terça-feira, 19 de novembro de 2024

Consequências (XV de XLIII)



Tiago estava completamente perdido dentro da sua mente, tentando encontrar alguma ordem no caos que reinava nos seus pensamentos. Foi a voz de Lisa que o trouxe de volta ao sitio onde estava.

“Eu sei que se calhar é estranho, mas gostava de te dizer algumas coisas, se quiseres ouvir.”

Tiago olhou para ela.

“E o que é que tens para me dizer que eu queira ouvir?”

“Uma perspectiva.”

Tiago olhou para ela, inquiridor. Ela continuou.

“Como percebeste fui apanhada no meio desta situação por pura sorte.”

“Sorte?”

“Sim, e já te vou explicar porquê.” Disse ela com um sorriso doce “A noite com o teu pai foi estranha. Comecei a desconfiar de algo no carro mas só aqui é que tive a certeza de que ele não sabia de nada. E depois, tudo o que se passou foi no mínimo estranho e eu não percebi bem. Só ontem à noite, aqui em tua casa, sentados na mesa da cozinha é que eu percebi, não só o que se tinha passado, mas tudo o que se passava à minha volta e eu não via, simplesmente porque não via o mundo por essa perspectiva.”

Tiago parecia ainda mais confuso.

“O meu marido esteve aqui connosco ontem, até a Patrícia chegar. E foi quando a tua mãe finalmente me disse o que se tinha passado. Mas foi o meu marido que nos ofereceu uma perspectiva que nos abriu os olhos.”

Tiago continuava lentamente a beber o seu whisky, mas agora com um ar curioso e extremamente atento.

“Sabes, esta espécie de clube não oficial conta com uns quarenta casais. Quase todos os nossos maridos são empreendedores, têm cargos elevados em empresas. Podes dizer que são pessoas influentes e abastadas. A maior parte de nós não trabalha sequer, embora algumas o façam. Outras envolvem-se em voluntariados para ocupar o tempo e outras simplesmente não fazem nada. A tua mãe… Bem, claramente não ia aos nossos encontros, porque são para casais e ainda que ela alguma vez quisesse vir com outro homem, isso nunca seria permitido. Mas era uma espécie de membro não oficial. É uma das amigas do grupo e nos discutíamos as coisas abertamente. E verdade é que brincávamos com ela e a chamávamos de “a virgem do grupo” mas na pura brincadeira. No fundo todas nos invejávamos a relação e a cumplicidade que ela tinha com o teu pai. Bem, também olhávamos para o teu pai. Acho que todo este ambiente poderá ter levado a tua mãe a imaginar o que seria estar com outro homem sem culpa. E aquilo que fazemos era o ideal. Não há qualquer envolvimento emocional. O parceiro, homem e mulher são escolhidos à sorte. Se não há sentimentos envolvidos, então é só mesmo o acto por diversão. De certeza que compreendes isso, não?”

“Claro que percebo.” Disse Tiago “E para ser sincero, não me choca. Se todos os que lá estão consentem no que se passa, o que outros pensam ou não é com eles.”

“Exacto. Além disso a tua mãe ouvia as histórias que contávamos de chegarmos a casa depois de uma noite de sexo com uma energia diferente, porque, quer queiramos quer não, é diferente, o facto de estares a conhecer e a dar-te a conhecer a alguém intimamente pela primeira vez, e o reencontro com os nossos maridos, as pessoas que realmente queremos e amamos e como isso era absolutamente explosivo para ambos e o quanto fazer amor a seguir era divinal e nos conectava intimamente. Portanto podes calcular que a tua mãe ouvia isto e, por muito boa que fosse a sua vida no quarto com o teu pai, não havia esta energia. E acho que a tua mãe se convenceu que se fizesse isto, uma única vez, porque mesmo quando ela nos disse que finalmente iria a uma reunião, disse-nos logo que seria uma vez portanto a sortuda que tivesse o seu marido, que aproveitasse, mas nesta única vez ela queria trazer essa energia para a relação e dar-se depois de uma maneira intima e maravilhosa ao parceiro. E se me perguntasses ontem, eu diria a pés juntos que isto tem toda a lógica e dai não conseguir perceber muito bem a reacção do teu pai, ou por outra, perceber, mas achar a reacção exagerada.”

“Então e se eu te perguntar hoje?”

“Se me perguntares hoje… Eu digo-te que após a conversa que tivemos aqui ontem e que acabou por ter um desfecho em casa, não vou voltar ao clube. Percebi que, apesar de o meu marido participar voluntariamente, toda essa questão da energia era algo que eu sentia, mas ele não. Pelo contrário, magoava-o. Que ele apenas me acompanhava porque tinha medo que se isto não acontecesse eu acabaria por o trair um dia. Porque tem noção do tempo que o trabalho lhe tira e se sente culpado por não me dar esse tempo e atenção, e tem medo que alguém tome esse lugar. E eu nunca me tinha passado isso pela cabeça. Que ele pensasse dessa maneira.”

Tiago olhava para ela, avaliando as suas palavras.

“Não estou a querer desculpar os actos da tua mãe. São o que são… Mas queria que tu percebesses que o maior erro dela não foi a mentira, a traição ou o desrespeito, foi antes a arrogância de pensar que sabia o que era melhor para ambos e agir unilateralmente. Mas que no fundo a intenção não era magoar o teu pai, antes pelo contrário era oferecer-lhe algo mais dela própria.”

Tiago olhou para ela durante um longo tempo. Depois disse simplesmente:

“Obrigado”

Lisa acenou em assentimento, percebendo que ele entendera o que ela dissera e esperou que ele pelo menos percebesse que a sua mãe não era uma má pessoa ou maquiavélica, apenas uma pessoa que fez as escolhas erradas por motivos certos.

