguia parar de pensar na conversa e, curiosamente, uma felicidade imensa parecia querer apoderar-se de si. Ao longo da manhã aquilo que tinha dito cimentava-se numa certeza.
Quando saiu para almoçar avisou a sua assistente que não voltaria à tarde. Foi para casa, onde aproveitou o sossego para tentar organizar os seus pensamentos. Tinha de falar com Marie e o resultado desta conversa seria definitivo, para ele e para ela.
Quando Marie chegou, estranhou o carro dele já estar na garagem. Entrou em casa, que estava num lusco-fusco e encontrou-o na sala com um ar extremamente cansado e apreensivo. Foi ter com ele, deu-lhe um beijo como era normal, mas ficou preocupada. Mais ainda ficou quando viu dois copos e uma garrafa de vinho tinto na mesa de apoio.
“Passa-se alguma coisa, Alex?”
Alex respirou fundo.
“Precisamos de falar.”
Estas palavras encheram-na de pânico. Iria Alex acabar com ela? Iria ele embora? Se sim, porquê? Teria ela feito alguma coisa inadvertidamente? Sentou-se devagar, receosa. Alex serviu vinho para os dois, dando-lhe um dos copos.
“Marie, vou-te pedir para não me interromperes. Vou dizer-te uma série de coisas para te dar contexto e depois vou-te fazer uma pergunta. Aviso-te já que a pergunta que te vou fazer é provavelmente a coisa mais egoísta que te podia pedir. Mas tenho que pedir. E tu estás completamente à vontade para dizer não.”
Marie sentia o pânico a crescer dentro de si, mas limitou-se a assenti com a cabeça e bebeu o pouco de vinho.
“Não falámos nisto, mas creio que calculas que a minha relação com a Paola, embora de grande amizade, foi colorida com todas as cores do arco-íris.” Marie assentiu “Sabes, enquanto estive em tratamentos, ela provocava-me para me espicaçar, brincava comigo para me tentar animar quando eu duvidava de conseguir sequer sorrir. E eu brincava com ela a dizer que tinha de a convidar para um jantar. Ela recusava sempre, dizendo que a cantina não era muito romântica e que eu era um paciente e era contra as normas. No dia em que sai da clinica, quando nos despedíamos, ela disse-me que eu já não era um doente, eu convidei-a e… pronto. Calculas o resto. Eu não tinha estado com ninguém desde que sai daqui e para te ser franco, tinha medo de estar com alguém.”
Marie ia ouvindo tudo isto apreensiva. Será que ele queria voltar para a Paola?
“Tínhamos concordado que seria uma coisa de uma noite. Era para ser uma coisa de uma noite. Mas a amizade que tínhamos permaneceu. E eu dei comigo a tirar um fim-de-semana de vez em quando e ir ao Dubai passa-lo com ela. Mas não havia uma relação ou perspetiva de relação romântica. Eramos só dois amigos que passavam tempo juntos e que aproveitavam para ter sexo, porque não tínhamos mais ninguém. Além disso, por esta altura eu tinha a certeza que já terias tratado do divorcio e sentia-me livre. Mas, entretanto, apareceu o casamento de Patrícia, apareceu a tua carta, apareceu o facto de ainda estarmos casados e, quando decidi voltar de vez, embora não tenha falado disso com ela, ela sabia que nos dois íamos voltar. Aquele fim-de-semana foi a ultima vez que estivemos juntos e sabíamos que essa parte da nossa relação acabaria ali.”
“Alex,” não se conteve Marie “onde é que queres chegar com isto tudo? Vais-me deixar e voltar para ela?”
“Não. Nenhum de nós quer uma relação. Ela também tem algo complicado no seu passado e embora fale com um enorme à vontade sobre o assunto, nunca o aprofundou e suspeito que lhe tenha deixado mais marcas que aquilo que ela própria reconhece. Além disso ela não vai sair do Dubai e eu não me vejo outra vez naqueles sítios, por isso…”
Marie já não sabia o que pensar.
“Como eu te disse, aquilo que te quero perguntar e a coisa mais egoísta que te podia pedir. Não tens de responder já e não te levo minimamente a mal se disseres que não.”
A ansiedade nos olhos de Marie era quase palpável.
“Marie, queres voltara a ser mãe?”
Ela estava à espera de tudo, literalmente tudo, menos isto.
“Alex, eu… Sabes que a idade já pesa e não seria fácil…”
Alex parou-a.
“A Paola está gravida. É meu. As hipóteses são abortar ou deixar a criança crescer. A Paola esta disposta a levar a gravidez ao termo, mas não quer ficar com a criança. E eu tenho pensado muito desde hoje de manhã e não vou, de maneira nenhuma, matar um filho meu.”
Marie ficou estática a olhar para ele, em choque.
“Tu vais criar este filho?”
“Sim. Vou passar algum tempo ao Dubai antes de ele nascer para a ajudar e algum tempo depois, para ela se restabelecer, mas depois vou voltar com a criança e vou criá-la. E meu dever, minha responsabilidade e para te ser franco, quanto mais penso nisso, mais é a minha vontade também.”
Marie acabou o copo de um golo, levantou-se e murmurou “Tenho de pensar…” e retirou-se para o quarto.
Haverá assim tanto que pensar? Uma criança é uma bênção e, na meia-idade, algo valiosíssimo.
ResponderEliminarBem, tens de admitir que a situação é sui generis...
EliminarAbraço :)