Tinham passado quatro meses desde
aquela noite e o mundo tinha continuado igual ao que sempre foi. Pelo menos na
aparência, porque dentro de Clara os sentimentos estavam cada vez mais fortes.
A tal ponto que ir para o trabalho sabendo que o seu colega lá estaria a
deixava excitada não só intelectualmente, mas fisicamente também. Começara a
usar roupas algo mais reveladoras, maquilhagem, coisa que nunca usara antes…
Sentia-se sensual e gostava deste seu lado que nunca tinha explorado.
Marcelo não ficara
alheio à mudança e costumava elogiá-la. Estranhava, mas quando ela perguntava:
-Mas não gostas?
A resposta era
invariavelmente:
-Adoro. – Com um
sorriso luminoso.
Ela gostava dos
elogios do marido, mas a verdade é que não se vestia assim para ele, mas sim
para provocar o colega e sabia que a sua atitude era absolutamente letal.
Mas chegara a um
momento em que tinha de haver uma decisão da sua parte e ela, na sua cabeça,
estava decidida.
Tinha passado o fim-de-semana
com o colega numa viagem de trabalho e só a muito custo conseguiu conter-se.
Trair Marcelo era algo que não lhe passava sequer pela cabeça, por mais difícil
que fosse. Apesar do que sentia, tinha a certeza do seu amor por ele.
Entrou em casa,
pousou a sua pequena mala, pendurou o casaco no bengaleiro, foi à cozinha,
bebeu um copo de água, mais para se acalmar um pouco do que para matar a sede,
e foi directa ao escritório onde sabia que ele devia estar a trabalhar.
Abriu a porta.
-Olá! – Disse,
anunciando-se.
Ele retirou os olhos
do ecrã e os seus olhos iluminaram-se ao vê-la.
-Chegaste! – Disse
com um sorriso aberto.
-Sim. Temos de falar!
Ele olhou para ela e
percebeu que ela estava nervosa com algo. Mais uma vez sentiu os pêlos na nuca
a eriçarem-se e um arrepio na espinha. O seu sorriso apagou-se, bem como a luz
dos seus olhos. A mudança foi tão grande que ela quase se assustou e por
momentos hesitou.
-Fala, então. – Acabou
ele por responder.
Ela respirou fundo, e
avançou resoluta.
-Eu quero abrir o
nosso casamento!
Ele ficou
completamente imóvel à sua frente, sem qualquer reacção aparente. Ao fim do que
pareceu a ela uma eternidade ele perguntou:
-Quem é ele?
Ela não esperava esta
pergunta de volta. Nas várias conversas que se tinham desenrolado na sua mente,
nunca esta tinha sido a reacção.
-Porque é que tem de
haver um “ele”?
-Porque nestes casos
há sempre.
Ela pensou no que
devia fazer. Decidiu-se por ser sincera.
-É um colega de
trabalho.
-Aquele com quem
foste em viagem?
-Sim! – Disse ela,
completamente envergonhada e de alguma maneira com algum arrependimento de ter
iniciado a conversa. Ela conhecia-o. Ele parecia calmo e composto, como sempre,
mas lá dentro havia uma tempestade.
-Aconteceu alguma
coisa entre os dois?
-Bem, sério não. Já
demos alguns abraços mas o mais longe que fomos foi ele beijar-me o pescoço…
-Mais nada?
-Não! Acho que sabes
que nunca te seria infiel!
-Bem, até há uns
meses atrás, se alguém me dissesse que alguma vez falarias num casamento aberto
eu riria à gargalhada, e no entanto…
-Marcelo, eu amo-te!
-Sabes que isso de
beijar o pescoço já cruza algumas linhas…
-Sim, e peço-te
perdão por isso. Aconteceu este fim-de-semana, quando nos despedimos no
elevador e ele seguiu para o quarto dele e eu para o meu.
-OK. Mas tu afirmas
que me amas…
-Sim, Marcelo. Muito!
Sabes que sim!
-Bem, então a
pergunta que te faço é: Porquê?
Ela parou. A resposta
mais óbvia era simples ”Porque quero ir para a cama com ele sem me sentir
culpada”, mas ela sabia a dor que essa resposta ia causar.
-Porque ele me faz
sentir coisas que nunca senti e eu quero explorar estes sentimentos.