“Vou só espreitar a tua irmã e a tua mãe e vou indo…”

“Claro vai…”

Lisa subiu as escadas e espreito o quarto. Patrícia abraçava a mãe que parecia calma de olhos fechados. Desceu as escadas, Tiago levou-a à porta e partiu.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Consequências (XIV de XLIII)



Tiago entrou em casa cansado, depois de ter a noite em claro a estudar, ter tido um exame extremamente complicado e ter conduzido duas horas. Abriu a porta, meio receoso do que iria encontrar. A sua irmã tinha-lhe dito que havia problemas em casa, mas não especificou. Tentou saber mais dela ao longo do dia anterior, mas ela disse-lhe sempre que não valia a pena preocupar-se, ela estava em casa e quando ele chegasse na segunda-feira depois do exame lhe explicaria tudo. Mas, conhecendo ele a irmã, suspeitava que ela lhe estava a esconder algo para não o preocupar antes do exame.

A casa estava completamente silenciosa.

“Cheguei. Está cá alguém?” Gritou.

Patrícia apareceu imediatamente, vinda da cozinha, fazendo-lhe sinal para não fazer barulho, mas era tarde demais. A mãe, que aparentemente estava adormecida no sofá, acordou com a voz dele. Assim que o viu, levantou-se, correu para ele e abraçou-o! Abraçou a mãe de volta, reconfortando-a enquanto ela chorava e dizia baixinho “Desculpa, desculpa…” mas ele continuava atónito, sem perceber nada.

Patricia ficou a olhar para ele com um ar apreensivo e ele percebeu que, o que quer que se tivesse passado, era mais grave do que Patrícia tinha dito, confirmando os seus receios.

Ao fim de algum tempo Patrícia conseguiu arrastá-los para a cozinha, onde serviu o jantar que tinha acabado de fazer quando o irmão chegou. Sentaram-se e comeram em relativo silêncio. A meio da refeição Tiago perguntou “O pai?”, ao que Patrícia simplesmente respondeu “Está bem.” E pelo tom da irmã, ele percebeu que teria de esperar mais um pouco pelas respostas. Quando estavam a acabar a refeição, bateram à porta. Patrícia foi abrir e deixou Lisa entrar.

“Vim ver como estava a tua mãe.”

“Entra. Vai para a sala que nós acabamos agora de comer e vamos também. Queres alguma coisa? Um café?”

“Sim, um café ia bem, por favor.”

“Senta-te, que já nos juntamos a ti.”

Patrícia voltou à cozinha e começou a tirar cafés para todos, menos a mãe, já sabendo os gostos respectivos e disse aos restantes:

“Vão indo para a sala que a Lisa está lá.” A mãe levantou-se e seguiu, mas Tiago ficou a olhar para Patrícia com a pergunta “Quem é a Lisa?” obviamente estampada no rosto.

“Já vais descobrir.” Respondeu Patrícia aos pensamentos do irmão enquanto lhe passava uma chávena de expresso para a mão e começava a tirar outra chávena. 

Tiago encolheu os ombros e dirigiu-se para a sala com o seu café, encontrando uma deslumbrante criatura ruiva sentada no seu sofá. Lisa estava vestida casualmente, mas nada poderia ofuscar a beleza daquela mulher. Tiago ficou sem reacção, com milhares de pensamentos a passarem-lhe pelo espirito. O que se teria passado. Seria aquela mulher a fonte do problema? Seria uma amante do pai? Afastou esse pensamento. Conhecia o pai. Mas também se conhecia a si e aquela mulher tinha algo de quase transcendente, como as estrelas de cinema, ou as modelos nas fotos das capas de revista. Conseguia ele descartar a possibilidade?

Mas se fosse esse o caso, que confusão era esta. O pai tinha fugido? Mas se ela estava aqui, com quem? Sozinho? Abanou a cabeça por uns momentos, como se tentasse colocar alguma ordem nos pensamentos. 

Patrícia passou por ele com uma pequena bandeja com dois cafés, um para ela própria e outro para Lisa, sentando-se ao pé dela. Olhou para a mãe, que olhava para o chão sem ter coragem de olhar para ele. Entrou finalmente na sala e sentou-se numa cadeira, de frente para elas, sem saber sinceramente o que esperar. Depois perguntou finalmente, sem ser a nenhuma delas em particular:

“O pai?”

“Falei com ele duas vezes. Sei que está bem.” Respondeu Patrícia.

“Onde é que ele está?”

“Não sei. Ele não quis dizer. Mas pela descrição que fez está numa zona de conflito qualquer algures…”

“Isso não só e reconfortante como ajuda bastante a localizá-lo.”

“Ele não quer que saibamos onde ele está. Diz que não quer que fiquemos preocupados.”

“Isso deixa-me completamente descansado.” Respondeu Tiago a começar a sentir-se irritado, com uma nota plena de sarcasmo na voz. Depois perguntou finalmente “Alguém me explica o que se passa de uma vez por todas?”

Patrícia e Lisa olharam para Marie, mas esta apenas se encolheu e começou a soluçar baixinho. Tiago olhou para Patrícia que suspirou e começou a contar toda a história do que se passara desde o princípio da semana, com a insistência em ir a uma festa e depois contando todos os acontecimentos da noite de sexta-feira para Sábado. A certa altura Tiago teve de pedir a Patrícia para parar. Saiu da sala durante algum tempo e foi para o quintal por trás da casa. As mulheres ficaram em silêncio. Marie soluçava.

Tiago voltou e, numa atitude inédita, trazia consigo um copo com whisky. Patrícia estranhou. Sentou-se novamente, respirou fundo e disse a Patrícia para continuar. Patrícia olhou para Lisa e esta começou a descrever o que acontecera quando viera com o seu pai para casa. Quando Lisa acabou, Patrícia descreveu os telefonemas que a mãe teve com o pai, e depois as conversas que ela própria teve com ele.

