Lisa ajudou Marie a despir-se e depois, apesar dos protestos conseguiu enfiá-la debaixo do chuveiro. Depois ajudou-a a vestir-se e desceu com ela. Fernando via um jogo de futebol na sala, mas desligou a televisão assim que desceram e acompanhou-as para a cozinha.
“Não vale a pena tirarmos louça, comemos directo das embalagens, só precisamos de uns talheres.” Disse ele.
Lisa acenou afirmativamente, concordando com ele, e sentaram-se à mesa. Lisa, sentindo Marie mais calma lá acabou por perguntar:
“Marie, o que é que se passou desde que falamos, de manhã?”
Marie ergueu a cabeça. Olhou para Lisa e Depois para o Fernando e baixou a cabeça.
“Podes dizer,” continuou Lisa “o Fernando não está aqui para te julgar. Todos sabemos…”
Marie acenou em como compreendia.
Começou a falar devagar, interrompendo algumas vezes quando as lágrimas lhe vinham aos olhos, mas acabou por contar tudo o que se tinha passado, ambas as conversas que teve com ele e acabou por apontar para as chaves e a aliança que ainda estavam num canto da mesa.
Quando ela acabou, ficaram todos em silêncio.
“Compreendo que ele estivesse zangado. Aliás, percebi que ele não estava bem, mas nunca pensei…”
Fernando suspirou e fez um sorriso irónico.
Lisa reparou e olhou para ele, surpreendida.
“O que foi?” perguntou-lhe.
“Desculpa, mas eu acho incrível que vocês não percebam.”
Marie levantou também a cabeça, olhando para ele tentando entender.
“O que é que queres dizer com isso?” perguntou Lisa.
“Vocês não percebem mesmo, pois não?”
Ambas ficaram a olhar para ele, admiradas, como se de repente ele possuísse a chave de um enigma indecifrável para elas.
“Porque é que não tentas elucidar-nos?” perguntou Lisa, num tom verdadeiramente curioso. De alguma maneira, de repente, sentiu que algo lhe escapava, não só na situação de Marie, mas pelo tom do seu marido, em muito mais que isso.
“Lisa, sabes que eu te amo…”
“Sei. Mesmo. E sabes que eu sinto o mesmo.”
“Sim, eu sei. Tenho a certeza disso. Mas já te perguntaste porque é que eu, na posição em que estou na sociedade, te deixo ir para a cama com outros homens?”
A pergunta apanhou-a desprevenida. Não que não tivesse pensado nisso antes, mas agora, confrontada, estava sem saber o que dizer.
“Porque também gostas de sentir a sensação de estar com outra mulher…”
“Achas que é por isso?”
“Porque te dá algum prazer saber que eu sou cobiçada por outros homens…”
“Bem, sinceramente, dá. Saber que és apreciada, mas és minha. Mas não propriamente no sentido de saber que vais para a cama com eles. Há homens assim, uma minoria, que até gostam de estar na mesma sala em que as mulheres estão com os amantes, mas achas que eu sou um deles?”
“Não, de todo.”
“Alguma vez te perguntei detalhes das tuas noites fora?”
“Agora que falas nisso nunca…”
“Achas que eu gosto que vás para a cama com outros homens?”
Lisa ficou a olhar para o marido, sem saber o que responder. Ele continuou:
“Sabes, nos somos animais, fruto da programação genética ao longo de incontáveis gerações. E a grande diferença dos Humanos para os outros mamíferos é o facto das nossas crias demorarem anos até se tornarem minimamente independentes. E isto criou uma dinâmica interessante na nossa espécie. Os homens e mulheres querem sexo, é verdade. É um imperativo para a sobrevivência da espécie.”
“E onde é que queres chegar com essa lição de biologia?” perguntou Lisa.
“Bem, para as mulheres o sexo pode levar a uma gravidez. Uma gravidez pode implicar longos meses de incapacidade, morte no parto, que era mais comum do que hoje em dia imaginamos, e anos a cuidar de uma cria. Portanto uma mulher precisa de um parceiro para cuidar de tudo o resto, para garantir sustento e protege-la a ela e à cria. E o que é que a mulher tem e que o macho quer? Sexo. As mulheres oferecem sexo em troca de segurança e intimidade.”
Elas olhavam para ele, tentando processar.
