sexta-feira, 30 de abril de 2021

Um casamento moderno - IV

 (como vamos para Fim-de-Semana, fica mais um capítulo para os próximos 2 dias)

Entrou em casa, de madrugada, com os primeiros raios de sol a despontar no horizonte.

A casa estava absolutamente silenciosa. Foi até ao quarto, ela estava lá, dormia, linda como sempre, com a serenidade do seu rosto a contrastar fortemente com os olhos inchados pelo choro.

Entrou devagar no quarto, o mais silencioso possível, foi buscar alguma roupa às gavetas e depois foi tomar um duche. A água caiu-lhe no corpo como uma bênção, como se de alguma maneira lavasse todo o lixo dos seus pensamentos. Saiu do banho, limpou-se e olhou-se no espelho. A pessoa que lá estava parecia tão diferente da que era reflectida ontem… como se os anos finalmente o tivessem apanhado. Sentia-se velho e exausto! Sentia-se inútil, para ser franco!

Fez a barba, o que sempre lhe dava uma aparência mais aceitável, vestiu um pijama, foi para o seu escritório, arrancou o computador e deixou a sua cabeça mergulhar nas intermináveis linhas de código que tinha à sua frente. Este era verdadeiramente o seu domínio. Aqui, as coisas eram um ou zero, sem hipótese de haver algo pelo meio, ao contrário do mundo, que era todo composto por intermédios, mesmo quando estes eram percepcionados como um ou zero.

Muito tempo depois ela acordou. Levantou-se preocupada e ligou-lhe de imediato. Ouviu o telemóvel a tocar no escritório. Levantou-se de repente e quase correu para lá, dando com a figura familiar dele onde costumava estar, completamente concentrado no que fazia, a tal ponto que parecia nem ter dado pelo facto de ela ter chegado à porta.

-Oi! – Disse ela meio a medo.

Ele desviou o olhar do ecrã e fixou-o nela. E ela reparou que aqueles olhos luminosos que a costumavam encarar pareciam mortiços e sem vida.

-Estas bem? – Continuou ela.

-Sim! – Respondeu ele de forma algo seca.

-Onde é que estiveste?

-Em Vigo!

Ela olhou para ele, envergonhada e admirada, mas nem se atreveu a tecer nenhum comentário. Acabou por perguntar:

-Tens fome? Já comeste? Queres comer alguma coisa?

-Não, estou bem, obrigado. Vai tu comer.

Ela assentiu e foi até à cozinha para preparar o seu pequeno-almoço, embora, na verdade, não lhe apetecesse comer. Sentia-se dilacerada por dentro. A incerteza do que viria a seguir deixava-a ansiosa. Acabou por fazer um chá e comeu uma torrada simples. Depois foi começar a vestir-se para sair para o trabalho. Quando já estava quase pronta e recolhia apenas as ultimas coisas que precisava antes de sair ele apareceu na sala, com um ar tão sério e carregado que quase não parecia o mesmo homem que ela conhecia há trinta anos.

-Pensei muito e cheguei a uma decisão. – Afirmou ele, simplesmente.

Ela gelou por dentro, podia até jurar que o seu coração saltou uma batida no seu peito. Ele continuou:

-Acredito que nestes meses todos que estiveste a pensar no assunto tenhas pesado todos os prós e contras das tuas decisões. Mas quero perguntar-te, e quero que respondas com toda a franqueza: Amas-me?

-Sim. – Disse ela sem hesitação.

-Queres continuar casada comigo?

-Sim. – Mais uma vez sem a mínima hesitação.

-E o que é que querias mesmo? Já deves ter pensado nisso…

Ela pensou um pouco, organizando as ideias.

-Quero que entre nós tudo fique na mesma. Tu és o meu marido, és o meu melhor amigo, és a pessoa no mundo em quem eu mais confio. Mas quero ter a liberdade para ir atrás destes sentimentos, quero descobri-los, quero perceber-me. Claro que tu também és completamente livre de perseguir alguns sentimentos que tenhas.

