(como vamos para Fim-de-Semana, fica mais um capítulo para os próximos 2 dias)
Entrou em casa, de madrugada, com os
primeiros raios de sol a despontar no horizonte.
A casa estava
absolutamente silenciosa. Foi até ao quarto, ela estava lá, dormia, linda como
sempre, com a serenidade do seu rosto a contrastar fortemente com os olhos
inchados pelo choro.
Entrou devagar no
quarto, o mais silencioso possível, foi buscar alguma roupa às gavetas e depois
foi tomar um duche. A água caiu-lhe no corpo como uma bênção, como se de alguma
maneira lavasse todo o lixo dos seus pensamentos. Saiu do banho, limpou-se e
olhou-se no espelho. A pessoa que lá estava parecia tão diferente da que era
reflectida ontem… como se os anos finalmente o tivessem apanhado. Sentia-se
velho e exausto! Sentia-se inútil, para ser franco!
Fez a barba, o que
sempre lhe dava uma aparência mais aceitável, vestiu um pijama, foi para o seu
escritório, arrancou o computador e deixou a sua cabeça mergulhar nas
intermináveis linhas de código que tinha à sua frente. Este era verdadeiramente
o seu domínio. Aqui, as coisas eram um ou zero, sem hipótese de haver algo pelo
meio, ao contrário do mundo, que era todo composto por intermédios, mesmo
quando estes eram percepcionados como um ou zero.
Muito tempo depois
ela acordou. Levantou-se preocupada e ligou-lhe de imediato. Ouviu o telemóvel
a tocar no escritório. Levantou-se de repente e quase correu para lá, dando com
a figura familiar dele onde costumava estar, completamente concentrado no que
fazia, a tal ponto que parecia nem ter dado pelo facto de ela ter chegado à
porta.
-Oi! – Disse ela meio
a medo.
Ele desviou o olhar
do ecrã e fixou-o nela. E ela reparou que aqueles olhos luminosos que a
costumavam encarar pareciam mortiços e sem vida.
-Estas bem? – Continuou
ela.
-Sim! – Respondeu ele
de forma algo seca.
-Onde é que
estiveste?
-Em Vigo!
Ela olhou para ele,
envergonhada e admirada, mas nem se atreveu a tecer nenhum comentário. Acabou
por perguntar:
-Tens fome? Já
comeste? Queres comer alguma coisa?
-Não, estou bem,
obrigado. Vai tu comer.
Ela assentiu e foi
até à cozinha para preparar o seu pequeno-almoço, embora, na verdade, não lhe
apetecesse comer. Sentia-se dilacerada por dentro. A incerteza do que viria a
seguir deixava-a ansiosa. Acabou por fazer um chá e comeu uma torrada simples.
Depois foi começar a vestir-se para sair para o trabalho. Quando já estava
quase pronta e recolhia apenas as ultimas coisas que precisava antes de sair
ele apareceu na sala, com um ar tão sério e carregado que quase não parecia o
mesmo homem que ela conhecia há trinta anos.
-Pensei muito e
cheguei a uma decisão. – Afirmou ele, simplesmente.
Ela gelou por dentro,
podia até jurar que o seu coração saltou uma batida no seu peito. Ele
continuou:
-Acredito que nestes
meses todos que estiveste a pensar no assunto tenhas pesado todos os prós e
contras das tuas decisões. Mas quero perguntar-te, e quero que respondas com
toda a franqueza: Amas-me?
-Sim. – Disse ela sem
hesitação.
-Queres continuar
casada comigo?
-Sim. – Mais uma vez
sem a mínima hesitação.
-E o que é que
querias mesmo? Já deves ter pensado nisso…
Ela pensou um pouco,
organizando as ideias.
-Quero que entre nós
tudo fique na mesma. Tu és o meu marido, és o meu melhor amigo, és a pessoa no
mundo em quem eu mais confio. Mas quero ter a liberdade para ir atrás destes
sentimentos, quero descobri-los, quero perceber-me. Claro que tu também és
completamente livre de perseguir alguns sentimentos que tenhas.
-Compreendo. E mais
concretamente?
-Bem, acho que o
melhor seria nunca conhecermos os possíveis parceiros do outro. Acho que evita
alguns possíveis problemas…
-Certo. Então, desde
que estejas preparada para lidar com as consequências da tua decisão, podes
considerar o casamento como tu quiseres. Apenas te imponho algumas condições.
Em todas as ocasiões temos de dar conhecimento ao outro de que estamos em segurança.
Evitamos preocupações desnecessárias. A outra condição é que apenas temos de
dizer que vamos sair, não para onde ou para fazer o quê. Além disso, acho que
nem valia quase a pena dizer, mas nunca se pode passar nada sem protecção. Concordas?
-Sim!
-Então, tens o que
queres!
Ela não conseguiu
conter o sorriso que lhe iluminou o rosto. O gelo da incerteza que sentia há
pouco tinha sido substituído por um calor aconchegante. Mal podia esperar para
chegar ao trabalho e ir ter com o colega, poder abraçá-lo sem culpas, poder
sentir os seus lábios, provar finalmente o seu gosto…
De um salto,
abraçou-se ao marido, e fez menção de lhe dar um beijo. Ele virou a cara,
recebendo o beijo na bochecha, abraçou-a com força. Podia senti-la a vibrar de
felicidade e, por mais que ele as quisesse conter, a lagrimas saltaram-lhe dos
olhos. Ela desprendeu-se do abraço.
-Tenho mesmo de ir
trabalhar… - disse, agarrou as coisas e quase que saltitou de felicidade porta fora,
nem reparando que tinha acabado de desfazer o homem que a acompanhava há tanto
tempo…
Nestes assuntos,a alegria de um, será sempre, a tristeza de outro.
ResponderEliminarÉ quando um lado força o outro para uma situação destas.
EliminarSó para esclarecer, não tenho absolutamente nada contra estas situações, quando são por mutuo acordo, não imposto com ameaças, como neste caso.
Neste caso penso que não passa de uma desculpa para ser infiel, sem o ser, se é que me faço perceber. Comer o bolo e ficar com ele. :)
Os meus comentários surgem apoiados na leitura do I capítulo: Conhecerem-se miúdos, casaram jovens, têm 20 anos de casamento, ela não teve tempo de viver o que agora procura e pensa precisar, para além de ser filha de um casal conservador... Jovens, ainda, sim, mas na mala, talvez, o peso da educação fechada. Digo eu cus nerbos :-)
EliminarSim, mas os tempos já eram diferentes... ;)
EliminarContinuo a acompanhar com interesse.
ResponderEliminarAbraço, saúde e bom fim de semana
E eu continuo a agradecer, Elvira
EliminarMuito Obrigado :)