“Já um homem que quer uma determinada mulher, ou a toma pela força, o que não é uma forma muito viável hoje em dia, mas que foi comum ao longo de toda a nossa existência, ou consegue com ela uma relação fugaz, ou se quer uma relação longa, tem de oferecer presença, segurança e intimidade em troca do sexo. Tendo isto em conta, o que é que achas que é mais importante para a mulher e para o homem?”
“Bem, a intimidade…” Começou Lisa.
“Não.” interrompeu-a ele “Para o homem a intimidade é uma maneira de chegar ao sexo, para a mulher o sexo é um meio para chegar à intimidade.”
Elas continuavam a olhar para ele e ele continuou.
“Eu sei a vida que levo. O Stress, as horas, as viagens… Lisa, eu sei que embora providencie e tente dar-te tudo o que mereces, porque te quero dar tudo o que mereces não posso estar tão presente como desejaria. E não sou estupido. Mais cedo ou mais tarde alguém te daria essa atenção e tu ias arranjar um amante, envolver-te com ele emocionalmente e partir-me o coração.”
Lisa olhava para ele chocada. Como é que nunca tinham falado disto abertamente.
“Eu nunca te faria isso…” disse Lisa, com uma certeza absoluta.
“Nunca digas nunca. A possibilidade de acontecer é maior do que não acontecer. Quantos homens é que já deram em cima de ti nas minhas costas, coisas que nem achas importantes e nem me chegas a dizer? Por isso é que este nosso clube existe. Todos estamos no mesmo barco. Nenhum de nós consegue estar presente tanto quanto seria desejável. É fácil dizer que vocês já sabiam quando se casaram connosco, mas isso não elimina os riscos. E assim, vocês tem um escape. Vocês valorizam mais a intimidade que o acto sexual em si, e quando voltam depois de uma noite realizam sempre essa intimidade que sentem connosco em sexo, fruto da excitação que tiveram com outro.”
“Mas não me vais dizer que isto é tudo acerca de nós. Vocês também se divertem bastante…”
“Não vou negar, verdade, mas… Não achas que seria fácil para qualquer um de nós contratar uma prostituta de luxo e ter sexo pornográfico sem que vocês alguma vez soubessem do que passar por ver a nossa mulher a ir para a cama com outro homem?”
Ficaram ambas mudas a olhar para ele, sem saber o que pensar.
“A mulher do Pereira esteve muito perto de o trair. Felizmente ganhou algum bom senso a tempo e acabou por falar com ele. Perceberam que tinham um problema e acabaram por ser eles que fundaram este clube não oficial. Resolve-se o problema da monotonia, da falta de algo excitante e não há enganos… E o facto de haver um sorteio garante que não há ligações emocionais. Já reparaste que nenhum de nós se relaciona com nenhuma de vocês? Não há jantares de amigos entre o grupo todo… vocês encontram-se e vão divertir-se, nós encontramo-nos e fazemos o mesmo. Claro, se nos cruzarmos num lado qualquer até podemos dar dois dedos de conversa trivial, mas nunca duradoura. Porque é que acham que isto é?”
“Isso quer dizer que nunca gostaste de ir às reuniões?”
“Não, e cada vez que vou peço aos santos todos que o meu numero saia antes do teu, porque cada vez que o teu numero sai primeiro, ver-te a caminhar em direcção a outro homem e dar-lhe um beijo arranca-me o coração do peito.”
Lisa olhava para ele com a súbita realização de tudo, assim como Marie. Mas Lisa, a ouvir o marido a falar assim pela primeira vez sentia a sua alma a quebrar.
“Claro que eu sei ao que vou. Ainda me lembro quando tu me propuseste a ideia a medo e mal sabias tu que eu estava ao corrente de tudo. Claro que aceitei. É o meu castigo por aquilo que não te consigo dar.”
Lisa, por esta altura, estava em choque, sem saber o que dizer.
“Eu sempre achei que não só não te importavas, como até gostavas. As minhas amigas diziam-me como tu tinhas sido com elas e sempre me disseram que foste um amante maravilhoso…”
“Voltando atrás, um homem está programado para tentar impregnar o maior número de fêmeas possível para garantir que os seus genes passam à geração seguinte. Sexo sem intimidade é oportunidades gratuitas, embora saibamos conscientemente que não vai ser por ali que os genes passarão. Mas o instinto toma conta e nos fazemos o que temos a fazer. É sexo gratuito. Mesmo que seja mau, é bom. Mas a minha vontade sempre era ter-te a ti ali, em vez de outra mulher qualquer.”