-Compreendo. E mais concretamente?

-Bem, acho que o melhor seria nunca conhecermos os possíveis parceiros do outro. Acho que evita alguns possíveis problemas…

-Certo. Então, desde que estejas preparada para lidar com as consequências da tua decisão, podes considerar o casamento como tu quiseres. Apenas te imponho algumas condições. Em todas as ocasiões temos de dar conhecimento ao outro de que estamos em segurança. Evitamos preocupações desnecessárias. A outra condição é que apenas temos de dizer que vamos sair, não para onde ou para fazer o quê. Além disso, acho que nem valia quase a pena dizer, mas nunca se pode passar nada sem protecção. Concordas?

-Sim!

-Então, tens o que queres!

Ela não conseguiu conter o sorriso que lhe iluminou o rosto. O gelo da incerteza que sentia há pouco tinha sido substituído por um calor aconchegante. Mal podia esperar para chegar ao trabalho e ir ter com o colega, poder abraçá-lo sem culpas, poder sentir os seus lábios, provar finalmente o seu gosto…

De um salto, abraçou-se ao marido, e fez menção de lhe dar um beijo. Ele virou a cara, recebendo o beijo na bochecha, abraçou-a com força. Podia senti-la a vibrar de felicidade e, por mais que ele as quisesse conter, a lagrimas saltaram-lhe dos olhos. Ela desprendeu-se do abraço.

-Tenho mesmo de ir trabalhar… - disse, agarrou as coisas e quase que saltitou de felicidade porta fora, nem reparando que tinha acabado de desfazer o homem que a acompanhava há tanto tempo…

Um casamento moderno - III

 

Ele simplesmente conduziu por horas. Parava apenas para abastecer o carro e comprar agua, e fazia-se à estrada novamente. Neste momento não existia destino, apenas a estrada. Quando deu por si estava em Vigo, junto ao mar, a comer uma sandwich comprada numa estação de serviço! Ligou finalmente o telefone. Dezenas de chamadas perdidas e mensagens de texto para as quais ele não tinha paciência no momento. Ainda não sabia o que faria.

Percebia perfeitamente o que ela queria. Aquela sensação de que ela tinha falado, também ele a tinha sentido há muitos anos atrás, antes de haver alguma hipótese de uma relação com a mulher que verdadeiramente queria. Aquela paixão que parece arrebatadora, parece que muda o mundo, mas que no fundo é uma mera ilusão que desaparece ao fim de algum tempo, e acaba por transformar a maneira como se vê a pessoa que era alvo dessa paixão. Quando as pequenas coisas como um sinal giro na face se transforma numa verruga…

Sim, ele percebia o que ela sentia, sabia que ela estava a olhar para o mundo através de óculos cor-de-rosa. O tipo, fosse lá ele quem fosse, era provavelmente um parvo qualquer que estava a conseguir dar a volta a uma mulher completamente fora da liga dele… Ou então era um gajo mesmo extremamente atraente. Não sabia. Podia estar a ser injusto com o outro.

A única coisa que ele se apercebia é que, na realidade, os vinte anos de cama partilhada pareciam ser apenas algo que ela tinha de fazer dentro do casamento. Basicamente, todo o sexo que partilharam não passou de uma obrigação. Isso não mudava o facto de ele saber que ela o amava, que era o seu confidente, que era o seu melhor amigo.

Sim, o casamento, se ela assim o quisesse, podia até sobreviver a isto… Ou então não, se a luxuria a agarrasse demais.

Mas, na verdade, quais eram as perspectivas?

Se ele fosse contra ela, se a confrontasse, se lhe negasse aquilo que ela queria, ela ia rebelar-se, iria contra si e provavelmente acabaria por trai-lo, pelas suas costas. Invariavelmente isso levaria a mentiras atrás de mentiras, dor, acusações e o casamento acabaria destruído, bem como a amizade entre ambos. Ou então, ela simplesmente optaria pelo divórcio para poder prosseguir aquilo que queria sem culpas. Mas ele tinha poucas dúvidas que isso não acabasse me tragédia para ela. E ele não queria que ela acabasse por se perder. Amava-a demais para a deixar simplesmente destruir-se.

