segunda-feira, 9 de maio de 2016

As baterias de Bagdad (continuação)

-Que estranho fenomeno trazes até mim, Matatturru, filho de Matturru? Como é possível fazer tal coisa?
-Mestre, vós não o sabeis, estais aqui neste modesto exílio há muito tempo, e pouco sabeis do mundo.
-Falas a verdade meu discípulo.
-Deixai-me então contar-vos esta história. Nas minhas deambulações pelo mundo foram muitas as vezes que passei na cidade de Correntia, porque esta se encontra numa encruzilhada de caminhos, como sabeis. No entanto a Correntia de hoje nada tem a ver com a cidade dos tempos antes do vosso exílio.
É uma cidade que se expande, vibrante, pela força do comércio. A Rainha Cintilátia, a Resplendorosa, encoraja o crescimento, é uma grande patrona das artes e tem encorajado novas ideias e a renovação na cidade é espantosa! As praças têm fontes de onde a água jorra de estátuas tão perfeitas que parecem vivas, as ruas são pavimentadas e limpas e largas o suficiente para que quatro carroças possam andar lado a lado. Os mercados estão cheios de iguarias locais e exóticas vindas de todas partes do mundo.

Tive o privilégio de assistir a este crescimento ao longo dos últimos anos, por lá ter passado tantas vezes. Cintilátia, a resplendorosa, é amada pelo seu povo e respeitada por todos os outros reinos.
Na primeira vez que lá estive as baterias fizeram sucesso, sobretudo entre os mais jovens. Quase todos gostam da impressão na língua…
-É natural… - disse o mestre, não sem uma nota de orgulho na voz.
-Já na segunda vez que por lá passei vi algo que me desconcertou. Os jovens tinham descoberto que poderiam aumentar a sensação usando múltiplas baterias, de que que fossem interligadas. Quando vi tal coisa nem podia acreditar.
-Mas não poderiam tê-lo feito apenas maior?
-Pois que já há muito os Radicais de Colossium o haviam tentado, mas na realidade o efeito não foi diferente… Mas quando em Correntia juntaram várias, isso aconteceu. Intrigado com aquilo, comecei a fazer experiências. Descobri que alguns materiais não servem. A madeira, por exemplo, não funciona. Mas os metais funcionam, daí as ligações por cobre, visto que é fácil ser moldado. Durante anos, à noite, quer estivesse numa estalagem algures no mundo, ou numa tenda, fui conduzindo experiências e comecei a reparar que a partir de um certo número de baterias, não só o formigueiro se tornava intenso como quando aproximava os fios de cobre produzia-se um pequeno clarão entre os dois. Quantas mais baterias, mais intenso o clarão.

-Achei isso curioso há pouco, quando haveis largado o pedaço de ferro…
-Exacto. O que vos fez lembrar?
-Um raio num dia de trovoada!
-E foi quando meditei sobre o que via que cheguei à conclusão que talvez fosse mesmo. Reparai no vosso criado… - o pobre coitado acordara e levantava-se com todo o cabelo eriçado – …onde haveis algum dia observado algo que fizesse isto ao cabelo de alguém?
-Quando se está demasiado próximo de um raio que cai numa trovoada! Pelos Três Sábios. Falais a verdade! Mas, e essa coisa do ferro incandescente?
-Bem, quando há um número suficiente de baterias ligadas, reparei que o ferro aquecia quando em contacto com os dois lados. Mas se fosse muito fino derretia com um pequeno clarão e se fosse muito grosso só ficava quente, mas quando tem a proporção ideal fica assim, incandescente!
-E que utilidade prática descobristes para isso?
-Torna fácil acender fogueiras!
Uruk, o Pequeno, matutou.
-Mas não é muito prático, pois não?
-Não, mas funciona…