Tiago ficou em silêncio por bastante tempo, como se lhe fosse difícil entender toda aquela situação. Olhou para a mãe, que continuava a soluçar baixinho.

“Enlouqueceste?” Foi a única coisa que ele foi capaz de dizer, ao fim de algum tempo.

A mãe levantou finalmente a cabeça.

“Não era suposto ser assim…” disse entre soluços, sem o olhar nos olhos.

A ira nos olhos do filho era incomportável. Sendo ele tão parecido com o pai, pareciam os olhos do marido a julga-la, mas o facto de ser o filho doía ainda mais. Ela sabia que jamais seria vista por ele da mesma maneira.

“E como é que era suposto ser? Queres tentar explicar-me?”

“Era suposto ser uma prenda para ambos, algo diferente, uma nova experiência…”

“Quem é que tu queres enganar? Era uma maneira de encobrires o teu desejo de foderes, pêlos vistos, outro gajo qualquer, desde que não fosse o teu marido.”

As palavras de Tiago, completamente directas, assustaram todas elas, com uma súbita concretização de uma verdade que, até este momento, nenhuma delas queria plenamente realizar.

“Por causa da tua vontade egoísta, o meu pai está algures no mundo no meio de uma guerra, só para se afastar de ti… Como é que pudeste fazer isto? Odiavas assim tanto a tua família para a querer destruir assim tanto?”

A mãe levantou a cabeça e olhou para ele, de olhos esbugalhados abanando a cabeça e dizendo apenas “Não, não…”

“O que é que tu esperavas? Tu achas que o pai tinha algum interesse em ter sexo com outra mulher? Olhaste bem para ele, nos últimos tempos? Achas que se ele estalasse os dedos não aparecia alguém?”

“Eu sei.”

“Porque é que, pelo menos, não lhe perguntaste?”

“Porque me convenci que se lhe perguntasse ele nunca seria honesto. Mesmo que quisesse, nunca o admitiria a mim.”

“Então, tu, na tua universal sabedoria, achaste que sabias o que ele queria, mesmo que dissesse que não. O buraco da tua explicação é quando ele te disse claramente que não tu relevaste, viraste-lhe as costas e foste passar uma noite com outro homem. Mesmo quando ele te disse para não fazeres isso, tu sabias o que era melhor para ele.”

Patrícia estava francamente assustada. Sempre olhara para Tiago como simplesmente o irmão mais novo, sempre bem-disposto e brincalhão, mas este homem furioso era uma faceta dele que a surpreendia.

“Espero que tenha valido a pena.”

Marie começou a hiperventilar.

“Sabes que mais. Eu amo-te mãe, mas neste momento estás mesmo muito baixa na minha consideração. Mas tu causaste isto na tua arrogância e estupidez. Agora vê lá se és humilde o suficiente para tentar reparar isto e fazeres tudo o possível e sobretudo o correcto.”

Por esta altura Marie estava a começar a ter um ataque de pânico e Patrícia levou-a rapidamente para o quarto, para lhe dar um calmante. Tiago deixou-se cair pesadamente no assento e ficou com uma expressão absolutamente séria, perdida nos seus pensamentos a beberricar o sei whisky. A imagem nítida do seu pai na madrugada de Sábado, pensou Lisa para si.


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Consequências (XIII de XLIII)




A casa tinha uma aparência estranha para ele. Devia ser uma propriedade bastante rica, porque estava isolada e algo distante da povoação mais próxima. Grande, ao contrario da maioria das casas. Entrou e a casa estava muito mais fresca do que pensava. No lusco fusco, as paredes eram desenhadas pela luz que passava através de intrincados detalhes talhados nos painéis de madeira que estavam por todo o lado. No centro da casa um pátio interior que lhe fazia lembrar um claustro de um convento em miniatura mas todo revestido e com colunas de madeira entalhada com detalhes riquíssimos. Teria tempo para os analisar ao pormenor, mas não deixou de ficar impressionado. No quarto, enorme, uma secretária moderna com um computador contrastava com os móveis e poltronas de aspecto antigo e com a enorme cama de dossel que daria para quatro pessoas folgadamente.

Miguel e um dos outros homens entrou atrás dele, trazendo as malas.

“Onde quer que as ponhamos?” Perguntou.

“Deixem-nas em qualquer lado, eu depois trato disso.”

“Antes de me retirar,” deu-lhe um pequeno papel “ Nesse papel tem o meu número e mais alguns números importantes. Para já ficará sozinho, mas está um homem na frente da casa e outro nas traseiras. O nosso aquartelamento é nas instalações da sede e é lá que eu estarei, mas virei com a frequência que for necessário. Seja o que for, não hesite em ligar-me. Mais logo o pessoal que vai cuidar da casa vai chegar. Já foi pré-aprovado por nós. Terá uma cozinheira e uma governanta. Não são locais. Amanhã de manhã chegará o seu secretário que trabalhará em permanência consigo, aqui e na sede. Agora deixo-o, mas informo desde já que tem uma reunião marcada para as onze da manhã, pelo que estaremos aqui para o levar às dez e meia. O seu secretário chegará pontualmente às nove. E ele é britânico…” acrescentou no fim com um sorriso, que mereceu outro de Alex em resposta.

“Obrigado Miguel.”

Os homens saíram e Alex ia para se sentar, mas chamou:

“Miguel.” Este voltou atrás com uma expressão interrogativa “Por acaso não haverá nesta casa algo que se beba?”

Miguel sorriu, atravessou o quarto, pressionou um painel na parede que abriu e revelou um minibar, saindo em seguida.

Alex respirou fundo, atirou o casaco que ainda tinha nas mãos para cima da cama, descalçou-se, desapertou a camisa, agarrou um copo e procurou através das garrafas até encontrar um whisky que lhe agradava, juntou duas pedras de gelo, sentou-se numa convidativa poltrona de veludo carmesim que o aconchegou de imediato, agarrou no telemóvel, verificou, para sua surpresa, que tinha rede e ligou. Esperou algum tempo até ouvir o sinal de chamada, ao ponto de pensar que afinal era falso alarme. Mas de repente ouviu o toque que foi atendido de imediato.