Por outro lado, podia aceitar o que ela lhe propunha. Deixá-la esticar as asas e explorar aquela parte de si que ela sempre recalcou, provavelmente por causa da educação estrita que teve. Mas para isso ela precisava de um rochedo, no meio do mar, para poder pousar quando as asas já lhe pesassem. E, tanto quanto ele podia perceber, só ele podia ser esse rochedo.

Mas, e o que é que isso significava para ele?

Ele não sabia. Não conseguia sequer prever. A única coisa que sabia é que teria de ser esse rochedo por ela e por ele próprio. Porque com facilidade ambos se podiam perder pelo caminho.

Já sabia o que fazer. Era hora de voltar.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Um casamento moderno - II

 

Tinham passado quatro meses desde aquela noite e o mundo tinha continuado igual ao que sempre foi. Pelo menos na aparência, porque dentro de Clara os sentimentos estavam cada vez mais fortes. A tal ponto que ir para o trabalho sabendo que o seu colega lá estaria a deixava excitada não só intelectualmente, mas fisicamente também. Começara a usar roupas algo mais reveladoras, maquilhagem, coisa que nunca usara antes… Sentia-se sensual e gostava deste seu lado que nunca tinha explorado.

Marcelo não ficara alheio à mudança e costumava elogiá-la. Estranhava, mas quando ela perguntava:

-Mas não gostas?

A resposta era invariavelmente:

-Adoro. – Com um sorriso luminoso.

Ela gostava dos elogios do marido, mas a verdade é que não se vestia assim para ele, mas sim para provocar o colega e sabia que a sua atitude era absolutamente letal.

Mas chegara a um momento em que tinha de haver uma decisão da sua parte e ela, na sua cabeça, estava decidida.

Tinha passado o fim-de-semana com o colega numa viagem de trabalho e só a muito custo conseguiu conter-se. Trair Marcelo era algo que não lhe passava sequer pela cabeça, por mais difícil que fosse. Apesar do que sentia, tinha a certeza do seu amor por ele.

Entrou em casa, pousou a sua pequena mala, pendurou o casaco no bengaleiro, foi à cozinha, bebeu um copo de água, mais para se acalmar um pouco do que para matar a sede, e foi directa ao escritório onde sabia que ele devia estar a trabalhar.

Abriu a porta.

-Olá! – Disse, anunciando-se.

Ele retirou os olhos do ecrã e os seus olhos iluminaram-se ao vê-la.

-Chegaste! – Disse com um sorriso aberto.

-Sim. Temos de falar!

Ele olhou para ela e percebeu que ela estava nervosa com algo. Mais uma vez sentiu os pêlos na nuca a eriçarem-se e um arrepio na espinha. O seu sorriso apagou-se, bem como a luz dos seus olhos. A mudança foi tão grande que ela quase se assustou e por momentos hesitou.

-Fala, então. – Acabou ele por responder.

Ela respirou fundo, e avançou resoluta.

-Eu quero abrir o nosso casamento!

Ele ficou completamente imóvel à sua frente, sem qualquer reacção aparente. Ao fim do que pareceu a ela uma eternidade ele perguntou:

-Quem é ele?

Ela não esperava esta pergunta de volta. Nas várias conversas que se tinham desenrolado na sua mente, nunca esta tinha sido a reacção.

-Porque é que tem de haver um “ele”?

-Porque nestes casos há sempre.

Ela pensou no que devia fazer. Decidiu-se por ser sincera.

-É um colega de trabalho.

-Aquele com quem foste em viagem?

-Sim! – Disse ela, completamente envergonhada e de alguma maneira com algum arrependimento de ter iniciado a conversa. Ela conhecia-o. Ele parecia calmo e composto, como sempre, mas lá dentro havia uma tempestade.