Ele olhou para ela
com uma tristeza nos olhos que ela nunca vira. Dentro dela uma pequena voz
apareceu que lhe disse “Já viste bem o que estás a fazer?” mas ela decidiu
ignorar essa voz.
Já ele estava neste
momento destroçado. Sentia-se como se a sua alma tivesse deixado o seu corpo.
Sentia a sua vida a colapsar. A mulher que ele amava há trinta anos,
aparentemente, nunca estivera apaixonada por si!
-E se eu te disser
que não? – Acabou por lhe perguntar.
Ela pensou um pouco e
depois respondeu com convicção:
-Bem, se disseres que
não, acho que vou começar honestamente a considerar um divórcio!
Aquelas palavras
atingiram-no como se tivesse sido colhido por um comboio de carga a alta
velocidade.
Levantou-se, passou
por ela, foi directo à garrafeira, serviu-se de um whisky que bebeu num só
trago, enquanto as lágrimas finalmente teimavam em emergir dos seus olhos.
Não podia ficar ali.
Não agora!
Agarrou no casaco,
nas chaves do carro, dirigiu-se à garagem, enfiou-se no carro e arrancou
completamente sem destino.
Ela viu-o a sair e de
repente ficou em pânico!
“O que é que eu fiz?”
Pensou para si. Tentou de imediato ligar-lhe, mas ele não atendeu. Continuou a
tentar, na hora seguinte, mas ele continuou sem atender. Dentro de si, um
enorme conflito. Acabou por se ir deitar a chorar, sem saber nada dele.
Estamos mais habituadas a que este tipo de conversa venha dele e não dela e, talvez por isso, esta história esteja a ser tão interessante de seguir. Sentir nele as reacções que costumam ser elas a ter: O sofrimento, a sensação de ter pouca importância na vida do outro, até o facto de fugir para não ter que encarar a verdade nua e crua do que está a acontecer, no tentar entender.
ResponderEliminarÉ por tudo isto que tenho muita pena que não continues a escrever.
Boa tarde, sô Gil
Boa tarde, D. Noname :)
EliminarSabes que hoje em dia já não é tanto assim...
Se há uma coisa podre no actual feminismo é o sentido de direito ao que sempre foi criticado no comportamento masculino (que é descrito como toxico, mas que acaba por ser adoptado por elas, como se não fosse toxico para ambos os sexos - Se tu fazes e tóxico mas se for eu a fazer é um direito adquirido e uma afirmação).
Daí eu explorar o tema por este ângulo.
Além disso esta história é baseada em três histórias verídicas, e em todas elas foram elas que ao chegar a um certo ponto na vida, influenciadas por amigas e pela sociedade em geral, resolveram dar este passo...
Estas histórias tiveram o condão de me fazer pensar e acabei por ter a compulsão d escrever isto...
...pode ser que ponha algumas coisas em perspectiva para alguém...
...mas no fundo é só mais uma história sem grandes aspirações!
Ou seja, é preciso alguma coisa fazer-me pensar bem para sentir a compulsão de escrever seja o que for! E quando o faço, é em exclusivo para mim. É a minha maneira de organizar ideias :)
Mas, é o facto de escreveres sem pressões de agradar, a leitores ou editores, que te permite escrever da maneira como o fazes, e que me encanta. Não é escrita a metro, não tem por base agradar para vender, indo ao encontro de... É essa autonomia, esse descompromisso, ainda que compromissado com as tuas ideias, com a verdade sem laçarotes. Enfim, com uma realidade que acabamos a reconhecer existir.
ResponderEliminar:)
Alguns acabam por reconhecer!
EliminarMuitos estão tão entrincheirados em ideologias que não vêem os factos nem quando estes lhes entram pelos olhos e só os reconhecem quando a vida lhes dá uma chapada na tromba... ;)
E não, não tenho pretensões de agradar seja a quem for. Às vezes nem mesmo a mim. Desde que chegue ao fim com as minhas ideias arrumadas, para mim está bom.
Anyway...
...Obrigado :)
O que devo acrescentar que a Noname já não tenha dito?
ResponderEliminarAbraço e saúde
Não precisa de acrescentar nada :) É um gosto vê-la por aqui :)
EliminarForte abraço :)