“Pai.” A voz de Patrícia ansiosa do outro lado “onde é que tu estás?”

“Numa poltrona de veludo.” Respondeu numa voz calma e controlada “Estás ao pé da tua mãe?”

“Sim, mas vou para o quintal, se quiseres.”

“Sim, é melhor. Ou então posso ligar noutra altura…”

“Não, nem penses. Já me estou a afastar. A Lisa também está aqui…”

“Olha que bom. Presumo que já te tenham dito alguma coisa.”

“Já, pai. O suficiente para neste momento a mãe não ser a minha pessoa favorita.”

“Espero que não te tenham contado mesmo tudo…”

“Não, omitiram as partes gráficas.”

Ficaram em silêncio, sem saber o que dizer um ao outro.

“Pai, depois de ouvir a história percebo-te, mas não achas que foste um bocadinho precipitado?”

“Se a tua mãe entrasse em casa com o sorriso que lhe ouvi na voz quando ligou a primeira vez, a esta hora eu estava na prisão e tu estavas órfã de mãe. E como não a podia matar, até porque nunca te privaria, a ti e ao teu irmão, dela, matei-a em mim. Para mim ela morreu. Quando falarmos não quero que a menciones e, se queres que continuemos a falar, pensa bem o que dizes de mim. Não só ela está morta para mim, eu quero estar morto para ela.”

“Vais pedir o divórcio?”

“Eu? Ser traído e ainda perder metade do que passei uma vida a trabalhar para conquistar? Não. Ela que trate disse daqui a um ano e que fique com o que eu deixei para trás. Entretanto deve arranjar outro estúpido qualquer que a queira sustentar.”

“Também não precisas de falar assim da mãe.”

“Não estou a falar mal, estou a constatar uma realidade plausível.”

“Fazes ideia de como ela está?”

“Acho que te disse algo há uns segundos atrás…”

“Sim, desculpa. Mas onde é que estás?”

“Se queres que te diga, nem eu sei bem… Mas de qualquer maneira não te vou dizer.”

“Não queres que a mãe descubra?”

“Não quero que tu e o teu irmão se preocupem. O Tiago já sabe?”

“Sabe que houve um problema grave, mas tem um exame amanhã, e eu não lhe disse mais nada para não lhe descarrilar o exame.”

“Fizeste bem. Estava para lhe ligar a seguir, mas assim vou deixá-lo em paz. Quando falares com ele, diz que lhe ligo na terça-feira.”

“OK. Eu digo.”

“Olha, eu acabei de chegar, ainda nem me instalei e estou cansado. Já sabes que estou bem. Quando precisares de alguma coisa, seja o que for, seja a que horas, liga. Estou aqui para ti.”

“Eu sei, pai.” respondeu Patricia com a voz embargada. “Vai descansar então. Falamos depois.”

“Amo-te, filha”

“E eu a ti, pai.”


quinta-feira, 14 de novembro de 2024




Há um espelho da realidade
Nele descobres a verdade
De quem és!

As palavras ditas são nada
Mas cortam como o fio
De uma navalha afiada.

Nem tudo o que reluz é ouro!

Sentimentos vão e vêm,
Tentas continuar
E fingir que está tudo bem.

Traições veladas,
Promessas quebradas,
Mudanças que vão de 0 a 100

Cada um dorme na cama que faz
Não dá para voltar com o tempo atrás...

Está tudo dito e feito,
E o que é que restou
Do que foi perfeito?

Verdades veladas,
Cobertas por dor,
Que secam qualquer fonte de amor...

Nem tudo o que reluz é ouro
A Alma é um tesouro!

Vê,
A verdadeira felicidade
Está na realidade
A felicidade fugidia
Está na fantasia!

Consequências (XII de XLIII)



Patrícia acordou ao lado da mãe, na sua cama, depois de uma noite mal dormida. Apesar de quando chegou a sua mãe parecer abalada, mas de alguma maneira mais calma, uma breve conversa com Lisa pô-la ao corrente do estado dela e, como tal, achou prudente não fazer perguntas e simplesmente estar presente. A mãe estava exausta e foram ambas deitar-se, até porque a hora já ia adiantada, mas Patricia reparou que ela demorou horas até se deixar vencer pelo sono e passou a maior parte da noite a soluçar baixinho.

Levantou-se devagar para não a acordar, desceu à cozinha e pôs a máquina do café a aquecer, fez uma torrada e, quando se sentou à mesa, reparou nos molhos de chaves e na aliança.

Nada disto fazia qualquer sentido. Tinha estado em casa no fim-de semana anterior junto com o seu irmão, Tiago, e em momento algum parecia haver algum problema entre os seus pais. Antes pelo contrario, comportavam-se como namorados irritantes até ao ponto de o Tiago se voltar para eles e dizer “Eu dizia-vos para arranjarem um quarto, mas já têm um, por isso…” o que só provocou risos.

O seu pai, sempre presente para a família, tinha tomado uma atitude extrema. Porquê? Teria ele arranjado outra e simplesmente dado o salto? Não lhe parecia. O que é que ele queria dizer com “ir para o inferno”?

Nada disto parecia fazer sentido.

Estava a acabar de comer quando bateram à porta. Era Lisa.

“Bom dia. Como é que está a tua mãe?”

“Bom dia. Está lá em cima a dormir. Demorou eternidades a adormecer ontem e nem sei quando vai acordar.”

“Deixa-a dormir. Ela precisa. Ontem quando aqui cheguei estava num estado quase catatónico e sem nenhuma reação, completamente em choque.”

“Mas o que é que se passou?”

Lisa suspirou.