-Aconteceu alguma coisa entre os dois?

-Bem, sério não. Já demos alguns abraços mas o mais longe que fomos foi ele beijar-me o pescoço…

-Mais nada?

-Não! Acho que sabes que nunca te seria infiel!

-Bem, até há uns meses atrás, se alguém me dissesse que alguma vez falarias num casamento aberto eu riria à gargalhada, e no entanto…

-Marcelo, eu amo-te!

-Sabes que isso de beijar o pescoço já cruza algumas linhas…

-Sim, e peço-te perdão por isso. Aconteceu este fim-de-semana, quando nos despedimos no elevador e ele seguiu para o quarto dele e eu para o meu.

-OK. Mas tu afirmas que me amas…

-Sim, Marcelo. Muito! Sabes que sim!

-Bem, então a pergunta que te faço é: Porquê?

Ela parou. A resposta mais óbvia era simples ”Porque quero ir para a cama com ele sem me sentir culpada”, mas ela sabia a dor que essa resposta ia causar.

-Porque ele me faz sentir coisas que nunca senti e eu quero explorar estes sentimentos.

Ele olhou para ela com uma tristeza nos olhos que ela nunca vira. Dentro dela uma pequena voz apareceu que lhe disse “Já viste bem o que estás a fazer?” mas ela decidiu ignorar essa voz.

Já ele estava neste momento destroçado. Sentia-se como se a sua alma tivesse deixado o seu corpo. Sentia a sua vida a colapsar. A mulher que ele amava há trinta anos, aparentemente, nunca estivera apaixonada por si!

-E se eu te disser que não? – Acabou por lhe perguntar.

Ela pensou um pouco e depois respondeu com convicção:

-Bem, se disseres que não, acho que vou começar honestamente a considerar um divórcio!

Aquelas palavras atingiram-no como se tivesse sido colhido por um comboio de carga a alta velocidade.

Levantou-se, passou por ela, foi directo à garrafeira, serviu-se de um whisky que bebeu num só trago, enquanto as lágrimas finalmente teimavam em emergir dos seus olhos.

Não podia ficar ali. Não agora!

Agarrou no casaco, nas chaves do carro, dirigiu-se à garagem, enfiou-se no carro e arrancou completamente sem destino.

Ela viu-o a sair e de repente ficou em pânico!

“O que é que eu fiz?” Pensou para si. Tentou de imediato ligar-lhe, mas ele não atendeu. Continuou a tentar, na hora seguinte, mas ele continuou sem atender. Dentro de si, um enorme conflito. Acabou por se ir deitar a chorar, sem saber nada dele.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Um casamento moderno - I

 

Estavam casados há vinte anos.

Tinham-se conhecido bastante jovens, ela, Clara, com catorze e ele, Marcelo com dezasseis. Vinham de famílias conservadoras, católicas e conheceram-se no grupo de jovens da Igreja. Ele, embora não fizesse parte do grupo, tocava guitarra com o coro numa das missas e o coro era, basicamente o grupo de jovens.

Ele tinha-se apaixonado por ela no dia em que a conheceu, mas ela dizia não querer nenhuma relação, a prioridade eram os estudos. Foram crescendo. Ele acabou por se tornar um rapaz atraente, alto e não sobejamente musculado, mas bem definido, inteligente e carismático. As mulheres não lhe ficavam indiferentes e ele aproveitou-se desse facto durante algum tempo, mas para ele eram sempre relações casuais, mesmo quando duravam algum tempo. Muitas vezes ele deixou uma namorada pendurada para passar um serão na companhia da malta do grupo de jovens, apenas porque podia estar também com ela.

Quando ela foi para a universidade começaram a falar mais directamente. Falavam diversas vezes por dia, acerca de tudo e mais alguma coisa. Ela pedia-lhe ajuda com algumas matérias que sabia que ele também tinha tido, estudavam muitas vezes juntos, mas sempre numa base de amizade, embora ele secretamente quisesse muito mais.

