quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Renascimento (XX de XL)



Miranda entrou na loja e lá estava Rob, sentado ao lado do amplificador a que tinha a guitarra ligada. Rob apontou para um outro banco e Miranda sentou-se.

-Estás bem? – Perguntou Rob notando o seu ar grave e os olhos inchados.

-Estou, não te preocupes.

-Não pareces bem…

Ela limitou-se a encolher os ombros e o seu olhar vagueou para a rua, para lá da vitrina, se bem que Rob percebeu que o olhar contemplava algo mais do que a realidade que os rodeava. Algo pesava nos pensamentos dela.

Rob começou simplesmente a tocar coisas que lhe era familiares, não só por serem feitas por si, mas porque as tinha tocado incontáveis vezes para si mesmo. Os sons, de alguma maneira, pareciam sublimar ainda mais os pensamentos e sentimentos de Miranda, mas ao mesmo tempo, acalmavam-na. Ela ouvia estas melodias pela primeira vez, não com a sua mente racional, mas com os ouvidos da alma.

Quando ele parou, depois de tocar bastante tempo e várias peças, preenchendo o silêncio entre os dois, pousou a guitarra e ficou em silêncio também. Foi ela quem falou primeiro:

-São lindas, as musicas. Invulgares. A quem é que já as mostraste?

-Bem, a ti!

-Mais ninguém? 

-É provável que o Zé conheça algumas de me ouvir aqui a tocar, quando puxo um bocadinho mais pelo amplificador. Às vezes entusiasmo-me e ele está aqui ao lado… Mas fora isso, não.

-Porquê?

-Qual era o objectivo? O que é que eu poderia ganhar que não tenha já?

-E se não for acerca do que tu tens para ganhar, mas sim do que podes dar? Afinal, podes sempre rejeitar o que não queres. Não queres a fama nem o reconhecimento? Publica-as anonimamente num site qualquer. Não precisas do dinheiro? Disponibiliza-as gratuitamente ou arranja maneira de todos os proveitos serem doados a instituições que ajudem outros. Mas… E se a tua musica tocar realmente alguém? E se a tua música, simplesmente por existir, der algum sentido aos sentimentos de alguém? E se a tua música salvar a vida de alguém?

-Não creio que seja assim tão boa…

-E quem és tu para julgar como os outros a vão ver?

Rob ficou a pensar um bocadinho, sem ter, pela primeira vez uma resposta pronta e óbvia. Mas os seus pensamentos foram interrompidos pela chegada do carro do Tobias, de onde saiu ele e Cassandra. “Salvo pelo gongo” pensou Rob. Que de imediato desligou o amplificador e arrumou a guitarra.

-Vamos jantar?

-Sim, vamos. - Respondeu Miranda com pena que esta conversa tivesse sido tão abruptamente interrompida. Mas lhe pareceu que Rob não estava interessado em continuar a conversa, pelo menos por ora.

Entraram no estabelecimento do Zé, para se juntar aos outros e o ar estava já espesso com o cheiro da carne e especiarias a cozinhar.

Cassandra olhou para a amiga, quando eles se sentaram e ficou apreensiva, trocando um olhar furtivo com Tobias que parecia também ter notado que havia algo estranho em ambos.

-Então? Divertiram-se? – Perguntou Rob, tentando aligeirar o ambiente enquanto reparava que Cassandra segurava a mão da amiga, notando-se a sua preocupação.

Cassandra e Tobias trocaram outro olhar, desta vez com um sorriso.

-Bastante. – Disse o Tobias – Fomos dar uma volta grande. Fomos à barragem do Alqueva, estivemos numa praia fluvial, fomos ao museu do medronho…

-Por isso é que pareces tão bem disposto! 

-Nada disso, só bebi um shot… Já ela, parece que gostou…

-Assim tanto? – Perguntou Rob olhando para Cassandra.

-Ele está a brincar comigo. Também só bebi três shots. – Respondeu cassandra, fingindo-se ofendida. 

-Pois, mas não resististe a trazer uma garrafinha.

-Para nós hoje, depois do café.

Tobias voltou-se para Rob e piscando-lhe o olho disse:

-Cá para mim ela quer é apanhar-me bêbado para se aproveitar de mim…

Cassandra respondeu de imediato.

-Se é preciso tanto, se calhar não vale o esforço…

O Tobias corou e todos se riram. A tensão parecia ter-se dissipado e de repente a comida apareceu na mesa. Elas deliciaram-se. Beberam os cafés enquanto bebiam alguns shots de aguardente de medronho, que também ofereceram ao Zé e Tobias e Cassandra partilhavam os detalhes do seu longo passeio. 

Estranharam, quando perguntaram como tinha sido o dia de Rob e Miranda e a resposta que tiveram foi simplesmente um “passamos o dia por aqui a caminhar”, mas não forçaram.

Separaram-se relativamente cedo, combinando encontrarem-se no dia seguinte ao pequeno-almoço.


2 comentários:

  1. E lá continuam em franco convívio estes quatro amigos, cujos laços se vão ora atando, ora desatando.
    Estamos a meio do Conto e ainda muita coisa pode acontecer... 😊
    Um abraço, Gil!

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!