“Sabes, eu podia dizer-te, até porque também estive envolvida nisto tudo. E não sei se me vais ver com bons olhos depois de saberes tudo, mas não devo ser eu a dizer-te. Foi algo demasiado pessoal e intimo e eu não quero colocar palavras na boca da tua mãe.”

Patrícia olhou para ela tentando avaliar as palavras.

“Foi assim tão grave?”

“Foi. Mas vamos esperar que ela acorde e que te diga pelas palavras dela. O teu pai não te disse nada, não te ligou?”

“Liguei eu, ontem, quando vinha a caminho. Ele atendeu. Disse-me que estava no aeroporto de Frankfurt à espera de um voo de ligação.”

“Voo de ligação? Para onde?”

“Ele só me disse que ia para o inferno…”

Lisa abanou a cabeça.

“…e que tinha aceite uma promoção e foi e que a minha mãe foi a razão de ele aceitar a promoção. Isto não é o meu pai. Ele não faria isto do nada…”

Lisa manteve-se em silêncio sem saber o que dizer. Claro que lhe apetecia contar toda a verdade, mas sabia que não podia fazê-lo. Patrícia teria de ouvir da boca da própria mãe o que se tinha passado, e sabe Deus como reagiria.

Marie desceu as escadas, sentindo-se fraca e desorientada, segurando-se às paredes, entrou na cozinha e viu claramente nos olhos de Lisa e Patricia que a sua aparência devia espelhar o que sentia por dentro.

“Bom dia, mãe.” Disse Patricia enquanto notava o estado dela e se levantava para a amparar, ajudando-a a sentar-se à mesa. Marie tentava encontrar forças para falar, mas não conseguia, olhou simplesmente para Lisa que acenou a cabeça para ela com um sorriso de compreensão no rosto.

“O que é que queres comer?” perguntou Patrícia enquanto punha água a aquecer para um fazer um chá. Marie abanou a cabeça mas a filha não se ficou “Nem penses. Não quero saber de desculpas. Vais comer qualquer coisa, seja o que for. Umas torradas com manteiga?”

Marie, sabendo que não ia adiantar protestar, e nem se sentindo com forças para isso, acenou afirmativamente. Demorou o seu tempo a comer, uma vez que tinha de se forçar e quase não falaram. Depois foram apara a sala e sentaram-se. Marie sabia que tinha chegado a altura de falar, mas nem conseguia encarar a filha. Como é que lhe ia explicar isto?

“Mãe, o Tiago não pode vir hoje, porque tem um exame amanhã, mas assim que sair do exame arranca para cá.”

A mãe acenou. E o silêncio voltou. E foi Patrícia quem o quebrou, indo directa ao assunto.

“O que é que se passou?”

A sua mãe simplesmente desatou a chorar e Lisa foi de imediato para junto dela, abraçou-a e ficou assim com ela algum tempo, enquanto Patrícia simplesmente olhava e esperava por uma resposta. Finalmente a mãe olhou para ela, respirou fundo e começou a descrever tudo o que se tinha passado, desde que tinha dito a Alex acerca da festa, o que a festa era, a omissão dela e tudo o que se passou na festa.

Se a cara de Patrícia a principio parecia completamente atónita, a expressão foi substituída por choque quando a mãe lhe disse que tinha saído com outro homem e passado a noite com ele, embora sem entrar em detalhes.

“E o pai?” foi a única coisa que conseguiu perguntar.

Aí foi quando Lisa começou a falar e se Patrícia já estava chocada, pior ficou com a descrição que Lisa fez, apesar de todos os detalhes omitidos. As lágrimas já lhe escorriam pela cara e tinha a expressão mais zangada do mundo enquanto olhava para a sua mãe, que se encolhia ao olhar para ela e soluçava baixinho. Quando Lisa acabou, Marie continuou, dizendo-lhe o que se tinha passado até chegar a casa e descrevendo ambas as conversas que teve com Alex.

Quando acabou caiu um silêncio pesado. Patrícia manteve-se em silêncio olhando para a mãe com um ar ao mesmo tempo atónito e zangado. Ao fim do que parecia uma eternidade disse finalmente:

“Como é que foste capaz? O que é que te passou pela cabeça? O que é que achavas que ia acontecer? És louca? Precisas de ser internada?”

A mãe soltou um pranto aflitivo e levantou-se, saiu a correr da sala e refugiou-se no quarto, onde se enrolou na cama e se deixou ficar. As palavras da filha eram como uma confirmação final de que ela tinha estragado tudo.

Patricia ficou sentada, perdida em pensamentos. Foi Lisa quem quebrou o silêncio.

“Acho que já percebes porque é que não devia ser eu a dizer-te o que se passou.”

Patrícia simplesmente acenou.

“O Tiago vai-se passar! Não sei quanto tempo é que ele vai demorar até a perdoar, quando souber. Vai ser mau.”

Lisa assentiu.

“Patrícia, eu sei que estás chocada e tens todos os motivos para odiar a tua mãe pelo que ela fez. Acredita, percebo isso mais hoje do que ontem conseguiria.”

Patrícia olhou para ela, com um ar inquiridor, e ela continuou.

“Sabes, ontem quando aqui cheguei e vi como a tua mãe estava, além de te ligar, liguei ao meu marido e pedi-lhe para vir, trazer qualquer coisa para comermos e dar algum apoio, embora ele nunca se tivesse dado com a tua mãe. Mas graças a esta situação e à conversa que tivemos os três, houve muita coisa que foi posta numa perspectiva que nunca me tinha passado pela cabeça, nem a mim, nem à tua mãe. E a minha visão pessoal, pode dizer-se, que mudou bastante.”

Patrícia assentiu.

“Mas, precisamente porque hoje sou capaz de perceber os dois lados, peço-te que não julgues muito a tua mãe até perceberes as motivações dela. Mas não te estou a dizer para desculpares os actos. E se quiseres, posso ficar e falar contigo para que percebas. Não que aceites, mas que percebas. Ou então, se preferires, eu posso ir…”

“Não, fica. Preciso de tentar fazer sentido disto tudo.”