No dia em que ela se formou ligou-lhe esfusiante de felicidade. Combinaram festejar à noite e foi nessa noite que ele se atreveu a dar-lhe um primeiro e muito tímido beijo. Ela ficou assustada com o beijo e ele pensou “Já estraguei tudo!”. Foram ambos para casa, ela sem saber o que pensar, ele a pensar o que faria, e, com um enorme receio, mandou-lhe uma mensagem no dia a seguir. Não teve resposta imediata e o seu coração afundou-se no peito, e foi-se afundando ao longo do dia. Nessa noite não dormiu. Apetecia-lhe ligar-lhe, falar com ela, pedir desculpa, mas simplesmente não dormiu.

O dia seguinte foi igual e ele pensava tê-la perdido da sua vida para sempre por causa de um momento.

Ao fim de três dias, uma mensagem dela “Precisamos falar”.

Encontraram-se nessa noite e falaram. Ele abriu-lhe o coração e disse-lhe o quanto a amava desde aquele dia em que a tinha visto pela primeira vez. E beijaram-se, trocaram carícias, tornaram-se namorados, mas ela foi muito clara que só aconteceria algo mais sério após o casamento, algo com que ele concordou sem objecções.

Um ano depois ela perdeu a sua virgindade na noite de núpcias. Não foi uma noite de sexo tórrido e espectacular. Bem pelo contrário…

Com o tempo ele aprendeu que tinha de a excitar bastante antes da penetração e como tal os preliminares eram sempre obrigatórios e demorados. Rapidinhas, entre os dois eram algo que estava fora do menu.

Entretanto, logo a seguir ao casamento ficaram grávidos, veio o primeiro filho e com ele as preocupações, as noites sem sono e o stress provocado por uma criança que não foi nada fácil até aos dois anos.

As coisas foram voltando ao seu lugar, o sexo entre os dois voltou a acontecer, mas quase nunca por iniciativa dela, e quando havia essa iniciativa era de forma tímida.

Ele atribuía isso sobretudo à educação estrita que ela tinha tido, mas havia alturas em que duvidava se ela o queria realmente ou se só cedia por obrigação…

Claro que depois das coisas começarem, depois de ele a excitar, masturbando-a ou oralmente, frequentemente ambas, ela despertava e transformava-se num vulcão de volúpia, quase irreconhecível. Mas esse vulcão nunca aparecia de forma espontânea, era preciso lançar achas para a fogueira. E ele perguntava-se diversas vezes se não seria ele o problema. Não frequentemente, mas bastantes vezes, sobretudo quando passavam por períodos em que ela não parecia minimamente interessada nesse tipo de intimidade.

Mas era o único ponto em que ele se podia queixar. Ela era a sua melhor amiga, a sua confidente, a sua luz num mundo de escuridão, uma mãe e dona de casa exemplar e ele era feliz.

Ela, depois daquele primeiro beijo, ficou sem saber o que fazer. Ele era o seu melhor amigo. Era o seu confidente. Era a pessoa, à parte dos seus pais, em quem ela mais confiava. Pensou muito. Passou três dias sem saber o fazer, mas quanto mais pensava nele mais se apercebia da falta que ele lhe fazia. Mais descobria que o amava. E foi assim que ela aceitou começar a namorar com ele. E ela, com mais algum tempo de namoro, percebeu que o amava verdadeiramente e o quanto ansiava para estar com ele. Mas nunca houve aquele momento de paixão inicial, as borboletas no estomago, a explosão de cores.

No início o sexo tinha sido bastante difícil para si. Depois, com o nascimento do filho as coisas no quarto acalmaram, o que para si foi uma bênção. Quando voltaram a uma vida sexual mais normal, o sexo era sempre fabuloso. Ele deixava-a sempre mais que satisfeita. Podiam contar-se pêlos dedos de uma mão a quantidade de vezes em que ela não tinha tido múltiplos orgasmos, mas a verdade é que se ele não a instigasse, ela não o procuraria. E mesmo quando procurava era porque tinha a noção de que já tinha passado algum tempo desde a última vez, mas o desejo, na maior parte das vezes não estava lá.

