quarta-feira, 3 de abril de 2019

I



No principio, duzentos e setenta mil anos antes de Avnar poder olhar pela sua parede transparente, no continente que viria a ser conhecido um dia por África, uma mutação genética ocorreu numa família de Homo Erectus e nasceu um ser estranhamente desprovido de pelos e com uma cabeça tão grande que a sua mãe morreu no parto e a criança esteve quase a sofrer o mesmo destino.
O clã dividiu-se entre os que queriam proteger a cria e os que achavam que não valia a pena e resolveram deixá-la ao abandono. No entanto a cria demonstrou alguma resiliência e os seus gritos acabaram por inquietar a fêmea alfa do grupo, que acabou por o adoptar.
A cria era anormalmente frágil e necessitava de cuidados constantes, ao contrário das outras crias da sua idade que se mexiam autonomamente quase desde o nascimento. A cria parecia inevitavelmente defeituosa e não fora a fêmea alfa ter-se tornado protectora, o clã já o teria abandonado há muito.
Só muito tardiamente a cria começou a movimentar-se, primeiro arrastando-se, depois começando a gatinhar e só finalmente bastante tempo depois a andar, o que foi considerado um triunfo pela mãe adoptiva face ao atraso claro. 
A cria crescia feia, apenas com um tufo de pêlos no cimo da cabeça, bastante desajeitada, mas as coisas começaram a mudar quando chegaram à quinta Primavera depois do seu nascimento. A cria tornava-se enérgica e desenvolta, para orgulho da sua guardiã, não tanto quanto as outras crias quase adultas da sua idade, mas aquilo que não tinha em agilidade e força parecia compensar com inteligência. Compreendia com facilidade todas as maneiras como as coisas podiam ser feitas, tal como lhes tinha sido ensinado pêlos seus antepassados e os antepassados destes mas, estranhamente, por vezes começava a fazer tarefas de maneiras alternativas que eram muito mais rápidas e eficazes. As armadilhas de caça que eram feitas por ele, por exemplo, eram, não só as mais intrincadas, mas as que apanhavam quase sempre algo!
O resto do clã tinha algum receio dele, porque ele mudava o que sempre fora, mas a matriarca continuava a protege-lo e, muitas vezes, mesmo os caçadores e os anciãos admitiam que ele trazia algumas vantagens à sua pequena comunidade.
A cria demorou até chegar à puberdade, muito mais que qualquer outra cria já tinha demorado. Mas finalmente aconteceu, na décima segunda Primavera depois do seu nascimento, e como sempre, foi-lhe dado a provar a comida sagrada. O resultado foi algo que ninguém esperava. Durante o transe, enquanto o resto do clã dançava em volta da grande fogueira, o então jovem levantou-se a começou a rabiscar símbolos no chão com uma vara.
No dia seguinte, quando acordou, todo o mundo lhe parecia diferente, com series de imagens para si incompreensíveis na sua cabeça.
Este jovem cresceu e acabou por acasalar com várias fêmeas. Curiosamente, já um ancião, acabou por se tornar o chefe do clã. Poucos ousavam desafia-lo, porque ele lutava de maneiras incomuns. Por causa disto acabou por acasalar com bastantes fêmeas e teve um numero de filhos bastante grande, a maioria parecidos com as mães, mas os outros parecidos consigo.
Ao longo dos cem anos que se seguiram todo o clã era já parecido com a antiga cria defeituosa, desaparecendo os traços da sua antiga família a cada geração. O clã crescia e prosperava, tanto que começou a invadir os territórios vizinhos. O clão original dividiu-se em muitos clãs e seguiram um padrão em que foram assimilando mais e mais área. Em mil anos a zona do norte de África onde tinham aparecido estava quase toda dominada pela nóva éspecie, forçando os Homo Erectus para sul.
Foi então que, de repente, os espíritos dos antepassados devem ter ficado irados, vieram ventos que arrancavam o próprio chão mais tudo o que nele se encontrava, que queimavam quem não se conseguia abrigar bem, e em seguida veio a água e todo o mundo se tornou mar e apenas aqueles que estavam abrigados em grutas profundas no cimo de montanhas altas escaparam à fúria que se abateu sobre eles. Quando finalmente puderam sair das grutas estava frio e nada havia que comer. A maior parte dos sobreviventes morreu de fome e frio e apenas o que se encontravam junto ao mar e rios conseguiram comida suficiente. Devido ao frio, todos foram andando, nómadas, em busca de climas mais quentes.

5 comentários:

  1. Confesso que fiz apenas uma leitura, algo na diagonal, mas voltarei à liça, isso volto.
    Mas, ficou-me uma dúvida: se vais republicar os teus antigos textos ou se estes encadeiam nos antigos.
    É que me pareceu haver aqui uma certa semelhança.
    Desculpa, Gil. Se por um lado não gosto de comentar e botar palavra sem ter lido, por outro gostaria
    que soubesses que li algo, mas não tudo...:) Em suma, ser sincera, como sempre sou. :)

    Beijinho e uma boa noite.

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    1. A sinceridade é uma virtude...

      Espero que gostes quando leres melhor :)

      Não vou republicar nada :) Quem quiser que ande para trás no blog... Não faço questão que ninguém leia... ;)

      Bjs :)

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  2. Isso explica porque todos os seres humanos apresentam um ADN praticamente igual e dá força à teoria de que todos descendemos de um pequeno grupo provavelmente parente entre si. Foi inspirado nessa teoria que escreveu a história? E para quando a continuação?
    Abraço e bom Domingo.

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    1. A localização no tempo prende-se com os achados mais antigos de Homo Sapiens em Marrocos, cerca de 100.000 anos mais velhos que o que anteriormente tinha existido, empurrando a nossa presença no planeta para à cerce de 300.000 anos atrás.
      Quanto à genética, geneticistas conseguiram determinar que todos os Humanos vivos são descendentes de um mesmo macho, um bosquímano do deserto do Kalahari que viveu à 60.000 anos atrás. Somos, portanto, todos primos :)
      A continuação virá :)

      Abraço Elvira

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!