A verdade é que, para ela, naquele momento, nada fazia sentido.


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Consequências (XI de LXIII)



Acordou a ser abanado suavemente. Abriu os olhos e um anjo loiro estava debruçado por cima de si. Entretanto os seus sentidos acabaram de despertar e o anjo loiro era apenas a assistente de bordo a acordá-lo, porque tinha de sair do avião. Tinham chegado.

Fez-lhe sinal que tinha compreendido, esticou-se, espreguiçou-se. Deixou-se ficar um momento quieto e depois lá se levantou, pegando na sua mala de cabine e dirigindo-se à saída, ainda estremunhado.

O cansaço tinha-o apanhado finalmente, e embalado no avião, dormiu quase desde a partida de Frankfurt. Foi completamente encadeado pelo brilho do sol assim que chegou à porta do avião. Felizmente vinha prevenido com uns óculos escuros, mas o bafo quente ao sair do ambiente controlado do avião deixou-o quase sem respiração.

À sua frente uma escada que descia do avião e um aeroporto que, pelos padrões que conhecia, mais parecia uma fiada de armazéns. A meio das escadas já não suportava o calor abrasador e tirou o casaco e a gravata, abrindo alguns botões da camisa. Mas podia sentir o suor a formar-se e a escorrer.

Ao chegar ao fundo das escadas começou a seguir os outros passageiros em direcção ao terminal próximo, quando foi abordado por um homem nos seus trintas, musculado, vestido de uma maneira militar e fortemente armado, embora não visse insígnias de qualquer país.

“Senhor Alexandre Alves?”

“Quem pergunta, se não se importa?”

“Sou o sargento Diaz e estou aqui para o escoltar.”

Atrás dele estavam mais quatro tipos igualmente imponentes e armados ao lado de um SUV com um aspecto pesado.

“Creio ainda ter de ir ao terminal…”

“Está tudo tratado, senhor.”

“E a minha bagagem?”

“Está tudo tratado, senhor” respondeu o sargento de forma robótica “Queira acompanhar-nos.”

Dirigiram-no ao SUV. Dois homens entraram para trás, dois para a frente e o sargento Diaz conduziu-o ao mais espaçoso banco do meio, que ocupou com ele.

“Sargento, pode explicar-me o que se passa?”

“Não foi informado?”

“Não. A minha vinda para aqui foi repentina e não sei realmente o que se passa.”

“Mas sabe que vinha para uma zona de conflito?”

“Sim, isso sabia”

“Bem, nós somos uma organização paramilitar que providencia segurança privada nestas zonas. Fazemos parte de um destacamento que faz a segurança da sua empresa. Eu estou pessoalmente responsável pela sua segurança. Peço desculpa se tudo isto lhe parece algo excessivo, garanto-lhe que não é.”

Alex ficou a olhar para o homem durante algum tempo.

“Sargento, se é o responsável pela minha segurança, vamos passar muito tempo, pelo menos próximos, não?” O sargento assentiu “Isso quer dizer que está, de alguma maneira, às minhas ordens.” O sargento assentiu de novo “Nesse caso, o meu nome é Alex. Não gosto de formalidades onde são desnecessárias, e aqui não o são de todo. Trate-me por Alex e informalmente. É uma ordem.” Disse com um pequeno sorriso, estendendo-lhe a mão.

O homem olhou para ele. Ficou sem saber bem o que fazer por um momento, mas depois estendeu a mão, apertando a mão de Alex.

“Miguel.” Disse simplesmente.

“América do Sul?”

“México. América central.”

“Prazer, Miguel.”

A viagem foi lenta e com paragens em barricadas, atrás de barricadas, A presença militar nas ruas não só era óbvia, como era esmagadora. Toda a cidade parecia pior do que qualquer gueto dos subúrbios de qualquer cidade onde ele já tivesse estado. A cada barreira o homem que ia à frente, ao lado do condutor, saia e ia conversar com um dos homens na barreira. Demoraram mais de duas horas a chegar aos arredores da cidade, onde começaram a apanhar estradas mais abertas. Mas mesmo nestas prosseguiam com extrema cautela.

Não houve conversas pelo caminho, excepto entre os homens, acerca do que iam vendo e registando. Todas as conversas eram informativas e eles estavam todos claramente em alerta.

“Alex, não se preocupe. Este carro é à prova de bala.” Assegurou-lhe o sargento.

“Bem, não estava preocupado até falares nisso.” pensou para si.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Consequências (X de XLIII)



Lisa ajudou Marie a despir-se e depois, apesar dos protestos conseguiu enfiá-la debaixo do chuveiro. Depois ajudou-a a vestir-se e desceu com ela. Fernando via um jogo de futebol na sala, mas desligou a televisão assim que desceram e acompanhou-as para a cozinha.

“Não vale a pena tirarmos louça, comemos directo das embalagens, só precisamos de uns talheres.” Disse ele.

Lisa acenou afirmativamente, concordando com ele, e sentaram-se à mesa. Lisa, sentindo Marie mais calma lá acabou por perguntar:

“Marie, o que é que se passou desde que falamos, de manhã?”

Marie ergueu a cabeça. Olhou para Lisa e Depois para o Fernando e baixou a cabeça.

“Podes dizer,” continuou Lisa “o Fernando não está aqui para te julgar. Todos sabemos…”

Marie acenou em como compreendia.

Começou a falar devagar, interrompendo algumas vezes quando as lágrimas lhe vinham aos olhos, mas acabou por contar tudo o que se tinha passado, ambas as conversas que teve com ele e acabou por apontar para as chaves e a aliança que ainda estavam num canto da mesa.

Quando ela acabou, ficaram todos em silêncio.