Ele trabalhava como programador. Trabalhava a partir de casa, era um programador de topo de grandes projectos de software. Raramente tinha de sair de casa para ir à firma e tinha flexibilidade total, dentro dos prazos estipulados. Os rendimentos dele eram substanciais e permitiam-lhes certos luxos, como uma casa deslumbrante a meia hora da capital, bons carros, boas roupas.

Ela trabalhava num escritório de advogados de topo e passava a vida rodeada por homens extremamente atraentes, e outros que nem tanto, mas com posses além do que está acessível aos comuns mortais. Nunca olhou para nenhum, e, embora alguns tenham sido mais atrevidos com ela, nunca deu saída a ninguém e sempre soube impor respeito.

No entanto, há uns meses atrás, um advogado novo tinha sido admitido. E não era um homem lindo, mas era afável, simpático, brincalhão. Começou a meter-se com ela de formas cada vez mais atrevidas, sem nunca cruzar a barreira do respeito e ela descobriu que isso a fazia sorrir. Sem pensar muito nisso começou a olhar-se mais ao espelho e a pensar que para uma mulher de quarenta e dois anos e mãe de um rapagão de dezoito não estava nada mal. Antes pelo contrário, muitas miúdas com metade da sua idade matariam para ter o seu corpo. Os piropos que o colega lhe mandava na brincadeira não eram mal direccionados. Começou a imaginar como seria estar com ele e, quando isso acontecia, apareciam-lhe as tais borboletas no estomago.

Mesmo quando fazia amor com o seu marido dava consigo a imaginar como seria estar com o colega e isso, de alguma forma, excitava-a ainda mais. Mas jamais quereria ser infiel ao seu companheiro. Sabia perfeitamente que aquilo que sentia pelo colega era apenas luxúria, mas o que sentia pelo marido não podia ser definido apenas numa palavra.

Procurou na internet respostas para o seu problema. E achou que as descobriu na possibilidade de um casamento aberto. E foi assim que chegamos a esta noite em que a história começou.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Um casamento moderno - Prólogo

 

-Alguma vez pensaste na possibilidade de abrir o casamento? – Perguntou ela.

A simples pergunta fez um arrepio percorrer-lhe a espinha e sentiu todos os seus pêlos a eriçarem-se, como se de repente o quarto tivesse ficado gelado.

Tinham acabado de fazer amor e ela tinha tido sete orgasmos, três deles enquanto ele penetrava, sendo que o orgasmo final dela o tinha levado ao extremo, acabando junto com ela. Como sempre, ela levantou-se logo em seguida, foi à casa de banho, voltou, deitou-se, ela aninhou-se nele e, após alguns minutos de silêncio, quando ele já deslizava para o sono, ela fez a pergunta!

Ela notou que o seu corpo ficou rígido de repente.

-Não! – Respondeu ele simplesmente.

Ela esperou alguns momentos por mais alguma reacção dele, mas não houve nenhuma, além do facto do braço dele, que a acariciava, ter parado de repente. Ele parecia que se tinha tornado numa estátua e até a sua respiração parecia ser diminuta. Ela sabia que lhe tinha tocado num nervo!

-Só perguntei porque vocês, homens, costumam olhar para mais que um lado ao mesmo tempo… Sabes como é…

-Sei. – Respondeu ele secamente.

Ela decidiu que não seria uma boa altura para continuar a dizer o que queria.

-Boa noite!

Ele nem lhe respondeu.

Pouco depois ela deslizou para o sono. Já ele mantinha-se acordado, imóvel, com lagrimas a escorrerem-lhe pela face.

quinta-feira, 22 de abril de 2021