quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Consequências (XXXVIII de XLIII)



Tinha passado um mês e meio desde o casamento de Patrícia.

Alex habituara-se à nova rotina, ou por outra, deslizara de novo para a sua antiga rotina de trabalho. Chegou ao seu gabinete, ligou o computador, foi buscar um café à copa, voltou e começou a responder a e-mails. O seu telefone tocou e ele viu com surpresa o número de Paola aparecer. Tinham falado apenas uma vez, de forma breve, quando ela chegou a casa ao Dubai, mas havia uma tensão entre os dois e Alex decidiu dar-lhe algum espaço. Mas foi com um enorme sorriso que atendeu.

“Olá, Paola”

“Alex.” A voz dela parecia emocionada “Está tudo bem?”

“Sim, vai estando. Não diria que está tudo bem, mas está tudo encaminhado.”

Houve um silêncio longo.

“Passa-se alguma coisa, Paola?”

Mais um longo silêncio até que ela diz de repente:

“Estou grávida!”

Alex sentiu uma súbita quebra de tensão, com a sua mente a tentar processar as palavras que tinham sido ditas e com pensamentos conflituosos a percorrerem-lhe a mente.

“Alex, estás aí?”

Ele teve de fazer um esforço para se recompor, mas a sua voz falhou quando perguntou, embora já soubesse a resposta.

“É meu?”

“Alex, eu não estive com mais ninguém desde a primeira vez que nós estivemos juntos. E pelo tempo, foi resultado no nosso fim-de-semana aí.” Alex ficou em silêncio, sem saber o que pensar. Ela continuou “Ouve, antes de começares a fazer filmes, ouve. Eu sei que isto complica tudo. Tu não querias isto, eu também não.”

“E o que é que queres fazer?”

“Alex, eu não quero esta gravidez. Não quero esta responsabilidade. Não estou pronta para isto. E não quero criar um filho aqui. Mas também não quero sair daqui. Se fosse de outro homem, já me tinha livrado da gravidez mas, é teu e eu não tive coragem para te mentir e esconder isto. Por isso, se quiseres, livro-me do problema com facilidade. Mas se quiseres que eu leve a gravidez até ao fim, eu faço-o por ti, mas não quero ficar com a criança.”

Alex sentiu o seu coração ficar pesado. Seria fácil livrarem-se do problema, seguirem em frente e não tocar mais no assunto. E ele já não era propriamente um jovem, aliás, não faltava muito para ser avô. E havia Marie e a vida que estavam a tentar reconstruir. Mas era um filho seu. Com Paola. E a ideia de simplesmente se livrar do incómodo enchia-o de uma angustia que parecia vir das suas vísceras.

“Paola, se levares a gravidez até ao fim, eu fico com a criança.”

“Tens a certeza? Como vão as coisas com a Marie?”

“Temos estado a avançar. Não estamos a tentar reconstruir o que tínhamos, mas estamos a tentar construir algo novo.”

“E isto não vem complicar tudo?”

“Claro que sim. Se calhar vem estragar tudo, mas… tenho de fazer o que é certo.”

“Alex, antes de tomares uma decisão definitiva, pensa uns dias. Liga-me quando assentares ideias em vez de decidires algo assim a quente.”

Ainda falaram mais um pouco, mas quando desligaram a chamada Alex sentiu o peso do mundo em cima dos ombros. Tentou focar-se no trabalho, mas era quase impossível. Não conseguia parar de pensar na conversa e, curiosamente, uma felicidade imensa parecia querer apoderar-se de si. Ao longo da manhã aquilo que tinha dito cimentava-se numa certeza. 

Quando saiu para almoçar avisou a sua assistente que não voltaria à tarde. Foi para casa, onde aproveitou o sossego para tentar organizar os seus pensamentos. Tinha de falar com Marie e o resultado desta conversa seria definitivo, para ele e para ela.

Quando Marie chegou, estranhou o carro dele já estar na garagem. Entrou em casa, que estava num lusco-fusco e encontrou-o na sala com um ar extremamente cansado e apreensivo. Foi ter com ele, deu-lhe um beijo como era normal, mas ficou preocupada. Mais ainda ficou quando viu dois copos e uma garrafa de vinho tinto na mesa de apoio.

“Passa-se alguma coisa, Alex?”

Alex respirou fundo.

“Precisamos de falar.”