“Compreendo que ele estivesse zangado. Aliás, percebi que ele não estava bem, mas nunca pensei…”

Fernando suspirou e fez um sorriso irónico.

Lisa reparou e olhou para ele, surpreendida.

“O que foi?” perguntou-lhe.

“Desculpa, mas eu acho incrível que vocês não percebam.”

Marie levantou também a cabeça, olhando para ele tentando entender.

“O que é que queres dizer com isso?” perguntou Lisa.

“Vocês não percebem mesmo, pois não?”

Ambas ficaram a olhar para ele, admiradas, como se de repente ele possuísse a chave de um enigma indecifrável para elas.

“Porque é que não tentas elucidar-nos?” perguntou Lisa, num tom verdadeiramente curioso. De alguma maneira, de repente, sentiu que algo lhe escapava, não só na situação de Marie, mas pelo tom do seu marido, em muito mais que isso.

“Lisa, sabes que eu te amo…”

“Sei. Mesmo. E sabes que eu sinto o mesmo.”

“Sim, eu sei. Tenho a certeza disso. Mas já te perguntaste porque é que eu, na posição em que estou na sociedade, te deixo ir para a cama com outros homens?”

A pergunta apanhou-a desprevenida. Não que não tivesse pensado nisso antes, mas agora, confrontada, estava sem saber o que dizer.

“Porque também gostas de sentir a sensação de estar com outra mulher…”

“Achas que é por isso?”

“Porque te dá algum prazer saber que eu sou cobiçada por outros homens…”

“Bem, sinceramente, dá. Saber que és apreciada, mas és minha. Mas não propriamente no sentido de saber que vais para a cama com eles. Há homens assim, uma minoria, que até gostam de estar na mesma sala em que as mulheres estão com os amantes, mas achas que eu sou um deles?”

“Não, de todo.”

“Alguma vez te perguntei detalhes das tuas noites fora?”

“Agora que falas nisso nunca…”

“Achas que eu gosto que vás para a cama com outros homens?”

Lisa ficou a olhar para o marido, sem saber o que responder. Ele continuou:

“Sabes, nos somos animais, fruto da programação genética ao longo de incontáveis gerações. E a grande diferença dos Humanos para os outros mamíferos é o facto das nossas crias demorarem anos até se tornarem minimamente independentes. E isto criou uma dinâmica interessante na nossa espécie. Os homens e mulheres querem sexo, é verdade. É um imperativo para a sobrevivência da espécie.”

“E onde é que queres chegar com essa lição de biologia?” perguntou Lisa.

“Bem, para as mulheres o sexo pode levar a uma gravidez. Uma gravidez pode implicar longos meses de incapacidade, morte no parto, que era mais comum do que hoje em dia imaginamos, e anos a cuidar de uma cria. Portanto uma mulher precisa de um parceiro para cuidar de tudo o resto, para garantir sustento e protege-la a ela e à cria. E o que é que a mulher tem e que o macho quer? Sexo. As mulheres oferecem sexo em troca de segurança e intimidade.”

Elas olhavam para ele, tentando processar.

“Já um homem que quer uma determinada mulher, ou a toma pela força, o que não é uma forma muito viável hoje em dia, mas que foi comum ao longo de toda a nossa existência, ou consegue com ela uma relação fugaz, ou se quer uma relação longa, tem de oferecer presença, segurança e intimidade em troca do sexo. Tendo isto em conta, o que é que achas que é mais importante para a mulher e para o homem?”

“Bem, a intimidade…” Começou Lisa.

“Não.” interrompeu-a ele “Para o homem a intimidade é uma maneira de chegar ao sexo, para a mulher o sexo é um meio para chegar à intimidade.”

Elas continuavam a olhar para ele e ele continuou.

“Eu sei a vida que levo. O Stress, as horas, as viagens… Lisa, eu sei que embora providencie e tente dar-te tudo o que mereces, porque te quero dar tudo o que mereces não posso estar tão presente como desejaria. E não sou estupido. Mais cedo ou mais tarde alguém te daria essa atenção e tu ias arranjar um amante, envolver-te com ele emocionalmente e partir-me o coração.”

Lisa olhava para ele chocada. Como é que nunca tinham falado disto abertamente.

“Eu nunca te faria isso…” disse Lisa, com uma certeza absoluta.

“Nunca digas nunca. A possibilidade de acontecer é maior do que não acontecer. Quantos homens é que já deram em cima de ti nas minhas costas, coisas que nem achas importantes e nem me chegas a dizer? Por isso é que este nosso clube existe. Todos estamos no mesmo barco. Nenhum de nós consegue estar presente tanto quanto seria desejável. É fácil dizer que vocês já sabiam quando se casaram connosco, mas isso não elimina os riscos. E assim, vocês tem um escape. Vocês valorizam mais a intimidade que o acto sexual em si, e quando voltam depois de uma noite realizam sempre essa intimidade que sentem connosco em sexo, fruto da excitação que tiveram com outro.”

“Mas não me vais dizer que isto é tudo acerca de nós. Vocês também se divertem bastante…”

“Não vou negar, verdade, mas… Não achas que seria fácil para qualquer um de nós contratar uma prostituta de luxo e ter sexo pornográfico sem que vocês alguma vez soubessem do que passar por ver a nossa mulher a ir para a cama com outro homem?”

Ficaram ambas mudas a olhar para ele, sem saber o que pensar.

“A mulher do Pereira esteve muito perto de o trair. Felizmente ganhou algum bom senso a tempo e acabou por falar com ele. Perceberam que tinham um problema e acabaram por ser eles que fundaram este clube não oficial. Resolve-se o problema da monotonia, da falta de algo excitante e não há enganos… E o facto de haver um sorteio garante que não há ligações emocionais. Já reparaste que nenhum de nós se relaciona com nenhuma de vocês? Não há jantares de amigos entre o grupo todo… vocês encontram-se e vão divertir-se, nós encontramo-nos e fazemos o mesmo. Claro, se nos cruzarmos num lado qualquer até podemos dar dois dedos de conversa trivial, mas nunca duradoura. Porque é que acham que isto é?”