Lisa olhou para ele, completamente atónita, sem saber o que dizer. De repente percebeu que aquilo que lhe parecia um divertimento, uma fonte de excitação, um sair fora da rotina, era afinal algo que o seu marido dispensaria a uma simples palavra dela. A realização dos sentimentos dele ao longo dos anos pesaram de repente sobre ela.
“Agora, sabendo que eu estou por dentro e usufruo dos predicados do clube, mesmo assim não gosto, imaginem o que ele sentiu…” Marie olhava para ele de olhos quase esbugalhados “Aquilo que para ti era um simples escape, uma realização de um sentimento fugaz, uma noite de divertimento, para ele foi a traição e o desrespeito supremo. Pelo pouco que sei do Alex, ele sempre foi presente e atento à família, e a ti, não foi?”
Marie assentiu.
“E achaste que se a noite acabasse por ser divertida para ele, a coisa ia acabar por suavizar…”
Marie assentiu novamente.
“Mas imagina por um momento que tudo corria bem, ele estava aqui hoje, mas que fruto da noite ficava apaixonado pela Lisa e começava a afastar-se de ti…”
Marie tremeu.
“Sabes, isso seria o equivalente ao que tu fizeste. Não te parece porque dás valor a uma coisa diferente do que ele dá… Lisa, eu nunca te perguntei detalhes das tuas noites, mas hoje até é relevante. Podes explicar-me o que se passou com esta noite”
Lisa respirou fundo e depois foi contando tudo o que já contara a Marie.
“Lisa, achas que algum homem que te desejasse te trataria assim? Alguém alguma vez te tratou assim?”
“Não. Foi uma noite extremamente desconfortável até ele me arrastar para o quarto e quando lá chegamos…” parou-se entes de falar demais.
“Podes dizer.” Incentivou-a o Fernando “Se eu tiver razão, aquilo que vais dizer só vai reforçar o que vou dizer a seguir.”
“Não houve um resquício de meiguice da parte dele, não houve um carinho. Ele arrancou-me roupa do corpo, ele foi animalesco.”
“E sabes porquê?”
Ela ficou em silêncio.
“Porque ele não te desejava. Aquilo que ele queria, provavelmente, era dar cabo de ti. Tu estavas ali e simbolizavas o fim. E essa foi a única maneira que ele teve de te castigar. Não foi por seres tu. Quem ali estivesse teria a mesma simbologia.”
Lisa olhou para o marido com um ar de entendimento. Sim, ele não a queria, não a desejava.
Ouviram um carro a chegar e a conversa ficou por ali. Logo em seguida Patrícia entrou em casa. Com a chegada dela, Lisa e Fernando despediram-se de Marie, e Lisa prometeu-lhe que viria no dia a seguir e passaria o dia com ela. Foram no carro do marido, deixando o dela estacionado à porta de Marie. No dia seguinte o Fernando ia lá deixá-la e ela levaria o carro para casa.
Lisa mergulhou num silêncio pensativo quando entraram no carro. Praticamente não falaram na viagem. Chegaram a casa e tomaram um duche em conjunto. Deitaram-se, apagaram as luzes e, ao fim de uns minutos de silêncio Lisa disse.
“Acho que não quero voltar ao clube.”
“Achas?”
“Acho.”
“Sabes que eu disse aquilo tudo para ajudar a tua amiga a entender o que fez e o porquê de ele ter reagido assim. Não foi para te mandar alguma indirecta. Já vamos há anos e nunca houve problemas.”
Ela ficou em silêncio por algum tempo e depois disse:
“Sabes, amo-te demais para saber que de alguma maneira te estou a magoar. Tu és quem eu quero, quem eu desejo, quem eu quero ter ao meu lado quando o meu corpo se tornar feio e eu começar a parecer uma bruxa. Tu é o meu homem. E depois do que disseste hoje, jamais quero que outro homem me toque.”
Mesmo no escuro ela conseguia sentir o sorriso dele.
“E ai de ti que alguma vez toques noutra mulher!”
Ele desatou a rir e deu-lhe um beijo, ela beijou-o de volta, e de repente mergulhavam um no outro, se calhar da forma mais plena em anos…