Ficaram, ambos os dois, em conjunto um com o outro, em dualidade, mergulhados numa longa meditação. Para ajudar, Uruk, o Pequeno, pediu a um criado – um diferente do que tinha desmaiado, porque o pobre Bárbaro tinha receio de voltar a entrar na sala - para trazer produto da fermentação da cevada em recipientes de sílica fundida a que Matatturru, filho de Matturru chamava agora de canecas, bem como dois pires de tremoços. Uruk, o Pequeno, ficou surpreendido com o nome que Matatturru dava aos recipientes.
-Canecas?
-Sim, é como são chamadas na maior parte dos lugares. Foi um costume que se disseminou da cidade de Polo.
-Da cidade de Polo? Mas como, se eles não pensam, pelos três Sábios…
-Não foi ideia deles. Foi um forasteiro que passou por lá e deu esse nome, e eles acharam que era mais simples que dizer “recipiente de sílica fundida”!
-Pois… Agora que falais nisso, sabeis que nome os Bárbaros destas terras dão ao produto da fermentação da cevada?
-Nome? – Perguntou Matatturru, filho de Matturru. Nunca lhe ocorrera que a bebido pudesse ter outro nome!
-Cerveja!
Matatturru, filho de Matturru acenou com a cabeça e sinal afirmativo.
-Soa bem! Que dizer que isto que está na minha mão é uma caneca de cerveja!
-Nem mais!
-Parece-me bem. Doravante chamar-lhe-ei assim!
E mergulharam novamente numa meditação silenciosa.

Ao fim de muito tempo, vários pires de tremoços e muitas canecas de cerveja depois, Uruk o Pequeno pediu:
-Podíeis mostrar-me o que acontece com um ferro mais fino?
Matatturru, filho de Matturru assentiu em silêncio e assim o fez. O ferro aqueceu rapidamente, ficou em brasa até ficar quase branco, irradiando bastante luz até que, simplesmente, derreteu.
-Como podeis ver, queimou-se!
Uruk, o Pequeno, assentiu. Mas depois perguntou:
-E o que aconteceria se não se pudesse queimar?
-Como assim?
Uruk pegou numa caneca, virou-a ao contrário e colocou-a por cima de uma vela que os iluminava. A chama da vela tremeluziu e depois apagou-se!
-Se não houver ar, o ferro não se pode queimar!

Animados com a ideia começaram a fazer algumas experiências. Arranjaram um círculo de cortiça para vedar a caneca, atravessaram-no com dois fios de cobre onde puseram uma barra de ferro fina e encostaram os fios aos que vinham das baterias. As primeiras experiências resultaram em fracasso, mas, à medida que foram ajustando a grossura do ferro, foram tendo resultados bastante diferentes.
Dois dias depois, após inúmeras tentativas, quando parecia que iam fracassar novamente, o ferro que estava quase a derreter não o fez completamente, a chama extinguiu-se, o ferro ficou brilhantemente incandescente, com uma luz amarelada mais forte que vinte velas.

E foi assim que foi descoberta a primeira lâmpada eléctrica.

4 comentários:

  1. Caro C. N. Gil,
    Valeu a pena esperar.
    Um abraço,
    Outro Ente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caríssimo,

      Obrigado

      Fortíssimo Abraço

      :)

      Eliminar
  2. Ó vamos lá ver ... na cidade de Correntia não havia semáforos?
    Matturru teve um filho e não disse nada a ninguém? Quem foi a mãe do pobre Matatturru?
    O que diria Thomas Edison se lesse este post?
    Não havia cerveja preta naquela época?

    Chiça que raio de mundo aquele!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. -Não, só policias sinaleiros! As lampadas so foram inventadas nesta altura!
      -Ora, a mãe de Matatturru foi uma das mulheres do Harém do grande Rei Matturru da Lupolândia. Como havia 30 no Harém, e Matatturru foi entregue a URUK, o pequeno, ainda muito jovem, para ser educado nos caminhos de Necrofagismo Macrobiotico Existencialismo Racionalista Cientologista, ele já nem se lembra dela...
      -Talvez ficasse em choque... (haveis percebido o trocadilho?)
      -É capaz! Nunca, em referência alguma, vi alusões à cor da dita!

      Era, era um sítio muito estranho!
      Ainda bem que aconteceu o grande cataclismo e acabou com aquilo! Hoje em dia estamos muito mais sábios...

      :)

      Eliminar

O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!