“Isso quer dizer que nunca gostaste de ir às reuniões?”

“Não, e cada vez que vou peço aos santos todos que o meu numero saia antes do teu, porque cada vez que o teu numero sai primeiro, ver-te a caminhar em direcção a outro homem e dar-lhe um beijo arranca-me o coração do peito.”

Lisa olhava para ele com a súbita realização de tudo, assim como Marie. Mas Lisa, a ouvir o marido a falar assim pela primeira vez sentia a sua alma a quebrar.

“Claro que eu sei ao que vou. Ainda me lembro quando tu me propuseste a ideia a medo e mal sabias tu que eu estava ao corrente de tudo. Claro que aceitei. É o meu castigo por aquilo que não te consigo dar.”

Lisa, por esta altura, estava em choque, sem saber o que dizer.

“Eu sempre achei que não só não te importavas, como até gostavas. As minhas amigas diziam-me como tu tinhas sido com elas e sempre me disseram que foste um amante maravilhoso…”

“Voltando atrás, um homem está programado para tentar impregnar o maior número de fêmeas possível para garantir que os seus genes passam à geração seguinte. Sexo sem intimidade é oportunidades gratuitas, embora saibamos conscientemente que não vai ser por ali que os genes passarão. Mas o instinto toma conta e nos fazemos o que temos a fazer. É sexo gratuito. Mesmo que seja mau, é bom. Mas a minha vontade sempre era ter-te a ti ali, em vez de outra mulher qualquer.”

Lisa olhou para ele, completamente atónita, sem saber o que dizer. De repente percebeu que aquilo que lhe parecia um divertimento, uma fonte de excitação, um sair fora da rotina, era afinal algo que o seu marido dispensaria a uma simples palavra dela. A realização dos sentimentos dele ao longo dos anos pesaram de repente sobre ela.

“Agora, sabendo que eu estou por dentro e usufruo dos predicados do clube, mesmo assim não gosto, imaginem o que ele sentiu…” Marie olhava para ele de olhos quase esbugalhados “Aquilo que para ti era um simples escape, uma realização de um sentimento fugaz, uma noite de divertimento, para ele foi a traição e o desrespeito supremo. Pelo pouco que sei do Alex, ele sempre foi presente e atento à família, e a ti, não foi?”

Marie assentiu.

“E achaste que se a noite acabasse por ser divertida para ele, a coisa ia acabar por suavizar…”

Marie assentiu novamente.

“Mas imagina por um momento que tudo corria bem, ele estava aqui hoje, mas que fruto da noite ficava apaixonado pela Lisa e começava a afastar-se de ti…”

Marie tremeu.

“Sabes, isso seria o equivalente ao que tu fizeste. Não te parece porque dás valor a uma coisa diferente do que ele dá… Lisa, eu nunca te perguntei detalhes das tuas noites, mas hoje até é relevante. Podes explicar-me o que se passou com esta noite”

Lisa respirou fundo e depois foi contando tudo o que já contara a Marie. 

“Lisa, achas que algum homem que te desejasse te trataria assim? Alguém alguma vez te tratou assim?”

“Não. Foi uma noite extremamente desconfortável até ele me arrastar para o quarto e quando lá chegamos…” parou-se entes de falar demais.

“Podes dizer.” Incentivou-a o Fernando “Se eu tiver razão, aquilo que vais dizer só vai reforçar o que vou dizer a seguir.”

“Não houve um resquício de meiguice da parte dele, não houve um carinho. Ele arrancou-me roupa do corpo, ele foi animalesco.”

“E sabes porquê?”

Ela ficou em silêncio.

“Porque ele não te desejava. Aquilo que ele queria, provavelmente, era dar cabo de ti. Tu estavas ali e simbolizavas o fim. E essa foi a única maneira que ele teve de te castigar. Não foi por seres tu. Quem ali estivesse teria a mesma simbologia.”

Lisa olhou para o marido com um ar de entendimento. Sim, ele não a queria, não a desejava. 

Ouviram um carro a chegar e a conversa ficou por ali. Logo em seguida Patrícia entrou em casa. Com a chegada dela, Lisa e Fernando despediram-se de Marie, e Lisa prometeu-lhe que viria no dia a seguir e passaria o dia com ela. Foram no carro do marido, deixando o dela estacionado à porta de Marie. No dia seguinte o Fernando ia lá deixá-la e ela levaria o carro para casa.

Lisa mergulhou num silêncio pensativo quando entraram no carro. Praticamente não falaram na viagem. Chegaram a casa e tomaram um duche em conjunto. Deitaram-se, apagaram as luzes e, ao fim de uns minutos de silêncio Lisa disse.

“Acho que não quero voltar ao clube.”

“Achas?”

“Acho.”

“Sabes que eu disse aquilo tudo para ajudar a tua amiga a entender o que fez e o porquê de ele ter reagido assim. Não foi para te mandar alguma indirecta. Já vamos há anos e nunca houve problemas.”

Ela ficou em silêncio por algum tempo e depois disse:

“Sabes, amo-te demais para saber que de alguma maneira te estou a magoar. Tu és quem eu quero, quem eu desejo, quem eu quero ter ao meu lado quando o meu corpo se tornar feio e eu começar a parecer uma bruxa. Tu é o meu homem. E depois do que disseste hoje, jamais quero que outro homem me toque.”

Mesmo no escuro ela conseguia sentir o sorriso dele.

“E ai de ti que alguma vez toques noutra mulher!”

Ele desatou a rir e deu-lhe um beijo, ela beijou-o de volta, e de repente mergulhavam um no outro, se calhar da forma mais plena em anos…