Estas palavras encheram-na de pânico. Iria Alex acabar com ela? Iria ele embora? Se sim, porquê? Teria ela feito alguma coisa inadvertidamente? Sentou-se devagar, receosa. Alex serviu vinho para os dois, dando-lhe um dos copos.

“Marie, vou-te pedir para não me interromperes. Vou dizer-te uma série de coisas para te dar contexto e depois vou-te fazer uma pergunta. Aviso-te já que a pergunta que te vou fazer é provavelmente a coisa mais egoísta que te podia pedir. Mas tenho que pedir. E tu estás completamente à vontade para dizer não.”

Marie sentia o pânico a crescer dentro de si, mas limitou-se a assenti com a cabeça e bebeu o pouco de vinho.

“Não falámos nisto, mas creio que calculas que a minha relação com a Paola, embora de grande amizade, foi colorida com todas as cores do arco-íris.” Marie assentiu “Sabes, enquanto estive em tratamentos, ela provocava-me para me espicaçar, brincava comigo para me tentar animar quando eu duvidava de conseguir sequer sorrir. E eu brincava com ela a dizer que tinha de a convidar para um jantar. Ela recusava sempre, dizendo que a cantina não era muito romântica e que eu era um paciente e era contra as normas. No dia em que sai da clinica, quando nos despedíamos, ela disse-me que eu já não era um doente, eu convidei-a e… pronto. Calculas o resto. Eu não tinha estado com ninguém desde que sai daqui e para te ser franco, tinha medo de estar com alguém.”

Marie ia ouvindo tudo isto apreensiva. Será que ele queria voltar para a Paola?

“Tínhamos concordado que seria uma coisa de uma noite. Era para ser uma coisa de uma noite. Mas a amizade que tínhamos permaneceu. E eu dei comigo a tirar um fim-de-semana de vez em quando e ir ao Dubai passa-lo com ela. Mas não havia uma relação ou perspetiva de relação romântica. Eramos só dois amigos que passavam tempo juntos e que aproveitavam para ter sexo, porque não tínhamos mais ninguém. Além disso, por esta altura eu tinha a certeza que já terias tratado do divorcio e sentia-me livre. Mas, entretanto, apareceu o casamento de Patrícia, apareceu a tua carta, apareceu o facto de ainda estarmos casados e, quando decidi voltar de vez, embora não tenha falado disso com ela, ela sabia que nos dois íamos voltar. Aquele fim-de-semana foi a ultima vez que estivemos juntos e sabíamos que essa parte da nossa relação acabaria ali.”

“Alex,” não se conteve Marie “onde é que queres chegar com isto tudo? Vais-me deixar e voltar para ela?”

“Não. Nenhum de nós quer uma relação. Ela também tem algo complicado no seu passado e embora fale com um enorme à vontade sobre o assunto, nunca o aprofundou e suspeito que lhe tenha deixado mais marcas que aquilo que ela própria reconhece. Além disso ela não vai sair do Dubai e eu não me vejo outra vez naqueles sítios, por isso…”

Marie já não sabia o que pensar.

“Como eu te disse, aquilo que te quero perguntar e a coisa mais egoísta que te podia pedir. Não tens de responder já e não te levo minimamente a mal se disseres que não.”

A ansiedade nos olhos de Marie era quase palpável.

“Marie, queres voltara a ser mãe?”

Ela estava à espera de tudo, literalmente tudo, menos isto.

“Alex, eu… Sabes que a idade já pesa e não seria fácil…”

Alex parou-a.

“A Paola está gravida. É meu. As hipóteses são abortar ou deixar a criança crescer. A Paola esta disposta a levar a gravidez ao termo, mas não quer ficar com a criança. E eu tenho pensado muito desde hoje de manhã e não vou, de maneira nenhuma, matar um filho meu.”

Marie ficou estática a olhar para ele, em choque.

“Tu vais criar este filho?”

“Sim. Vou passar algum tempo ao Dubai antes de ele nascer para a ajudar e algum tempo depois, para ela se restabelecer, mas depois vou voltar com a criança e vou criá-la. E meu dever, minha responsabilidade e para te ser franco, quanto mais penso nisso, mais é a minha vontade também.”

Marie acabou o copo de um golo, levantou-se e murmurou “Tenho de pensar…” e retirou-se para o quarto.


2 comentários:

  1. Haverá assim tanto que pensar? Uma criança é uma bênção e, na meia-idade, algo valiosíssimo.

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    1. Bem, tens de admitir que a situação é sui generis...

      Abraço :)

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