quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Depois do Inferno Verde - Capítulo 28


 


Foram precisos alguns dias até Clara encontrar o momento certo para falar com a mãe. Ainda se lembrava bem daquela noite — Laura mais silenciosa do que o habitual, um ar estranho de vulnerabilidade nos olhos, e o próprio ambiente da casa a parecer ter mudado ligeiramente.

Estavam agora sozinhas na cozinha, Clara a beber um chá e Laura a arrumar as últimas louças do jantar. Clara apoiou-se no balcão e quebrou o silêncio com cuidado:

— Naquela noite… eu percebi que houve qualquer coisa. Tu estavas diferente. O que se passou?

Laura parou por instantes, as costas viradas para a filha, e suspirou fundo antes de se virar.

— Falei com o teu pai. Pela primeira vez em muito tempo, falei mesmo. Disse-lhe o que nunca tinha conseguido.

Clara endireitou-se na cadeira.

— E como é que ele reagiu?

— Ficou em silêncio… mas não me virou costas. Ouviu-me. — Laura hesitou, quase a medo. — Não sei se foi aceitação ou apenas respeito. Mas… foi mais do que eu esperava.

Clara baixou os olhos, pensativa, e disse num tom calmo:

— É estranho, não é? Parece que todos nós tivemos de chegar ao limite para começarmos finalmente a falar a sério.

Laura assentiu.

— E nesse limite, percebi uma coisa. — Olhou a filha nos olhos. — Todas as desculpas que inventei para mim própria… caíram por terra. Eu não reconhecia a mulher que me tornei. Nunca pensei ser capaz de… fazer o que fiz. Mas fiz. E só restava olhar o estrago de frente.

Clara manteve-se em silêncio durante alguns segundos, antes de responder:

— Eu também percebi isso, mãe. Que nem sempre somos quem pensávamos ser. Mas também acho que é aí que começa a mudança… quando finalmente conseguimos admitir quem fomos.

As duas trocaram um olhar silencioso, pesado mas cheio de compreensão. Era como se, pela primeira vez, ambas reconhecessem a profundidade das suas falhas sem máscaras nem justificações.

Laura deixou escapar um suspiro que se transformou quase num sorriso cansado.

— No meio disto tudo, sabes o que mais me ficou? Que agora vou ter de trocar o Tesla.

Clara arqueou as sobrancelhas, surpreendida, e não conteve uma gargalhada curta.

— Trocar o Tesla?!

— Sim… — Laura encolheu os ombros, irónica. — Parece que aquele carro virou símbolo de tudo o que correu mal. Mas não faço ideia do que ir buscar…

Clara abanou a cabeça, divertida, e respondeu:

— Então pergunta à Benedita. Desde aquela viagem com o pai que ficou fanática por carros. Aposto que te arranja logo uma lista inteira de sugestões fixes.

Laura riu-se finalmente, de forma leve, quase libertadora. E por um instante, a sombra que pairava entre ambas pareceu menos densa, como se aquele pequeno humor fosse também um gesto de reconciliação.

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